sexta-feira, 7 de março de 2014

Pelos sebos da vida: "O coração das trevas", de Joseph Conrad (por Diego T. Hahn)


Curioso Joseph Conrad ser o primeiro cara a ser resenhado duas vezes aqui no blog (a primeira vez, inclusive, foi na primeira resenha do De Letra, com Os duelistas). Curioso, no caso, porque nem é um dos meus autores preferidos - e, na verdade, só li mesmo esses dois livros do sujeito (ou seja, ele tem 100% de aproveitamento por aqui!).

Um dos livros com a quantidade de versões da capa mais legais que já encontrei por aí (embora esta acima esteja meio "fora de foco", foi talvez uma das mais interessantes que achei e assim decidi por incluí-la também na rela).
Curioso também, pelos estilos empregados em cada um, parecerem os acima referidos livros terem sido escritos por autores totalmente diversos (Os duelistas é, digamos, mais light, mais direto, sem tanto rebuscamento, ao contrário da densidade de O coração das trevas - se bem que isso possa se dever, claro, tanto ao conteúdo de um e de outro, quanto a questões referentes a edição, tradução, etc).

A respeito disso, vale dizer que Conrad era polaco e só foi morar na Inglaterra (posteriormente naturalizando-se inglês) lá pelos vinte e poucos anos, quando ainda não falava uma palavra sequer do idioma bretão... e, ainda assim - e talvez por isso mesmo -, superou-se e tornou-se um exímio conhecedor e artista daquela língua.
Embora o mais do que centenário livro - sua publicação data do longínquo 1902 - seja um clássico, foi mais também pela sua curiosidade que decidi resenhá-lo, por assim dizer, aqui (e por ser um dos últimos livos resenháveis que li), já que certamente, assim como Conrad, e apesar de um bom e envolvente livro, não ter se tornado um dos meus favoritos.

Inevitável, claro, mencionar que Francis Ford Coppola se baseou no livro para filmar Apocalypse Now, adaptando a realidade da obra de Conrad que se passava no Congo colonizado para a Guerra do Vietnã.

A respeito do filme (que, a propósito, na minha humilde avaliação, uma raridade nesse tipo de comparação, chega a ser melhor que o livro), embora Brando, interpretando Kurtz – de certa forma, mais uma vez o poderoso chefão –, ainda que só apareça no final, seja o eixo central do filme, e Martin Sheen - sim, o pai do sequelado Charlie, que, diga-se de passagem, protagonizou também outro clássico de guerra, Platoon - o protagonista, quem definitivamente marca presença, ainda que só apareça em determinado trecho – ao meu ver, igualmente, nas melhores sequências –, é Robert Duvall, com seu coronel surfista e suas frases épicas, tais quais “Vietcongues não surfam!” e “Adoro o cheiro de napalm pela manhã”.

 Obviamente revi o filme após terminar de ler o livro, para verificar se teria e qual seria a nova impressão sobre a obra cinematográfica (e o resultado foi realmente positivo e, entre outras coisas, foi interessante perceber a relação feita por Coppolla entre Vietnã e o Congo colonizado do livro quanto à justificativa de “ajudar a humanizar e trazer progresso à região” – típica ação que podemos dizer, inclusive, se perpetua e segue atual, já que tal justificativa – esfarrapada? – segue sendo usada em eventuais incursões imperialistas mundo afora).

Impossível, no entanto, não começar a ler o livro tendo já visto o filme anteriormente, já na expectativa de encontrar Kurtz. Não sei ao certo, mas talvez isso, ainda que sutilmente, tenha prejudicado (ou teria ajudado?) de alguma maneira a leitura.

O fato, de qualquer forma, é que é uma leitura densa. Quem narra a história é o marinheiro inglês Marlow, contando sua experiência no Congo, na época que a Bélgica colonizava o país africano. Encarregado de subir o rio (que, embora não identificado por Conrad, presume-se seja o rio Congo, também conhecido como rio Zaire) numa expedição a bordo de um precário barco para buscar Kurtz, o genial agente da companhia que explorava a região e que, diziam, havia enlouquecido no posto mais avançado da empresa e, apesar de seguir com suas enormes remessas de marfim, havia se tornado um problema.


E, no mais, em meio a tudo isso, temos canibais famintos, decapitações, rituais pagãos, frequentes e controversas menções ao tal cara lá no fim do caminho que não aparece nunca - até aparecer - e um barquinho a deslizar, no azul, azul do mar (bem, não tão azul, e muito menos mar, mas você entendeu - e eu não podia perder a deixa).

"Dei ordens para que a âncora, que havíamos começado a puxar, fosse jogada outra vez. Antes que ela parasse de correr com seu retinido surdo, um grito, um grito muito alto, como que de infinita desolação, soou lentamente através do ar opaco. E cessou. Um clamor de lamentação, modulado em selvagens dissonâncias, encheu nossos ouvidos. O fenômeno era tão inesperado que meus cabelos arrepiaram-se sob o meu boné. Não sei o que causou nos demais; para mim era como se a própria neblina tivesse gritado, tão repentinamente, e aparentemente vindo de todos os lados ao mesmo tempo, despertando aquele tumultuoso e triste clamor."

" 'Eles atacarão?', murmurou uma voz apavorada. ' Seremos todos massacrados em meio a este nevoeiro', murmurou outra. As faces contraíam-se de tensão, as mãos tremiam levemente, os olhos esqueciam-se de piscar"

" 'Pega elis', ele disparou, abrindo os seus olhos avermelhados e mostrando os seus dentes afiados - 'Pega elis. Dá elis pra nóis'. 'Pra vocês, hein?', perguntei; 'O que vocês fariam com eles?' 'Comia elis', falou secamente, e, apoiando seu cotovelo no gradil, olhou através da neblina com um ar de grande dignidade e uma atitude de profunda reflexão."

