Aproveitando a sincronia da temática com a época do ano, o nosso Setor de Marketing tem o prazer e a honra e o regozijo e o júbilo, entre outros sinônimos e mesmo pleonasmos de "alegria", de publicar aqui este texto, premiado no Prêmio Sesc de Crônicas "Rubem Braga" (Brasília/DF) no final de 2013 - na verdade, não lembro se já não havia sido publicado anteriormente aqui no blog, mas, como creio que não - pois só recentemente foram distribuídos pelo Sesc os exemplares impressos da coletânea com as crônicas vencedoras (o que garante a tranquilidade, para os autores que têm o intuito de divulgá-los na rede, a respeito de alguma eventual tentativa de furto virtual de propriedade intelectual :) - , e como de qualquer maneira estou com preguiça de verificar no histórico do blog, lá vai! (Ah, sim; aproveitando: Boas Festas e Bom 2016 a todos!):
Não
lembro bem do exato momento em que esse fato se deu - o que me parece estranho,
já que é de certa forma um divisor de águas: agora você é um mocinho, não é
mais tão ingênuo, não acredita mais em tudo que te dizem, sabe que há muito
mais coisas por trás das coisas por trás de todas as coisas, e às vezes as
pessoas só querem te iludir e...
Bem,
enfim, você entendeu: é um divisor de águas. Pois, como dizia, não lembro bem
do exato momento em que descobri – ou me contaram – que o bom velhinho não
existe, ao menos não aquele bom
velhinho, que bom velhinho de verdade mesmo é o vovô e ele não dirige um trenó
voador e ele tem como animal de estimação um protocolar cãozinho e não um bando
de renas. Não lembro, aliás, se descobri por conta própria ou se alguém me
contou, mas não creio que tenha restado algum trauma da revelação; ao menos não
tenho registrado na memória algum choque decorrente de tal descoberta...
Penso
nisso, no entanto, agora, ao sentir essa melancolia, essa nostalgia, essa
tristeza misturada com alegria inundar meu peito, ao flagrar o palhaço, ainda
todo maquiado, fora do picadeiro, fumando um cigarro e esbravejando algum
palavrão em protesto contra alguma coisa que o incomoda ou contra as agruras da
vida em geral, com um tom de voz e uma carranca totalmente diversos daqueles
impostados naqueles mágicos momentos de alguns instantes atrás no decorrer do
show.
Esse
palhaço fora do picadeiro é a vida crua e real. Ele é a revelação que Papai
Noel não existe mais uma vez sendo jogada na minha cara, depois de tantos anos.
Não
só ele, na verdade, como qualquer artista em geral, quando o vemos “do lado de
fora”, falando de qualquer futilidade do cotidiano, como a gente, nos dá uma
certa sensação de “pertencimento” ao mundo, uma sensação de que a nossa vida
não tem nada de excepcionalmente banal – ela é banal como todas as outras,
mesmo aquelas das estrelas – e ao mesmo tempo de desilusão.
Pois
sim. No fim das contas, é isso: vivemos de ilusão.
É
como ver o ídolo do nosso time indo embora depois de anos de clube e jogando no
rival, beijando a camisa adversária como um dia beijou a nossa; é como ver os
erros de gravação de um filme; é como perceber que talvez não haja nada além
dos erros de gravação.
Mas
ainda assim vivemos e continuamos nos alimentando de ilusão. Por mais racionais
e duros que sejamos, invocamos vez em quando nos nossos íntimos aquele
resquício de magia que tem um quê de infantilidade – ou vice-versa – lá no
fundo do peito. Apesar de termos certeza de que tudo isso aqui se resume tão
somente a células, carne e barro vagando a esmo pelo espaço, olhamos da janela para
o céu estrelado na calada da noite e nos permitimos viajar longe por alguns
instantes, solitariamente, em segredo, sem que ninguém mais saiba, naquela
nossa nave particular, buscando por um algo mais lá nos confins do universo – ou
mesmo em alguma outra dimensão só nossa.
E
assim, quando voltamos, por mais desgastados, ranzinzas e céticos que sigamos,
continuamos rindo do palhaço – e, de vez em quando, nos flagramos até mesmo
dando uma olhada meio de relance, como quem não quer nada, para a chaminé em
meio à ceia de Natal.