quarta-feira, 9 de agosto de 2017

"Paulo Sant´ana roubou minha crônica" (por Diego T. Hahn)


(Bem, se ainda persistem dúvidas quanto ao falecimento ou não do rock - cujo dia foi comemorado no mês passado e por conseguinte homenageado na publicação anterior aqui do blog - aparentemente as mesmas não se aplicam à lendária figura do jornalismo gaúcho citada no título deste texto, cuja passagem ocorreu também recentemente (na verdade, menos de uma semana depois) - embora certamente surgirão teorias de que ele está a viver em uma ilha secreta (como por sinal o texto abaixo aqui cogitava já há cerca de cinco anos atrás), ao lado de figuras como Elvis, Jimbo e Jacko... - , o que motiva-nos, portanto, a mais esta singela homenagem - com um texto que, na verdade, é um dos meus que menos gosto, mas, enfim, é o que tem mais a ver, e, de qualquer forma, o curioso do caso é que, após publicado no meu primeiro livro, "Flashbacks de um mentiroso", ouvi alguns questionamentos a respeito da trama, se seria verídica ou não... acho engraçado, me parece óbvio, mas sempre preferi aproveitar para fazer aquele "charmezinho" e deixar o "mistério", embora nunca imaginasse que aquilo pudesse mesmo ser um mistério, no ar... o que posso dizer mesmo - e essa parte é verdade (e curiosamente também forma uma espécie de "metalinguagem" com o texto em si) - é o seguinte: após a publicação do livro, lá em 2012, enviei, como bom autor iniciante desconhecido e com uma certa pretensão, alguns exemplares para alguns autores famosos - tipo David Coimbra, Martha Medeiros e para o próprio Paulo (olha a intimidade...) - e, alguns dias depois, não é que li numa coluna lá no fim da Zero um trecho, meio isolado do contexto, que falava mais ou menos da "facilidade daqueles que têm a sorte de ter talento e dos périplos a que se submetiam aqueles que não o tinham..."?... não sei, também não posso afirmar com 100% de certeza de que fora uma indireta para aquele meu artifício de divulgação da minha obra, não citava meu nome, meu livro, nem nada, talvez se referisse mesmo a qualquer outra situação ou pessoa, mas, ainda que ao mesmo tempo meio masoquista e pretensamente, devo confessar que senti - e ainda sinto - que aquela "esculachada" fora mesmo para mim e, assim, de alguma forma, também me senti um dia homenageado por Paulo Sant´ana! rsss).

Absurda história mesmo se desenrolou um dia desses, depois que um amigo veio comentar a respeito de uma crônica, segundo ele “fantástica”, que o colunista Paulo Sant`ana, de um jornal de grande circulação no sul do país, havia publicado nesse mesmo periódico na edição daquele dia. Segundo esse meu amigo, Sant`ana havia atingido o seu auge. O nirvana. A crônica das crônicas. Algo equivalente àquele anúncio do Chivas Regal, como diria Luis Fernando Veríssimo: “Chivas Regal. O Chivas Regal dos uísques”. Eu ainda não havia lido o jornal. Fiquei por conseguinte muito curioso, sendo o grande fã do Sant`ana que sempre fui. Caminhando um pouco mais pela rua e conversando com outras pessoas, percebi que todos falavam também sobre a tal crônica. “Genial” - vibravam. Polêmicas discussões pipocavam na rua, tendo como estopim as inspiradas ideias contidas naquela coluna lá na última página do jornal.
Não resisti, deveras curioso, embora fosse um belo dia de sol, e fui para casa verificar a tal crônica. Sendo eu um pretensioso aspirante a escritor, pensei em "sugar" alguma coisa de tão genial texto - ou, meio masoquista também, simplesmente me torturar de inveja.
Chegando em casa, ainda era manhã, preparei um belo café e puxei então o jornal. Dei uma folheada meio por cima nas demais páginas, esportes, quadrinhos, e logo cheguei na tão aguardada página. Tomei um belo gole do café e comecei a leitura. 
Pois qual não foi minha surpresa!...