Críticos costumam dividir-se, questionando a mensagem central do livro, se uma espécie de libelo anticolonialista ou simplesmente uma representação racista da África - Conrad, que, diga-se de passagem, era também marinheiro, havia visitado e viajado pelo Congo na época da dominação belga.

Para se ter uma ideia da densidade do produto, procurando informações, críticas, etc, sobre o livro na internet, achei até mesmo tese de universidade sobre ele.
O que creio, particularmente, possa restar basicamente de questionamentos ao cabo da leitura, após todas as reflexões que já foram feitas e são conhecidas, e sem forçar lá muito a barra com maiores análises psico-antropológicas e tal - e talvez já forçando um pouco - , é:

- Precisamos mesmo chutar o balde, mergulhar fundo de verdade, abandonando todas nossas defesas - físicas e psíquicas -, ir realmente até o limite, para descobrirmos nosso real potencial – ou, em outras palavras, para simplesmente conhecermos verdadeiramente quem somos (e, por tabela, o que realmente nos rodeia nesse mundão de meu Deus) – ? (Como diria o Capitão Willard no filme de Coppolla, justificando sua presença no Vietnã: “Eu não saberia quem sou numa fábrica em Ohio!”)

- E seria o ser humano essencialmente selvagem por natureza (sendo que a nossa sociedade civilizada só consegue mascarar relativamente isso)?

 
 
E para não dizer que não dei voz ao principal personagem da história - Kurtz - aqui, eis sua mais curta e emblemática sentença, na qual ele talvez sintetize as respostas e resuma essa loucura toda:

"O horror... O horror".

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Poesia para quem precisa (por Diego T. Hahn)


(Este texto foi publicado na edição número 1 da "Cesma Revista", no mês de novembro de 2013, e é parte integrante também da coletânea de contos "Histórias reais de amigos imaginários (e vice-versa)", a ser lançada no mês de março próximo)


- Mão na cabeça, vagabundo!

- Olha aí, capitão: caderninho de poesia...

- Preso em flagrante, hein, vagabundo!? Poesia, hein?

- Hã?... Eu estava aqui só escrevendo... não sabia que...

- Ah, não sabia que é o primeiro passo, malandro?? Não sabia que a poesia é a porta de entrada?

- Porta de entrada para o quê, chefia?

PLAFT!

- Ai!

- Tá te fazendo de desentendido, malandro? Vê aí o que tá escrito, Serjão... lê aí...

- Humm...

- Vê se ele cita a polícia aí...

- Não, capitão... não...

- Bom, vê se ele preparava então alguma rima pra polícia...

- Hum... tipo o quê, capitão?

- Hum... não sei... olha aí, Serjão!... sei lá... “polícia”... “polícia”...

- Milícia, chefia?

PLAFT!

- Ai!

- Tá chamando a gente de miliciano, é, malandro?

- “Delícia”. Achei aqui, capitão...

- Opa, olha aí, Serjão! Temos provas agora, Serjão... lê o resto aí, Serjão, lê o resto aí!

- “Tuas mãos pelo meu corpo... o mundo absorto... no teu seio eu navego... numa tarde de delícia”...

- Olha aí! Atentado ao pudor, no meio da rua!

- Sim, mas... e a rima, capitão? Tá faltando a rima...

- É verdade. Cadê a rima, malandro?? Onde ia entrar a rima aqui?

- Não tem rima... é um poema que...

PLAFT!

- Ai!

- Tá tirando a gente pra ignorante, malandro? Acha que a gente não entende de poesia, é?

- Não, não é isso... é que...

- Olha essa outra, capitão: “Teu corpo é meu castelo... meu porto seguro... quando ouço tua voz...”

- “Meu mastro fica duro”? Mais atentado ao pudor aí??

- Não. “O inimigo pede trégua”...

- O quê??

- É... por que não usou “égua” antes então?

PLAFT!

- Ai! Pô, por que essa agora?

- Nem sabe fazer poesia, vagabundo!... Ah, tamo perdendo tempo aqui... nem é poeta nada, Serjão...

Jogam o caderninho nele e vão embora.

Ele fica imóvel ainda por um tempo ali escorado na árvore, observando eles se irem.

Em seguida, pega o caderno e a caneta e volta a buscar a rima que tanto procurava o dia inteiro e que estava quase lhe chegando antes daquela abordagem...

“Fictícia?”

 

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Sucessivas explosões (Em memória do Maestro)


A primeira coisa que me vem à cabeça quando lembro da coisa toda é aquela frase, surgindo voando, veloz: "Separada por um istmo!" e ecoando "istmo. ISTMO!".

Engraçado. Nunca fui tão bom assim em geografia, mas essa lição peguei bem: aquele tal lugar era separado do continente por um istmo.

Isso aconteceu lá pelos idos dos 90. Metade da década, talvez. De certeza, eu era guri. Lembro bem da minha confusa impressão, inclusive sem saber ao certo se tinha gostado ou não, que havia ficado tipo "Cara, que parada é essa??", tentando digerir por alguns dias após o espetáculo toda aquela função.
E talvez esteja tentando digerir até hoje.
Pois dizem que é isso o que a verdadeira arte faz com a gente, quando temos a sorte de nos depararmos com ela.

