sexta-feira, 12 de junho de 2015

Pelos sebos da vida: "O amor nos tempos do cólera", de Gabriel Garcia Marquez (por Diego T. Hahn)


Em ocasião do Dia dos Namorados, republicamos aqui, com as devidas edições, este texto (originalmente postado no blog em julho de 2013) sobre um dos maiores clássicos de Gabriel Garcia Marquez.

Bem... cara, não é que eu seja um sujeito insensível nem nada assim, mas, ultimamente quando vejo a palavra “amor” no meio do título de um filme ou livro, costumo fingir que nem vi e passar reto (abri uma exceção mais recentemente para aquele filme francês dos velhinhos, que, putz!, vai bem na contramão do que mencionarei abaixo a respeito da impressão que me passam, a princípio, obras com títulos contendo aquela palavra, e, esse sim, mereceu respeito!)... 
Sei lá, isso provavelmente por me remeter à profusão de comédias românticas “mela-cueca”/“água com açúcar”, esses enlatados (geralmente hollywoodianos) todos meio parecidos – e às vezes muito forçados – dos últimos tempos (lembro sempre de ter ido certa vez ao cinema assistir o tal “Cidade dos anjos”, aquele com o Nicholas Cage, e acompanhar atônito  aquela choradeira de boa parte da plateia no final do filme... Eca! – esse já não é tão novo, é verdade, mas é um bom exemplo de filme romântico que fez sucesso e eu achei um grude melequento dos infernos e deve ter ajudado mesmo a me “traumatizar"... me vem até de dizer que Cidade dos anjos, O CARALHO, filmaço romântico de fazer chorar mesmo é Cidade de Deus, POOOORRAA!!)...
Pois, bom, para provar que não tenho um coração de gelo e sou, sim, também um cara romântico, deixo registrado aqui que gosto bastante, só para exemplificar alguns, dos filmes “Em algum lugar do passado” (com seu paradoxo do relógio, que faz o pessoal da geração mela-cueca virar mela-cuca por quase fundir a mesma ao se indagar, “mas, como é possível...?”, mostrando que são românticos de meia tigela, afinal o ponto-chave da história, o verdadeiro romance dela – e, por que não?, da vida em geral – está exatamente aí, no paradoxo, no impossível... ahá! Essa ficou boa), “Antes do amanhecer” (com seus diálogos originais e bacanas e não aquele costumeiro festival indiscriminado de “eu te amo!” e “você me completa!” Puta que pariu!! Às vezes parece que o cara tá vendo alguma música do Só para contrariar na tela!), “Brilho eterno de uma mente sem lembranças” (não se deixe levar pelo preconceito contra o Jim Carrey; embora ele esteja bem e não comprometa neste, de qualquer forma a Kate “Titanic” Winslet não deixa a peteca do filme cair – o que seria difícil de qualquer maneira, devido à ótima trama, ganhadora inclusive de Oscar de roteiro original), e “Cinema Paradiso”, o clássico italiano do Bertolucci, que já vi e revi e provavelmente vou rever ainda, por estar mesmo no meu top 10 cinematográfico (e isso numa classificação “geral”, veja bem, e não só entre os famigerados filmes românticos!)...
Bom, mas, enfim, feita aqui a minha defesa, não era sobre isso que queria falar exatamente. Ao menos não sobre filmes (embora vá mencionar ainda mais um na sequência). Mas sim sobre um livro, que tem o tal “amor” no título também, mas, felizmente, está longe de ser um mela cueca ou um água com açúcar... não, esse sim é que é um romance romântico de verdade, meus amigos!

A partir de agora, cuidado, há a possibilidade/ probabilidade de spoiler no lance (spoiler, sempre dando o toque pra quem não sabe, é o ato fdp de “entregar o ouro”, contando partes importantes e/ou até mesmo o final de uma determinada obra).
 

Neste romance do mestre colombiano, no qual não há, diga-se de passagem, nenhum Buendía perdido pelo caminho, o protagonista é Florentino Ariza, que desde garoto é apaixonado pela bela Fermina Daza e com a qual se corresponde através de cartas na juventude. O pai desta, porém, ao descobrir aquele flerte, manda Florentino procurar outros ares, pois não o considera um pretendente à altura para sua filha... eles acabam por afastar-se um do outro e em seguida ela casa com um dotô rico que chega na cidade.
A partir daí, Florentino Ariza decide esperar pela amada, nem que leve a vida toda para ficarem juntos – e (SPOILER! SPOILER!) é quase o tempo que leva mesmo para isso finalmente acontecer... vale salientar que, embora sempre com a amada no pensamento, Florentino não se abstém das outras mulheres do mundo: não, pelo contrário; o sujeito passa o rodo em simplesmente TODO rabo-de-saia que cruza seu caminho... porém, romanticamente, sempre pensando na amada (digamos assim que numa espécie de treinamento para quando, um dia, eventualmente viessem a ficar juntos)...
 