Necessário se faz, para dar um adequado contexto à trama, regressar alguns dias no tempo. Mais precisamente um mês e quatorze dias. Pois cansado de penar atrás de uma oportunidade profissional no ramo das letras, procurando uma editora interessada em minhas crônicas, contos, poesias, devaneios ou até mesmo piadas - sim, eu invento também piadas, para desespero de minha namorada, Cláudia -, resolvi recorrer a um de meus ídolos na crônica gaúcha, Paulo Sant`ana. Enviei-lhe um e-mail. Apelei para o sentimentalismo barato - sincero, mas barato -, descaradamente. Contei um pouco da minha perambulação atrás de uma oportunidade, disse que estava cansado, desiludido com tudo, porque a gente não tem oportunidade de trabalho nesse país, a cultura é menosprezada no Brasil, sou teu fã número um... E por aí fui. Desesperadamente, em uma última cartada, por fim pedi uma chance para ele. Que ele ao menos lesse uma crônica minha que eu estaria mandando logo a seguir. Depois, se ele pudesse me recomendar para alguém que pudesse me ajudar, ou alguém que conhecesse alguém que pudesse... Bem, isso se tivesse gostado da crônica, é lógico... ou não também... e, enfim, mandei o  tal texto.
Eu, romântico que sou, realmente imaginei que ele me responderia alguma coisa. Nem que fosse algo tipo “Olá. Ok. Recebi tua crônica. Um grande abraço do Sant`ana”. Em consideração, ao menos. Sei lá. Mas nada... nem um “Sinto muito. Procure um emprego de verdade. Não vale a pena essa vida... sabe como é...”. Aí me frustrei de vez. Nem ao menos uma resposta confirmando a chegada do texto, pô! E o que mais me frustrava é que eu tinha realmente a convicção na minha cabeça que eu não era tão ruim assim... minha família, inclusive, gostava muito do que eu escrevia. Sempre me elogiavam e tal. Pensei em começar a suspeitar da sinceridade da minha família, mas agora era tarde. Eu tinha calhamaços de coisas escritas. Tinha me convencido que tinha um certo talento para o negócio. Mas não receber sequer um oi do meu ídolo foi realmente demais...
Não superei totalmente a frustração, é óbvio, mas nos últimos dias vinha pensando no que poderia fazer então da vida para ganhar dinheiro, para me realizar profissionalmente. Algo que eu não tivesse pensado antes. Tentar esquecer esse negócio de escrever. Tinha cansado de penar atrás de uma oportunidade e estava claro que as grandes corporações no Brasil não perdoam os pequenos e a gente tem que se virar como pode, mas chega uma hora que não dá mais... Cansei disso também. Desse papo. Ficar azucrinando os outros, posando de vítima do sistema, injustiçado. Estava na hora de deixar de ser tão romântico e cair na real. Arranjar um emprego "de verdade", como me diziam alguns amigos.
Pois foi nessa bela manhã, na qual eu caminhava pela rua e as pessoas falavam da crônica do Sant`ana, que eu havia decidido procurar um emprego, digamos, "normal". E foi exatamente nessa manhã que tudo mudou novamente.
Sentia eu um misto de surpresa, alegria, revolta... e talvez mais alguns sentimentos que eu não saiba descrever direito. Aí é que está. O Sant`ana sabe descrever! Eu, não... As palavras parecem fluir nas crônicas dele... nas minhas, não; nas minhas, parece que as coisas até se encaixam, mas que é tudo meio forçado... no fundo, no fundo, eu tinha noção disso; pô, não sou nenhum alienado. Tenho autocrítica. Daí a minha surpresa ao ver o que vi aquela manhã: a crônica que eu havia mandado para o Sant`ana estampada no jornal!!!!! A alegria vinha também desse fato. E a revolta era por ele ter assinado o texto com seu nome. Nenhum crédito para o real autor da crônica mais comentada de todos os tempos no Rio Grande do Sul: Eu!!!
Logo as ideias foram se assentando na minha cabeça. Concluí calmamente que aquilo era algo bom. Sem dúvida! Minha crônica estava estampada lá, para todo mundo ver! Quanto ao fato de não ter meu nome lá, imaginei que logo o Sant`ana entraria em contato comigo ou esclareceria na sua coluna nos próximos dias quem era o verdadeiro autor. Isso; com certeza! Paulo Sant`ana é um homem honrado, pensava eu, embora não o conhecesse pessoalmente. Só o via na televisão e lia sua coluna no jornal. Mas ele é um grande sujeito, sem dúvida. Apesar de gremista. Sempre defendeu os mais fracos. Sempre protestou contra a covardia, contra as injustiças, contra os abusos...