Depois o que mais marcou daquele curioso espetáculo daqueles dois estranhos artistas sbornianos (um com jubão eletrificado e olhar petrificado, o outro com sorrisinho canastrão abaixo do bigodinho, típico gerente de restaurante italiano), além daquela dancinha maluca do corpo travado com a cabeça chacoalhante - essa era perfeita para eu dançar - e de uma certa canção que falava de um triângulo amoroso familiar, foi uma versão feita por eles para "Meu erro" dos Paralamas do Sucesso.
 Devagarzinho, ritmada, à meia-luz, violão e acordeon. E, bem...
Esqueça Zizi Possi. Esqueça todos os outros covers dessa música.
Havia um quê de melancolia ali - e como é bela a melancolia quando inserida na medida justa em certos casos (bem, mais uma vez, a arte, a arte...)...
Mas havia também um quê de mágica ali. Era algo quase hipnótico.
E ainda é: sempre que lembro do espetáculo, antes mesmo de lembrar de todo o resto, automaticamente começa a tocar lá no fundinho dos arquivos da minha confusa memória aquela música...

Foi a primeira - e, agora sei, última - vez que os vi em ação.
Nossos caminhos infelizmente nunca mais se cruzaram desde aquela noite. Tinha curiosidade, agora mais maduro, adulto, por assim dizer, a respeito da impressão que eventualmente me trariam nos dias de hoje. É o meu primeiro grande lamento dessa partida precoce do Maestro, uma tristeza egoísta, eu sei, de nunca mais poder revê-lo em ação.
(Há uma piada na qual um portoalegrense pergunta para o outro:
- Já viste o Tangos & Tragédias?
- Umas 8 vezes...
- Por quê? Não gostou?).

Mas depois tem também, além, claro, da tristeza inerente à imensa perda de mais um ser humano, qualquer ser humano - que por si só já seria suficiente, como diria John Donne -, também a estranha, curiosa, tristeza, essa saudade antecipada, que nos ataca quando se vão determinadas pessoas que nem conhecemos intimamente, que pouco ou quase nunca víamos nessa vida, em quem quase nunca pensávamos, na realidade, mas por quem, devido a alguma característica peculiar, seu carisma, seu jeito de sorrir ou ser bom em algo, ou algo assim, nutríamos alguma espécie de admiração especial lá no fundo. E damo-nos conta disso tudo especialmente nesse momento de partida - embora, claro, talvez exista uma certa tendência a tudo isso se intensificar nessas horas de partida - quando já é tarde, e tentamos admirá-las e reverenciá-las em pensamento o máximo que podemos nessa despedida, como tentando correr atrás do tempo perdido, como tentando calcular a falta que elas nos farão.

Bem, creio que existem diferentes formas de luto, ou, melhor dizendo, diversas formas de tristeza advindas do luto.

Certamente não é tão profundo e avassalador como chorar por um parente ou amigo próximo. 

É uma tristeza mais sutil.

Nesse caso, creio que choramos talvez por amigos de outras dimensões, outras vidas, vidas nas quais imaginamos que tudo é melhor e mais belo que aqui e somos sempre felizes, tal qual numa ficção.
Ou choramos simplesmente por nossos super-heróis particulares, gente "especial" que nos mostra que aqui mesmo há mais entre o céu e a Terra do que supõe nossa vã filosofia.

Tal qual acontece com a identidade secreta de alguns dos nossos super-heróis, no entanto, às vezes pouco sabemos de suas vidas pessoais, até que um dia se vão - a gente costuma achar que durariam para sempre, envergando sua capa e sorrindo aquele sorriso também eterno, naquela pose altiva - e há sempre um quê de tragédia na morte de um super-herói.

Para pegar mais uma deixa do poema de Donne, sucessivas explosões afastaram a ilha-natal do Maestro do continente, tal qual dizia o antigo poeta inglês que acontecia quando uma pessoa, qualquer pessoa morria, era como se um pedaço de terra se desprendendo e o continente ficando menor e por isso não pergunte por quem os sinos dobram, eles dobram por ti, por mim, por nós, a tragédia é de todos nós. E é inevitável. Sucessivas explosões seguem e seguirão para sempre acontecendo, afastando outros preciosos torrões do continente.

Mas, ainda que não nos console hoje - e, na realidade, acontecerá algum dia? - , a verdade é que depois, muito depois do baque dessas tragédias, fica tudo o mais.
Fica a lenda. Fica a arte - nossa fonte de vida eterna, afinal. Fica a dança. Ficam os tangos, claro,. Ficam os tangos, com todo seu mix de lenda, teatro, dança, drama e música. Fica a música. Sim, fica a música.

Sim, inevitável hoje não ouvir aquela canção do Herbert voltando a tocar baixinho como aquela vez há tantos anos, tal qual eles a haviam transformado, à meia-luz, violino e acordeon, mágica como sempre depois daquela noite, embora, desta vez, certamente, também um tanto quanto mais melancólica.

E eu, eu sigo tentando digerir.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Jardins e versos em comunhão (por Auri Antônio Sudati - versão em inglês: Auri Antônio Sudati/ versão em italiano: Diego T. Hahn)


Aproveitando a deixa do post anterior, seguimos também neste flutuando através de poesia e línguas estrangeiras. Em mais uma colaboração com o seu Auri Antônio Sudati, aqui vai "Jardins e versos em comunhão", poema da autoria do seu Auri, no seu original em português e, logo abaixo, duas versões "estrangeiras" do mesmo: em inglês e em italiano (a parceria consta também da edição de novembro/dezembro do Jornal Letras Santiaguenses - para o qual o projeto multilinguístico é originalmente direcionado).


JARDINS E VERSOS EM COMUNHÃO      
 
Se um dia quiserem saber
quem foi essa mulher que semeou
poemas e flores pelos caminhos,
exortou cenários, distribuiu ternuras,
sorriu, cantou, mudou realidades.
 
Se te perguntarem também
quem foi essa mulher que encantou
o mundo com sua bondade,
vivenciou cada minuto de vida,
em harmonias, preces e bênçãos. 

Nunca digam seu nome, apenas
revelem que ela fez de cada verso
catecismo e guia no cotidiano,
e que, ao renascer em poemas e flores,
mesclou-se a jardins e versos em comunhão. 
  