Foi feita uma versão hoolywoodiana do livro para o cinema (com o Javier Barden no papel do Florentino Ariza e Fernanda Montenegro como mãe do protagonista), que, digamos, até que não é tão má (vale essencialmente pela presença da belíssima Giovana Mezzogiorno no papel da Fermina Daza)... mas... hummm... sinceramente, achei meia boca e não recomendaria com muita ênfase (pra não dizer que definitivamente não recomendo, ou, ao menos, recomendo que se leia primeiro o livro – e depois, ok, se assista o filme e se decepcione com ele! Mas não se faça o caminho inverso, para não estragar o ótimo romance... e, bem... na verdade, para essa dica fazer sentido, o leitor não deveria nem estar lendo esta resenha, certo?... assim sendo, se leu até aqui, fazer o quê, né? Obrigado pela preferência! Já não precisa mais ler o livro, pois contei-o todo aí em cima e não precisa mais assistir ao filme, já que o que vale nele é a Giovana e é ela está aí embaixo pra você...).
Enfim, isso é que é romantismo de verdade, sem aquela pieguice grudenta da maioria dos últimos filmes e livros de “amor” da vida... fica a dica para a geração mela-cueca, de um grande romance romântico, que pode dar inclusive aos sonhadores de plantão algum alento ao se fazer vislumbrar aquele romance perdido no passado que você tanto fantasia ressurgindo um dia – e, ao menos no caso do livro, concluindo-se num futuro (beeeem) distante com um, literalmente, final feliz.

Ps: Ah, sim, o cólera (ou “a” cólera) do título se refere não à ira, fúria, e sim à doença transmitida pelo vibrião colérico (ver livros de biologia do segundo grau)...

A trama do livro se passa na Colômbia de Garcia Marquez numa época de epidemia da mesma que dizimou boa parte da população e que, aparentemente sendo mais uma dificuldade imposta pelo destino aos amantes, dando um tchan a mais no romance, no fim das contas acaba mesmo por ajudar a uni-los.

Moral da história: sem dúvida, pode haver vida inteligente em romances com o amor no título - às vezes, contudo, talvez seja necessário tão somente um leve contraponto a ele para se atingir o devido equilíbrio.

  

segunda-feira, 8 de junho de 2015

O Messias Colorado (por Diego T. Hahn)


(Em virtude do 1 ano da morte do nosso grande Capitão, registrado ontem, 7 de junho, publicamos aqui em primeira mão - com a deduzida anuência do colega tricolor Juliano : ) - esta singela homenagem, que faz parte da coletânea de crônicas "Minha Camisa Vermelha"...
Obs: A crônica foi escrita alguns meses antes da morte do eterno ídolo colorado
)



Os humildes serão exaltados. Até a essa nos agarrávamos nos famigerados anos 90. Qualquer coisa, qualquer ínfima esperança, servia para manter o resquício do que ainda tínhamos de orgulho pulsando... Autoajuda, religião, sapos enterrados, só faltava futebol.

O mundo realmente quase acabou na virada de 1999 para 2000, mas sobrevivemos, e, como o que não te mata te torna mais forte, apesar de mais um susto ali pelo início da nova década, a luz começou a aparecer no horizonte (e felizmente não era aquela luz).

Logo começaram a aparecer os caras certos na hora certa, o que lhes dava àquelas alturas tons messiânicos.

Um líder supremo – do qual eu ouvira falar pela primeira vez da boca de um amigo, em meio à desgraceira dos anos 90, devia ser 93 ou 94, logo após levarmos uma sova do Parmera/Parmalat em pleno Beira-Rio, no qual eu havia presenciado in loco o massacre, 0x2, com direito a Edmundo escorando na trave antes de botar a bola pra dentro e tudo, ouvi desse cara, como um último recurso de esperança, abandonando o então presente e agarrando-se desesperadamente a uma remota possibilidade no futuro, sorrindo um sorriso meio agoniado, "tem um cara, um tal Fernando Carvalho, que dizem que tá ajeitando as categorias de base do Inter".