Mas, bem, o tempo foi passando e... nada. Nenhum contato. E o que era pior: a partir do dia seguinte à publicação da minha crônica, na coluna dele começaram a ser reprisadas crônicas antigas. Nenhuma menção à real autoria da última crônica inédita até então na coluna. O que teria acontecido? Bom, concluí eu, otimista como sempre, de repente o cara ficou doente e não está podendo escrever no momento. Pegou umas férias. Algo assim. E quando voltar vai esclarecer tudo. É, com certeza. Que bobagem eu me preocupar à toa!... Não teria eu por que duvidar da lisura de Paulo Sant`ana, um dos ícones da comunicação gaúcha, não é mesmo!?
Mas a verdade é que eu estava, sim, angustiado - e a angústia só aumentava. Todo dia, de manhã bem cedinho ia eu lá conferir a coluna do Sant`ana. Como aquele sujeito que vai conferir o resultado da Mega-Sena. Aquela esperança. Pensando no que fazer caso o prêmio saia hoje. Mas nada. E dê-lhe reprise... E, cansado daquela angústia, resolvi correr atrás do prejuízo. Mandei mais e-mails para o Sant´ana (também para o "Pablo", no mesmo endereço, mas só mudando o nome do destinatário - vai saber...) e para o jornal. Também já estava cansado daquela história de o pessoal rir debochadamente da minha cara cada vez que eu tentava contar que era eu o autor daquele famoso texto... Uns até fingiam tentar acreditar, mas sei que nunca lhes passaria pela cabeça realmente duvidar da honra daquele lendário jornalista. Provavelmente saíam depois pensando: “Pronto, pirou de vez, de tanto insistir nessa história de escrever...”. E nem adiantavam meus argumentos, como o do fato de depois daquele dia ele não ter escrito mais nada novo. Na verdade, nem eu mesmo acreditaria naquela história maluca se não estivesse diretamente envolvido nela... Mas que diabo afinal de contas estaria acontecendo?? Estaria eu enlouquecendo? Será que imaginei que tinha escrito e enviado para o Sant`ana aquela bendita crônica?? Ou teria sido tudo real e depois de ter publicado meu texto ele teria simplesmente sido abduzido por extraterrestres? Eu já começava a rir daquilo tudo... Não sabia mais no que pensar. Relaxei por uns momentos. Comecei a ver o lado surreal daquilo tudo. E, na verdade, o mais importante de tudo: minha crônica estava lá, no jornal, para todo mundo ver. Meu nome, não; é verdade. Mas minha crônica estava lá. Foda-se. Sim, é isso aí! Foda-se!...
Porém, não, aquela espécie de "catarse" era mais uma tentativa de me iludir; não, aquilo não bastava para mim, alguns minutos depois eu me dava conta outra vez. Paulo Sant`ana me devia satisfações. Ponto. E agora já não bastava um “Sinto muito. Procure um emprego de verdade. Não vale a pena essa vida... sabe como é...”, pois obviamente ele havia gostado da minha crônica! - e uma grande parcela do Rio Grande do Sul também, pelo visto...
Mas eu não sabia mais o que fazer. Eu não tinha respostas. Nem do Sant´ana, nem do... 
Até que o jornal um dia me respondeu. Acho que de tanto eu azucrinar os caras... A princípio, nem devem ter respondido meus e-mails por imaginarem se tratar de alguma brincadeira ou coisa de algum lunático. Talvez, aliás, eles ainda estivessem achando que fosse algo assim, mas assim mesmo resolveram responder. Talvez para se livrar de mim. E mais uma vez fui surpreendido pelo que eu lia ali na minha frente. Não vou dizer que a surpresa era tão grande quanto a de ver a minha crônica no jornal, mas foi também impactante - e, no fim das contas, só serviu para aumentar o mistério que já rondava minha cabeça.
Eles me disseram que Sant`ana... havia se aposentado.
Durante dias continuei enchendo o saco do pessoal do jornal, tentando obter respostas mais claras. Como assim, havia se aposentado? De repente? Por quê? E por que logo depois da minha crônica? - embora eles não acreditassem que era minha crônica...
O resto da população gaúcha também ficou estarrecido com tão repentina surpresa. Houve uma grande comoção por alguns dias, logo depois que a notícia havia estourado. Gente chorava, até mesmo. Mas para mim em especial ainda havia mais. E nada de resposta do sujeito. Aparentemente, aliás, ele havia sumido do mapa, comentava-se pelas ruas de Porto Alegre. Ninguém nunca mais havia visto ele na capital gaúcha. Nunca desisti completamente da ideia de ter aquilo tudo esclarecido e que enfim eu pudesse ter o devido reconhecimento, mas já me contentava com a possibilidade de ao menos receber uma resposta qualquer dele. O sujeito, no entanto, realmente parecia ter virado fumaça.