 
GARDENS AND VERSES IN COMMUNION
(Versão em inglês por Auri Antônio Sudati)
 
If one day somebody asks you
who was that woman that showed
poems and flowers by paths,
she exhorted landscapes, she shared tender
moments
she smiled, she sang, she changed realities 
 
If somebody asks you too
who was that woman that enchanted
the world with her goodness
she lived every minute of her life
in harmonies, in preaches and in blessings 
 
Never tell her name, only
reveal that she made of every verse
a cathecism and a guide in her daily life,
and that, while being reborn in poems and
flowers,
she blended to gardens and verses in communion. 


GIARDINI E VERSI IN COMUNIONE
  (Versão em italiano por Diego T. Hahn)
 
Se un giorno volessero sapere
chi è stata quella donna che ha seminato
poemi e fiori per il camino,
ha esortato scenari, ha distribuito tenerezze,
ha sorriso, ha cantato, ha cambiato realtà  
 
Se ti chiedessero anche
chi è stata quella donna che ha incantato
il mondo con la sua bontà,
ha vissuto ogni minuto di vita
in armonia, preghiere e beatitudini. 
  
Mai dire soltanto il suo nome
Rivelate invece che lei ha fatto di ogni verso
catechismo e guida nel quotidiano,
e che, rinata in poemi e fiori,
si è mescolata a giardini e versi in comunione.

 

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

"Passaggio di un Angel", por Christian Sinicco


Numa colaboração transoceânica, o De Letra tem o prazer e a honra de publicar aqui um poema do amigo Christian Sinicco, escritor italiano da cidade de Trieste e presidente da Lega Italiana Poetry Slam (LIPS).

Blog do Christian: http://christiansinicco.wordpress.com/about/

São duas versões do poema: em italiano e no dialeto triestino (prometemos uma tradução para o português para breve!).


Passaggio de un Angel 
(versão em dialeto triestino)

Ghe xe un jazz kleb
che sona musiche inzenociade
su quel schizo de passion de ogni omo
che come un fià
vien fora del cosmo.
Qualchedun disi che no ghe piasi,
un altro se ciama fora,
un altro ‘ncora discuti del’ora;
chi xe zito, e no pensa.
“Sta zito, bevite sta bira”
me disi l’angel che xe sentà con un mezin
de vin sula tola,
gambe incrosade, peto squarcià
nela camisa. “A mi te me disi
che devo parlar, dir la mia
come tuti”. “Zito!” l’angel
tira fora una pergamena, lustra.
E no xe scrito gnente ghe digo.
“Mona” me disi lu’ “xe de far”

Ziti ziti se metemo a masinar
e mi ghe scrivo dela rede che no ga materia
e lu’ me conta che xe in questo e in quel paese
sconta in un buso… “Buso,
‘lora te me ciapi pe’l cul
vecio rincoionì de un angel!
Se xe in questo e in quel
no po’l esser in un,
ma in tanti!” “Ma tanti cossa,
xe fora per fora, oltre per oltre!”
Ghe domando scusa: ‘l xe un angel,
gnanca ‘l Cristo devi saver le robe che sa lu’,
gnanca ‘l Dio, la Madona,
co’ sto peto squarcià che no sanguina
che te ghe po’l meter la man drento
e rigirarla, disbratar, farghe mal
ma no’l senti, no’l senti.

Semo qua
de tre giorni
fermi
co’ sta pergamena che sona
un jazz de vento, la bora.
Riva la muleta, la porta
‘l vin rubado
a quel che disi che no ghe piasi,
a quel’altro che se ciama fora,
a chi discuti del’ora;
a chi xe zito, e no pensa.



Passaggio di un Angel
(versão em italiano)

E’ un jazz club
che suona musiche inginocchiate
su quel flutto di passione di ogni uomo
che come un fiato
viene fuori dal cosmo.
Qualcuno dice che non gli piace,
a un altro non interessa,
un altro ancora discute dell’ora;
chi zitto, non pensa.
“Stai zitto, bevi la birra!”
mi dice l’angelo seduto a tavola
con mezzo litro di vino,
gambe incrociate, il petto squarciato
nella camicia. “Dici a me
che devo parlare, dire la mia
come tutti”.”Zitto!” l’angelo
tira fuori una pergamena, lucida.
E non c’è scritto niente gli dico.
“Scemo” mi dice lui “è da fare”.

Zitti zitti lo mettiamo in moto l’ingranaggio
ed io gli scrivo della rete senza materia
e lui racconta che è in questo e in quel paese
nascosta in un buco… “Buco,
allora vuoi uccellarmi
vecchio rincoglionito di un angelo!
Se è in questo e in quello
non può essere in uno,
ma in tanti!” “Ma tanti cosa!
E’ forata, passata oltre!”
Gli domando scusa: è un angelo,
nemmeno il Cristo sa ciò che lui sa,
nemmeno Dio, la Madonna,
con quel petto squarciato che non sanguina
che gli si può mettere dentro la mano
e rigirarla, governare, fargli male
tanto non sente, non sente.

Siam qui
da tre giorni
fermi
con una pergamena che suona
un jazz di vento, la bora.
Arriva la ragazzina, porta
il vino rubato
a quello che dice che non gli piace,
a quell’altro a cui non interessa,
a chi discute dell’ora;
a chi zitto, non pensa.




quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Conto premiado no Concurso "Águas do Tijuco" (MG)


E, para começar bem o novo ano do "De Letra", boas notícias:

Um dos contos contidos no "Histórias reais de amigos imaginários (e vice-versa)" , obra que será lançada em breve (previsão de publicação é para fevereiro e lançamento oficial na metade de março, quando começa o ano no Brasil!) foi selecionado no final de dezembro no Concurso de Contos "Águas do Tijuco", da cidade de Itaiatuba (MG), considerado um dos maiores certames do gênero no país.

