Malaquias tinha nome de profeta, mas até
então nunca havia tido nenhum mísero contato com a Bíblia. Foi quando ouviu um
trecho de uma canção de um roqueiro gaúcho na rádio que dizia: “Jesus Cristo
vai voltar, aleluia... Nossa vida vai melhorar, alelu-u-ia!...”.
Gostou daquele sonzinho que falava do
filho de Deus e passou a se interessar pelos preceitos cristãos.
- Pô, maneiraço esse livro... tem tudo
para chegar a best-seller e tal...
- Que livro, Malaquias?
- Pô, a Bíblia, véio... baita livro!
Vários ensinamentos e tal... radical mesmo. E aquele tal Jesus então...
- O que tem ele, Malaca?
- Pô, o cara era fera. Cheio das
metáforas... Cheio dos ensinamentos...
- Ah, aposto que você gostou foi daquela
história de transformar água em vinho, não é mesmo!?
- Mas nem. Cara, curti mesmo os lances
do bicho... Várias lições de vida... Tô a fim de aderir, cara.
- Como assim, “aderir”, Malaquias?
- Ah, aderir, cara. Fazer parte desse
movimento... Ainda por cima, um dia desses, ali na esquina de casa tem um
templo, vi o pessoal cantando e orando e tal... Maneiraço!
- Hum... Olha, Malaquias, acho que você
tá meio que confundindo um pouco as coisas...
- Que nada, cara! Eu tô a fim mesmo, véio.
Sinto que achei o motivo de tudo isso, o motivo de eu estar aqui, ao ler a
Bíblia, cara...
- Hum... E qual é esse motivo?
- Pô... fazer o bem e tal, cara.
- Malaquias... acho legal esse teu
interesse e te apoio, mas quero que você tenha consciência do que está fazendo.
Você não precisa “aderir ao movimento” para fazer o bem...
- Pai, perdoai-o, ele não sabe o que
diz... Cara, todo mundo deveria aderir ao movimento para fazer o bem.
- Ok, ok, ok. Concordo que todo mundo
deveria sempre fazer o bem, mas o que quero dizer é que existem muitas formas
de fazê-lo. Sem precisar necessariamente aderir a algum movimento para isso...
- Ih, você tá por fora, cara...
Depois disso, Malaquias foi embora e
ninguém mais o viu nos dois meses seguintes. Até que um amigo se preocupou e
foi até sua casa ver como ele estava.
Cabelos ondulados compridos, barba por fazer, vestindo algo
parecido com uma túnica. Saudou o amigo:
- Bem-vindo, brother.
Bem, estampa estranhíssima à parte, pela
saudação lá estava o velho Malaquias. Inquirido sobre o que andava fazendo nos
últimos tempos, contou que havia visitado uma igreja.
- Alô, brother – contava que havia saudado ele a um padre.
- Bem-vindo, irmão. – respondera o servo
do Senhor. Pois aquele “irmão” tocou Malaquias no fundo de sua alma e ele
sentiu-se realmente benquisto ali naquele ambiente. Sentiu-se realmente um
irmão.
E então foi para casa, onde havia ficado
enfurnado nos últimos tempos. Contou também que um certo dia, enquanto tentava
pregar um quadro na parede, lia ao mesmo tempo um trecho da Bíblia que relatava
a ressurreição de Cristo. Arregalou os olhos. Foi quando se distraiu e, ao
golpear meio torto com o martelo, o prego escapou e lhe fez um rasgo na mão.
Justo quando ele lia sobre as chagas nas mãos do Messias.
Xingou até a mãe do Badanha devido à
dor, mas concluiu que aquilo era outro sinal. Só podia ser. Conversou
normalmente um pouco mais com o amigo, até que este começou a lhe dizer que
aquilo tudo era muito louco e que o pessoal estava preocupado com ele e...
- João, capítulo dez, versículo vinte e
um – respondeu secamente Malaquias.
- Hã?
Malaquias então calou-se e ficou olhando
ternamente para o amigo.
- Malaca, o pessoal quer saber...
- Marcos, capítulo um, versículo seis.
O amigo calou-se e ficou olhando para
ele. Depois de um tempo, conseguiu abrir a boca novamente e perguntar:
- Cara, o que está havendo?
- Paulo, capítulo onze, versículo três.
- Do que você está falando? O que houve
com você, cara?
- Lucas, capítulo cinco, versículo sete
– respondia Malaquias, supostamente referindo-se a passagens da Bíblia, dando a
entender que quem o quisesse compreender teria que “aderir” ao seu novo mundo e
que não ficaria se explicando em vãs palavras.
O amigo foi se retirando, calado,
olhando-o meio assustado. Malaquias continuava a olhá-lo candidamente,
com um meio sorriso fraternal no rosto. O amigo se foi, pensando “pirou de
vez”. Concluiu-se então que Malaquias havia ficado aquele tempo todo que havia
sumido em casa decorando a Bíblia. Ou ao menos algumas passagens dela.
Dizem que alguém o viu tempos depois
desse encontro caminhando pela rua com o alcorão numa mão e na cabeça um
solidéu, mas ninguém confirmou oficialmente essa história, que acabou virando
anedota...
O certo é que aquela noite Malaquias foi
dormir rindo sozinho de contentamento. E ficaria ainda mais feliz depois, ao
pegar no sono. Sonhou que chegava no paraíso, onde um velhinho de longa barba
branca abria um grande portão dourado em meio às nuvens para ele e lhe saudava
sorrindo:
- Bem-vindo, brother!
(Publicado em "Flashbacks de um mentiroso")
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