Meses se passaram. A última página do jornal foi aposentada, como se aposentam as camisas dos grandes ídolos de certos times, como a 23 do Chicago Bulls, antigamente usada por Michael Jordan, e que nunca mais poderá ser usada por nenhum outro atleta. Ninguém mais poderia escrever naquela última página. Em Porto Alegre, logo surgiu o grupo “Viúvas do Sant`ana”, que não se limitava a mulheres, como poderia sugerir o nome, mas abrangia todos aqueles fãs do colunista, que se reuniam para debater crônicas que ele havia escrito ao longo dos seus anos de jornalismo. Logo o grupo espalhou-se pelo interior do estado também e até em alguns outros estados do país.
Mas do Sant´ana ninguém nunca mais havia sabido realmente nada. O jornal se limitava a informar que ele havia se aposentado e que não tinha mais nenhuma informação. Eu, embora quisesse e até tentasse, não conseguia mais me concentrar para escrever. Sentava em frente ao computador, digitava algumas linhas, mas logo meu pensamento se perdia. Recorria então à máquina de escrever, com a qual me sentia um pouco mais à vontade. Nada. Eu até tinha umas boas ideias, mas não conseguia engrenar. Não ia até o fim. Parecia que havia algo me emperrando. E realmente havia. Até o dia em que chegou um cartão postal para mim.
O remetente se chamava Pablo e escrevia para mim do Caribe. Dizia que escrevia de uma rede, onde estava deitado olhando para o azul do mar. Ou do céu. Ele nem sabia mais. Os dois se confundiam de tão azuis. Era tudo que ele sempre quis. E me mandava um grande “obrigado”. Dizia que era a sua chance para acabar a carreira com chave de ouro. Não conseguia imaginar que um outro alguém que não ele poderia escrever aquilo. Foi mais forte do que ele, então: teve que publicar em seu nome. Mas tratou de esclarecer que não foi exatamente um acesso de vaidade. Foi algo mais forte do que isso, tal o impacto da minha crônica nele. A crônica tomou conta dele. Passou a ser dele. A crônica era realmente dele. E, depois dela, não teria como continuar escrevendo. Depois de atingir o pico, qualquer coisa que escrevesse o frustraria. Quanto a mim, disse que estava me prestando um favor. Se a crônica não tivesse sido publicada na sua coluna, apesar de muito boa, provavelmente não teria o reconhecimento que teve. Provavelmente, mesmo que tivesse sido publicada, mas com o meu nome, não teria o alcance que teve. Então, eu deveria ficar orgulhoso por ela, completava ele. Eu devia pensar nela como uma filha. Uma filha que foi longe, que ganhou o mundo. E no fim, todos nós havíamos sido ajudados: eu, ele e a crônica. Eu, por poder perceber que tenho realmente talento, apesar da minha romaria atrás de uma oportunidade não ter tido até então o efeito desejado. E por poder perceber também que às vezes o mundo é mesmo cruel, e ele não se referia à sua própria atitude, mas sim ao fato de que muitas vezes muitas coisas belas se perdem pelo fato de as pessoas que as criam ou cuidam delas simplesmente ainda não terem a devida influência, o devido reconhecimento. Finalizava me desejando boa sorte e que um dia eu estivesse lá, como ele, desfrutando das benesses que meu talento fatalmente me traria, independentemente daquilo que o mundo a princípio achasse.
Acabei de ler e fiquei por instantes ainda com uma impressão de vazio. A princípio, a resposta não havia me contentado. Então, ficaria tudo assim? Mas ao reler mais algumas vezes o cartão, passei a captar melhor a mensagem. Ou pelo menos resolvi me enganar, concluindo que havia entendido tudo.
De qualquer forma, enfim comecei a sentir a inspiração realmente voltando. Estava pronto para retornar à jornada atrás de uma oportunidade. Aquilo tudo, no fim das contas, havia me ajudado a ver que eu devia ir atrás daquilo que eu realmente queria e não de um “emprego de verdade”. O que eu realmente queria fazer da vida era o meu emprego de verdade. Paulo Sant`ana acabou sendo mais do que um ídolo. Virou meu mestre. Meu tutor. Meu guru.
Mas... bem... 
...por via das dúvidas, minha próxima crônica supostamente interessante vou enviar para uma avaliação é do Veríssimo, caramba!