Assim, "Réquiem para um escritor anônimo" , além de constar do "Histórias reais...", fará parte também  em breve da coletânea a ser lançada com os 10 melhores contos do referido concurso.

Mais um alento para seguirmos em nossa cruzada literária e mais um motivo para agradecer aos incentivadores - especialmente aos amigos-sócios-colaboradores-patrocinadores do projeto crowdfunding, que serão elencados com as devidas odes na obra impressa! - pela força nessa empreitada!!

Abraços!!

Diego

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Zen Pencils ("Roll the dice", de Charles Bukowski)


E, bom, pra fechar este primeiro ano do De Letra em grande estilo, uma mistura explosiva pra detonar tudo:

Zen Pencils + Charles Bukowski.

Sem dúvida um épico do Zen Pencils, com este que talvez seja o poema mais famoso do velho safado (e, emblemático, se encaixa bem nesse clima de fim de ano - e de fim em geral...).

Para quem não conhece o Zen Pencils (há um outro post muito bom sobre ele aqui no De Letra: http://www.deletradj.blogspot.com.br/2013/10/zen-pencils.html), trata-se do seguinte: um desenhista australiano pesca uns pensamentos, poemas, textos inspiradores em geral, enfim, de gente famosa e cria uma espécie de história em quadrinhos em cima deles.

E para quem ainda não conhecia o texto do velho Buk e não saca muito de inglês, aqui vai uma tradução aproximada do mesmo para se curtir melhor a obra de arte mixada mais abaixo:

Roll the dice ("Role os dados")

"Se você vai tentar, vá até o fim
Caso contrário, nem comece.
 Isto pode significar  perder namoradas , esposas, parentes, empregos
E, talvez, até sua cabeça.
Isso pode significar não comer por três ou quatro dias. 
Pode significar congelar de frio sobre um banco do parque. 
Pode significar prisão. 
Pode significar escárnio, desprezo, desdém.
Isso pode significar zombaria, isolamento. 
Isolamento é o prêmio. 
Todos os outros são um teste à sua resistência. Do quanto você realmente deseja fazer isso.
E você vai fazer isso
apesar da rejeição e das piores probabilidades. 
E será melhor do que qualquer outra coisa que você possa imaginar. 
Se você vai tentar, vá até o fim
Não há outro sentimento como esse 
Você ficará sozinho com os deuses
 E as noites flamejarão com fogo
Faça, faça, faça
Até o fim
Até o fim
 Você levará a vida direto para a risada perfeito
 É a única briga boa que existe."

Feliz Ano Novo e que em 2014 a gente continue indo (ou tentando) até o fim!





sábado, 14 de dezembro de 2013

Pelos sebos da vida: "Tubarão", de Peter Benchley (por Diego T. Hahn)


Bom, aproveitando a chegada da temporada e seguindo na mesma onda (ah, como eu gosto desses trocadilhos!) do texto anterior do amigo Juliano aqui no blog, vamos continuar com nossos refrescantes banhos de verão, porém nos aprofundando um pouco mais agora...

O imenso peixe deslocava-se silenciosamente pelo mar noturno, impulsionado por movimentos curtos do rabo em forma de crescente...”
Assim começa esse clássico thriller de Peter Benchley,  com o qual quase todo mundo já teve contato mais provavelmente graças ao filme do Spielberg.


A propósito, pelo que leio e ouço parece-me que o dito cujo seja mesmo um dos animais que exercem maior fascínio sobre a galera, talvez por ser o único remanescente da época dos dinossauros ou por ser uma espécie de leão da água, o rei dos oceanos, mas muito provavelmente também por esse seu destaque literário-cinematográfico.



Com essa incursão do peixe pelas artes, por exemplo, aprendemos que o Tubarão Branco não é branco, é na realidade cinza-escuro em cima, e recebe esse nome pela sua parte de baixo, a sua barrigona, essa sim alva como um belo fantasma.
 

E que ele é descendente do jurássico Megalodon, uma locomotiva cheia de dentes, graças a Deus (que me perdoem a Mãe Natureza e os biólogos por esse graças a Deus) já extinta, que fazia o grande branco parecer uma sardinha.
 
As principais diferenças entre as duas obras: no livro (SPOILER! SPOILER! SPOILER! Para quem ainda não sabe, SPOILER é o ato fdp de entregar o ouro, contando partes importantes ou mesmo o final de uma obra), Hooper traçava a mulher de Brody ou o xerife achava que ele traçava, não lembro bem e obviamente não me prestei a reler o livro para tirar essa dúvida. De qualquer forma, tem aquele clima tenso entre eles, que não tem no filme, ao menos não por esse motivo.
 
Mas não se preocupem, que Hooper paga caro por isso. Sim. E o xerife nem precisa fazer nada (SPOILERERAÇO!): quando resolve dar uma de espertinho naquela sua gaiola embaixo d´água, nosso amigo peixe destrói o negócio, tal qual no cinema, à diferença que na obra de Benchley, o biólogo não vai se esconder numas rochas lá no fundo e sim na bocarra do bichão.

Por fim, o destino do tubarão no livro, embora tão definitivo quanto na película, é mais ameno, por assim dizer: quando se aproximava do indefeso Brody no que restava do barco inundado, supostamente para dar o bote final, o bicho simplesmente para e afunda, morto pelo desgaste da porradaria protagonizada entre eles, ao contrário da hollywoodiana explosão do peixe na tela.
 
Enfim... vale dizer que, sim, foi Spielberg quem o materializou aos nossos olhos (e Williams aos nossos ouvidos, com aquela tensa trilha crescente), mas é justo dar os devidos créditos a Peter Benchley, pela mente criadora desse terror, que fez muita gente não só pensar mil vezes antes de se banhar nas águas de algum oceano, como ficar ressabiada até mesmo de entrar, por exemplo, numa reles piscina (sim, sei de gente que tinha esse medo irracional, ficando atucanada inclusive nas águas calmas do clube, pois chegavam quase a visualizar às vezes um enorme branco chegando e atacando do nada no meio da piscina)!
 
