segunda-feira, 8 de junho de 2020

Seção "Mais valem algumas palavras do próprio autor - quando este é fera, claro - do que mil resenhas" - "O Fascismo Eterno", de Umberto Eco (por Diego T. Hahn)


Este pequeno livro (nos dois sentidos: são 63 páginas, no formato pocket) do italiano Umberto Eco é um ensaio que versa sobre as características do fascismo e sua "adaptabilidade", ainda na contemporaneidade (foi publicado em junho de 1995, um quase "ontem", que, pelo seu conteúdo, porém, tem toda a cara de um "hoje").

"Um convite - um alerta - para 'não esquecer', para não dar esse mal como superado - é o que faz Umberto Eco neste O Fascismo Eterno. Para nos lembrar que o 'Ur-Fascismo', como o autor nomeia, 'ainda está ao nosso redor, às vezes em trajes civis' ", diz a apresentação da obra na orelha da edição da Record. "O termo 'fascismo' é facilmente adaptável porque é possível eliminar de um regime fascista um ou mais aspectos, e ele continuará a ser reconhecido como tal. Entre as possíveis características do Ur-Fascismo, o 'fascismo eterno' do título, estão o medo do diferente, a oposição à análise crítica, o machismo, a repressão e o controle da sexualidade, a exaltação de um 'líder' e um constante estado de ameaça."

Não vamos, portanto, ficar aqui falando sobre o vasto currículo do escritor/filósofo/semiólogo/medievalista/etc Eco (vamos resumi-lo, de maneira pop, como "o pai d´'O nome da Rosa' " e da marcante frase sobre os novos rumos da nossa comunicação: "As redes sociais da internet deram voz a uma legião de imbecis, que antes falavam só no bar e logo se calavam"), para não nos estendermos demais, e passemos imediatamente a algumas de suas mais pertinentes observações contidas nesta obra:

"Estamos aqui para recordar o que aconteceu e para declarar solenemente que 'eles' não podem repetir o que fizeram. Mas quem são 'eles'?"

"O Fascismo foi certamente uma ditadura, mas não era completamente totalitário. Nem tanto por sua brandura, mas antes pela debilidade filosófica de sua ideologia."

"O Fascismo italiano convenceu muitos líderes liberais europeus de que o novo regime estava realizando interessantes reformas sociais, capazes de fornecer uma alternativa moderadamente revolucionária à ameaça comunista."

"É possível conceber um movimento totalitário que consiga reunir monarquia e revolução, exército real e milícia pessoal de Mussolini, os privilégios concedidos à Igreja e uma educação estatal que exaltava a violência e o livre mercado?"

"O partido fascista nasceu proclamando sua nova ordem revolucionária, mas era financiado pelos proprietários rurais mais conservadores, que esperavam uma contrarrevolução."

"A primeira característica de um Ur-Fascismo é o culto da tradição."

"(...) O Iluminismo e a Idade da Razão eram vistos como o início da depravação moderna. Nesse sentido, o Ur-Fascismo pode ser definido como 'irracionalismo'."

"O irracionalismo depende também do culto da ação pela ação. A ação é bela em si e, portanto, deve ser realizada antes de e sem nenhuma reflexão."

"Pensar é uma forma de castração. Por isso, a cultura é suspeita na medida em que é identificada com atitudes críticas."

"Nenhuma forma de sincretismo pode aceitar críticas. O espírito crítico opera distinções, e distinguir é um sinal de modernidade. Na cultura moderna, a comunidade científica percebe o desacordo como instrumento de avanço dos conhecimentos. Para o Ur-Fascismo, o desacordo é traição."

"O Ur-Fascismo provém da frustração individual ou social. Isso explica por que uma das características típicas dos fascismos históricos tem sido o apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por alguma crise econômica ou humilhação política, assustadas pela pressão dos grupos sociais subalternos. Em nosso tempo, em que os velhos 'proletários' estão se transformando em pequena burguesia (e o lumpesinato se autoexclui da cena política), o fascismo encontrará nessa nova maioria o seu auditório."

E pra fechar, em grande estilo (por assim dizer):

"Em nosso futuro, desenha-se um populismo qualitativo de tv ou internet, no qual a resposta emocional de um grupo selecionado de cidadãos pode ser apresentada e aceita como 'a voz do povo' ".

(É - como diz aquela advertência - qualquer semelhança com a realidade...)