Um general estrategista e resmungão com jeito de vencedor – o momento da virada, literalmente, foi quando em 2003 Muricy colocou uma gurizada, Diego, Diogo, Vinicius, Daniel Carvalho, toda oriunda das tais categorias de base que seriam ajeitadas alguns anos antes por aquele tal Fernando Carvalho, pra cima do rival em pleno Olímpico e reverteu um 0x1 em 2x1 pra gente, fazendo-nos ganhar um Gre-Nal depois de 2 ou 3 anos sem aquele gostinho, quando já estava parecendo a coisa mais natural do mundo perdermos clássicos, e perdermos em geral.
O rival parecia atônito com aquela vitória daqueles garotos colorados na casa deles, mas depois devem ter pensado “ah, enfim... só um Gre-Nal...”. Mas não, não foi só um Gre-Nal. Foi o começo da revolução.

O exército estava se remobilizando. As barricadas haviam contido com a devida bravura os aríetes do – até então cruel para nossa gente – inimigo chamado destino, que logo trairia o outro inimigo, até então seu aliado, e faria um novo pacto de não agressão conosco. As tropas começavam a deixar as trincheiras e avançar pouco a pouco pelos campos de batalha, enquanto estandartes vermelhos voltavam a despontar em cantos dos mais diversos do Rio Grande. Era a resistência sentindo que seu momento finalmente chegara.

Mas ainda faltava o capitão para coordenar esse batalhão no campo de batalha. E ele não podia ser qualquer um. Os heróis épicos geralmente são altos, traços rústicos e imponentes, longas melenas revoando ao vento e voz de trovão.

Pois foi ele quem veio de longe, cruzando o oceano, e, surgindo das águas enlameadas do Guaíba, tal qual um Messias Colorado, mal havia se limpado e descansado da viagem, colocaram-no na principal batalha da província, jogaram-no aos leões, e ele, indiferente ao perigo e talvez ainda inconsciente do seu épico destino, cravou sua espada no coração da fera e começou a escrever seu nome na História ali, já na chegada.¹

Mas não era nada ainda. Vencer o rival naqueles anos viraria rotina. Ele ajudaria, por exemplo, a derrubá-lo, selando o destino do inimigo, no mesmo ano de 2004 ao golpeá-lo uma vez nos 3x1 em plena fortaleza alheia e mandando-o para o fosso (junto com os carrinhos de pipoca) com o qual aquele já tinha certa intimidade e onde ficaria enclausurado por mais um longo ano.²

Mas isso não nos interessava. Amar e mudar as coisas me interessa mais, já dizia Belchior, e devia pensar aquele cara.


 E assim o exército cercava a América. Não havia escapatória. Logo viria a libertação.


E aí o cara e seus asseclas devem ter pensado "se chegamos até aqui, por que parar agora?".

E as hordas vermelhas avançaram. Avançaram até a dita terra do sol nascente. E, embora jurássemos ter fé, a verdade é que já estávamos contentes e no nosso íntimo não acreditávamos que, tal qual um império romano da vida, pudéssemos mesmo tudo dominar. Mas no fim das contas lá estava aquele cara, o tal Messias Colorado indiferente ao impossível, erguendo mais um troféu, e mostrando quem mandava nesta Terra, e então compreendíamos no nosso âmago o significado daquele epíteto do país nipônico, pois enfim o sol realmente nascia para nós.

E seguiu derrubando barreiras, erguendo novos troféus e nos brindando com os espólios. Dizem, inclusive, que se foi por não aguentar mais: estava desenvolvendo uma bursite no ombro, tal o esforço de ter que ficar erguendo taça a toda hora.

Sua repentina partida foi um choque. À época quisemos acreditar que, mais cedo ou mais tarde, um dia ele voltaria, mas isso não aconteceu. Ao menos não no campo, e talvez tenha sido melhor assim, pois o que resta é a sua imagem imortalizada com a nossa bandeira cravada no topo do mundo.
Foram longos e breves quatro anos. Anos de felicidade. Os anos da virada. E, quando um símbolo assim se vai, fica a princípio melancólica sensação que o fim está próximo...

À época, o rival tricolor deve ter vibrado enfurecidamente no seu íntimo com a notícia da sua partida.

Mas, para desgraça deles e mostrando que não, o fim ainda não havia chegado, para substituir Fernandão no comando do exército naquele mesmo ano desembarcaria em Porto Alegre um tal Andres D´Alessandro...


¹ Internacional 2x0 GFBPA – no dia 10/07/2004, no estádio Beira-Rio, pelo Campeonato Brasileiro, a estreia de Fernandão pelo Inter, na qual marcou o gol 1000 da história dos Grenais.

² GFBPA 1X3 Internacional – no dia 23/10/2004, pelo Campeonato Brasileiro, o Inter sacramenta matematicamente em pleno estádio Olímpico o rebaixamento do rival, cuja torcida, enfurecida, passa a jogar carrinhos de fazer pipoca no fosso.