Mas deixando de lado essa fobia extrema (e a piscina lá no texto anterior do Juliano), só nos resta então agradecer...
Obrigado, Mr. Benchey...  obrigado por estragar para sempre a tranquilidade de nossos banhos de mar!!
 

sábado, 7 de dezembro de 2013

Água de piscina (por Juliano Lanius)



            Fui sócio de um clube recreativo, em certa época da minha vida. Os finais de semana e os períodos de férias escolares eram preenchidos com idas regulares ao clube. Neste tempo, eu deveria estar entre os 8 e 9 anos de idade. Portanto, a piscina e os tobogãs que me faziam cair dentro dela eram a atração principal. Ficava horas dentro d’água, e saía com os dedos dos pés e das mãos murchos e a boca roxa. Mas, sempre reclamava quando minha mãe avisava a hora de ir embora. Hoje, percebo desinteresse dos jovens em aproveitar os espaços e as atividades que os clubes oferecem e que são cada vez mais diversificados.

            Uma jovem de seus 14 anos, aproximadamente – idade em que o clube é o lugar das festas, das pegações, das tardes de piscina e esportes e do encontro com os amigos –, relatou-me que não tem muita disposição para ir ao clube do qual é sócia. O argumento usado por ela foi que quase não há espaço para tanta gente nas piscinas e nas dependências do clube. Mesmo com os dias de calor, sua preferência é ficar em casa, no ar-condicionado e no conforto de seu sofá. Nem mesmo a piscina com ondas lhe chama a atenção. E, pensando bem, não deve ter a menor graça mesmo entrar em uma piscina e não poder nem ao menos dar algumas braçadas. Sabe quando “deitamos” de costas na água e nos deixamos boiar e nos levar conforme as turbulências da piscina? É impossível de se fazer isso com a piscina lotada. Corre-se o risco, inclusive, de provocar o que podemos chamar de “embundamento”. Nunca sabemos se um desatento irá cruzar em frente ao tobogã quando estamos prestes a cair na água. E também podemos ser “embundados” quando esquecemos que, no final do tobogã, tem sempre alguém chegando.

            Nos meus tempos de clube, o acesso a este tipo de entretenimento era um tanto quanto restrito. Somente me tornei sócio porque era dependente do meu padrasto na época. Porém, nos dias atuais, as mensalidades estão mais em conta, e existem planos diversos para os mais diversos públicos. Estudantes pagam menos. Idosos pagam menos. Crianças abaixo de certa idade pagam menos. Casais pagam menos. Ou seja, com este turbilhão de descontos, todos querem o seu lugar ao sol. E dentro da piscina, também. Acho ótima a ideia dos clubes abarcarem todas as acamadas sociais em suas instalações, mas que se preparem para o superpovoamento e façam as adequações necessárias para satisfazer a todos.

            Uma característica do clube onde eu era sócio que me chamava a atenção era o fato de a piscina das crianças ter a água menos fria do que a dos adultos. Em minha ingenuidade, pensava que o motivo de tal fenômeno era o volume de água da piscina das crianças, que era bem menor do que a piscina dos grandes. Contudo, passados os anos e algumas visitações esporádicas a outros clubes, me dei por conta de que não era a quantidade de água que influenciava em sua temperatura, e sim o xixi que, nós crianças, fazíamos dentro da piscina. E que sensação maravilhosa. Aquele líquido quentinho nos escorrendo pelos calções e misturando-se a água cristalina da piscina era um deleite. Ainda mais quando o dia estava nublado e a água mais fria, aí então as terminações sensitivas de temperatura do meu corpo arrepiavam-se de prazer.

            Sinto falta dos tempos de clube, dos amigos, do tempo ocioso que passávamos curtindo a piscina, os tobogãs e todo o aparato do lugar. Nestes dias de calor, sinto falta do frescor da água cristalina. E, nos dias de frio, sinto falta das calorosas guloseimas que me aqueciam o estômago. Porém, concordo com a jovem que prefere ficar em casa. Se não podemos nadar, boiar e nos saracotear, que graça tem a piscina? Se não podemos escorregar, que graça tem os tobogãs? Pelo menos, a piscina menor continua quentinha.

 

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Pelos sebos da vida: "O sombra - Os 7 irmãos mortais" (por Diego T. Hahn)


Bem, antes de mais nada, este post é uma espécie de homenagem do “De Letra” a este que a meu ver é, se não O, um dos personagens MAIS FODAS das HQs (ele “nasceu”, na realidade, em um programa radiofônico nos anos 30, no qual era "interpretado" por Orson Welles, mas pode-se dizer que fez carreira mesmo nos gibis...).


Pois esta mini-série, dividida em 3 revistas e intitulada “Os 7 irmãos mortais”, a havia lido lá pelos idos do final dos anos 80 (consultando a ficha técnica, a confirmação: a data de publicação no Brasil é 1989), quando tinha algo como onze ou doze anos de idade.
  
E o negócio marcou.


Recentemente, quando lembrei dela depois de anos, intimei Mestre Jesus, da Zona Franca Comics, loja de hqs de Santa Maria. "Consegue essa parada?" - "Tá na mão", me respondeu ele, no ato.


E assim, depois de cerca de 25 anos, volto a deliciar-me com essa fantástica história. E o mais incrível é isso: ela CONTINUA fantástica! O que surpreende nisso é que, como acontece com frequência, à luz do tempo, muita coisa que era boa lá atrás acaba ficando meia boca com um olhar mais atual, mais "maduro"... (andei me arrependendo ultimamente, por exemplo, de rever uns filmes pelos quais tinha um grande carinho - pois haviam me marcado na infância - e que agora me pareceram bobos, ou simplesmente mal-feitos, perdendo assim aquela magia e causando uma certa desilusão...).


Mas esse Sombra, não: ele continua uma paulada furiosa na mente; a arte (desenhos de Kyle Baker), a trama (roteiro de Andrew Helfer), os personagens...


Ah, os personagens!...

Os irmãos Finn (Artimus, o cabeça da família, é uma figuraça; carismático, é daqueles vilões que acabam fazendo até mesmo a gente torcer por eles), cada um com uma "especialidade" criminal. A mamãe Finn e seu "peculiar" ajudante (um chimpanzé inteligentíssimo - e violentíssimo). Os malucos criminosos libertados do hospício por Artimus...

 
E, claro, o próprio Sombra, indefectíveis chapéu e capa negros, lenço vermelho no rosto, duas uzis nas mãos, a sinistra gargalhada, e todo seu charme de anti-herói pulp.


O filme holywoodiano (1994) com o canastrão Alec Baldwin como Lamont Cranston/Sombra não ficou tão ruim, é até razoável, digamos, mas se faz imperioso para quem tem algum apreço pelo misterioso personagem dar uma conferida nessa mini-série!!



Ao terminar de (re)lê-la, ficou aquela melancólica sensação de vazio, aquele gostinho de quero mais, o que me fez contatar o seu Jesus, e, para minha felicidade, ele me informa que tem uma nova HQ do cara saindo quentinha do forno para saciar essa ânsia (“O fogo da criação”, de Garth Ennis e Aaron Campbell)!!


Enfim... curioso... depois de marmanjo voltar a essa fase... deve ser alguma crise de meia idade (já que não tenho grana pra comprar um motão ou algo assim)... ou – para acabar este post com um trocadilho, como bem gosto – talvez só algumas sombras da infância voltando à tona mesmo.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Política V (por Juliano Lanius)


Em Sana Maria, cidade considerada do interior e, por isso, mais arraigada dos costumes tradicionalistas do RS, há falta de interesse das escolas em participar dos desfiles de 7 e 20 de setembro. A primeira data é em comemoração à Independência do Brasil, que tem como organizadores do desfile as diferentes secções e subsecções do Exército em SM. Já a segunda marca a data da Revolução Farroupilha, guerra que se fez necessária para a consolidação do Estado. E este desfile é organizado pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), e também acompanhado pelo Exército. As forças armadas mostram-se preocupadas com o número de inscritos este ano para as comemorações, e diz que este número diminui a cada ano. Porque será?

            Lembro-me dos meus tempos colegiais e das “horas cívicas” que tínhamos, eu e meus colegas, semanalmente. Talvez fosse na segunda ou na sexta-feira, não recordo, mas uma vez por semana saíamos ao pátio do colégio, enfileirávamos – ou éramos enfileirados pelas professoras, provavelmente – em frente ao mastro, onde a bandeira (nacional e/ou rio-grandense) seria hasteada. Era um ritual. As professoras exigiam postura correta na hora da execução do hino e conversas paralelas eram inflexivelmente discriminadas. Aqueles que não sabiam o hino podiam consultar a letra atrás dos livros didáticos que usávamos. Não estudo mais em escolas públicas, então, não tenho mais acesso aos livros didáticos atuais. Sei que os livros que vêm do governo federal ainda contêm o hino em seu verso, mas como as escolas podem escolher outros livros, pode ser que esses nem sequer mencionem questões patriotas em seu conteúdo. Talvez a falta de incentivo por parte das escolas em conhecer, valorizar e proclamar as culturas de identidade nacional e estadual, seja o vetor da diminuição dos colégios inscritos para os desfiles.

            Nas semanas passadas, desembarcaram os primeiro médicos cubanos que trabalharão em solo brasileiro. Foram recebidos com grande indignação – pelos médicos brasileiros – e, ao mesmo tempo, com grande entusiasmo – por aqueles que necessitam do atendimento que será prestado pelos estrangeiros, o povo. Um dos argumentos usados pelos médicos brasileiros, que são contra a contratação dos cubanos, é o de que eles – os cubanos – irão trabalhar como escravos, sem vínculo empregatício ou benefícios. E daí? O que os médicos brasileiros têm com isso? Se estiverem com pena dos importados, que contribuam doando uma parte de seus exorbitantes salários àqueles que agem em favor do objetivo primordial do exercício da medicina: a vida.

            Percebe-se uma demasiada preocupação com a vida alheia, com os pormenores dos outros. Se os médicos do Brasil não querem trabalhar por esse ou por aquele motivo, tudo bem. Mas não façam com que o trabalho dos outros seja menosprezado e caluniado, pois cada um luta por objetivos pessoais, assim como fazem os médicos cubanos. Se nossos doutores querem somente atender em seus consultórios particulares, que o façam. Mas deixem aqueles que acreditam em uma medicina assistencial e humanitária fazerem o trabalho deles. Isso se chama respeito à privacidade e às escolhas alheias, e é o mínimo que se espera de uma classe que se diz tão culta e avançada.

            Foi contratado, pela Prefeitura de Santa Maria, para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, o Sr. Jaques Jaeger. Ele foi gerente regional do SEBRAE e diretor da Agência de Desenvolvimento de SM, e é formado em Administração pelo Centro Universitário Franciscano e pós-graduado em Gestão Empresarial pela FGV. Podemos identificar uma mudança de paradigma quanto à contratação de funcionários públicos, atentando à sua formação técnica para ocupar cargos específicos. Deixou-se de lado os apadrinhamentos políticos, tendo em vista o caráter profissional, as habilidades, competências e conhecimentos do candidato a vaga. É possível vislumbrar como esperançosas atitudes como esta, pois temos uma posição relevante na administração municipal sendo dirigida por alguém que conhece do assunto, alguém que é especialista na área. Esperamos por resultados compatíveis. Esperamos por resultados. Esperamos.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Jesus é o canal (por Diego T. Hahn)


Malaquias tinha nome de profeta, mas até então nunca havia tido nenhum mísero contato com a Bíblia. Foi quando ouviu um trecho de uma canção de um roqueiro gaúcho na rádio que dizia: “Jesus Cristo vai voltar, aleluia... Nossa vida vai melhorar, alelu-u-ia!...”.
 
Gostou daquele sonzinho que falava do filho de Deus e passou a se interessar pelos preceitos cristãos.
- Pô, maneiraço esse livro... tem tudo para chegar a best-seller e tal...
- Que livro, Malaquias?
- Pô, a Bíblia, véio... baita livro! Vários ensinamentos e tal... radical mesmo. E aquele tal Jesus então...
- O que tem ele, Malaca?
- Pô, o cara era fera. Cheio das metáforas... Cheio dos ensinamentos...
- Ah, aposto que você gostou foi daquela história de transformar água em vinho, não é mesmo!?
- Mas nem. Cara, curti mesmo os lances do bicho... Várias lições de vida... Tô a fim de aderir, cara.
- Como assim, “aderir”, Malaquias?
- Ah, aderir, cara. Fazer parte desse movimento... Ainda por cima, um dia desses, ali na esquina de casa tem um templo, vi o pessoal cantando e orando e tal... Maneiraço!
- Hum... Olha, Malaquias, acho que você tá meio que confundindo um pouco as coisas...
- Que nada, cara! Eu tô a fim mesmo, véio. Sinto que achei o motivo de tudo isso, o motivo de eu estar aqui, ao ler a Bíblia, cara...
- Hum... E qual é esse motivo?
- Pô... fazer o bem e tal, cara.
- Malaquias... acho legal esse teu interesse e te apoio, mas quero que você tenha consciência do que está fazendo. Você não precisa “aderir ao movimento” para fazer o bem...
- Pai, perdoai-o, ele não sabe o que diz... Cara, todo mundo deveria aderir ao movimento para fazer o bem.
- Ok, ok, ok. Concordo que todo mundo deveria sempre fazer o bem, mas o que quero dizer é que existem muitas formas de fazê-lo. Sem precisar necessariamente aderir a algum movimento para isso...
- Ih, você tá por fora, cara...
Depois disso, Malaquias foi embora e ninguém mais o viu nos dois meses seguintes. Até que um amigo se preocupou e foi até sua casa ver como ele estava.
         E, ao abrir a porta, percebeu que ele estava um tanto quanto diferente.
Cabelos ondulados compridos, barba por fazer, vestindo algo parecido com uma túnica. Saudou o amigo:
- Bem-vindo, brother.
Bem, estampa estranhíssima à parte, pela saudação lá estava o velho Malaquias. Inquirido sobre o que andava fazendo nos últimos tempos, contou que havia visitado uma igreja.
- Alô, brother – contava que havia saudado ele a um padre.
- Bem-vindo, irmão. – respondera o servo do Senhor. Pois aquele “irmão” tocou Malaquias no fundo de sua alma e ele sentiu-se realmente benquisto ali naquele ambiente. Sentiu-se realmente um irmão.
E então foi para casa, onde havia ficado enfurnado nos últimos tempos. Contou também que um certo dia, enquanto tentava pregar um quadro na parede, lia ao mesmo tempo um trecho da Bíblia que relatava a ressurreição de Cristo. Arregalou os olhos. Foi quando se distraiu e, ao golpear meio torto com o martelo, o prego escapou e lhe fez um rasgo na mão. Justo quando ele lia sobre as chagas nas mãos do Messias.
Xingou até a mãe do Badanha devido à dor, mas concluiu que aquilo era outro sinal. Só podia ser. Conversou normalmente um pouco mais com o amigo, até que este começou a lhe dizer que aquilo tudo era muito louco e que o pessoal estava preocupado com ele e...
- João, capítulo dez, versículo vinte e um – respondeu secamente Malaquias.
- Hã?
Malaquias então calou-se e ficou olhando ternamente para o amigo.
- Malaca, o pessoal quer saber...
- Marcos, capítulo um, versículo seis.
O amigo calou-se e ficou olhando para ele. Depois de um tempo, conseguiu abrir a boca novamente e perguntar:
- Cara, o que está havendo?
- Paulo, capítulo onze, versículo três.
- Do que você está falando? O que houve com você, cara?
- Lucas, capítulo cinco, versículo sete – respondia Malaquias, supostamente referindo-se a passagens da Bíblia, dando a entender que quem o quisesse compreender teria que “aderir” ao seu novo mundo e que não ficaria se explicando em vãs palavras.
O amigo foi se retirando, calado, olhando-o meio assustado. Malaquias continuava a  olhá-lo candidamente, com um meio sorriso fraternal no rosto. O amigo se foi, pensando “pirou de vez”. Concluiu-se então que Malaquias havia ficado aquele tempo todo que havia sumido em casa decorando a Bíblia. Ou ao menos algumas passagens dela.
Dizem que alguém o viu tempos depois desse encontro caminhando pela rua com o alcorão numa mão e na cabeça um solidéu, mas ninguém confirmou oficialmente essa história, que acabou virando anedota...
O certo é que aquela noite Malaquias foi dormir rindo sozinho de contentamento. E ficaria ainda mais feliz depois, ao pegar no sono. Sonhou que chegava no paraíso, onde um velhinho de longa barba branca abria um grande portão dourado em meio às nuvens para ele e lhe saudava sorrindo:
- Bem-vindo, brother!
 
(Publicado em "Flashbacks de um mentiroso")