sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Jesus é o canal (por Diego T. Hahn)


Malaquias tinha nome de profeta, mas até então nunca havia tido nenhum mísero contato com a Bíblia. Foi quando ouviu um trecho de uma canção de um roqueiro gaúcho na rádio que dizia: “Jesus Cristo vai voltar, aleluia... Nossa vida vai melhorar, alelu-u-ia!...”.
 
Gostou daquele sonzinho que falava do filho de Deus e passou a se interessar pelos preceitos cristãos.
- Pô, maneiraço esse livro... tem tudo para chegar a best-seller e tal...
- Que livro, Malaquias?
- Pô, a Bíblia, véio... baita livro! Vários ensinamentos e tal... radical mesmo. E aquele tal Jesus então...
- O que tem ele, Malaca?
- Pô, o cara era fera. Cheio das metáforas... Cheio dos ensinamentos...
- Ah, aposto que você gostou foi daquela história de transformar água em vinho, não é mesmo!?
- Mas nem. Cara, curti mesmo os lances do bicho... Várias lições de vida... Tô a fim de aderir, cara.
- Como assim, “aderir”, Malaquias?
- Ah, aderir, cara. Fazer parte desse movimento... Ainda por cima, um dia desses, ali na esquina de casa tem um templo, vi o pessoal cantando e orando e tal... Maneiraço!
- Hum... Olha, Malaquias, acho que você tá meio que confundindo um pouco as coisas...
- Que nada, cara! Eu tô a fim mesmo, véio. Sinto que achei o motivo de tudo isso, o motivo de eu estar aqui, ao ler a Bíblia, cara...
- Hum... E qual é esse motivo?
- Pô... fazer o bem e tal, cara.
- Malaquias... acho legal esse teu interesse e te apoio, mas quero que você tenha consciência do que está fazendo. Você não precisa “aderir ao movimento” para fazer o bem...
- Pai, perdoai-o, ele não sabe o que diz... Cara, todo mundo deveria aderir ao movimento para fazer o bem.
- Ok, ok, ok. Concordo que todo mundo deveria sempre fazer o bem, mas o que quero dizer é que existem muitas formas de fazê-lo. Sem precisar necessariamente aderir a algum movimento para isso...
- Ih, você tá por fora, cara...
Depois disso, Malaquias foi embora e ninguém mais o viu nos dois meses seguintes. Até que um amigo se preocupou e foi até sua casa ver como ele estava.
         E, ao abrir a porta, percebeu que ele estava um tanto quanto diferente.
Cabelos ondulados compridos, barba por fazer, vestindo algo parecido com uma túnica. Saudou o amigo:
- Bem-vindo, brother.
Bem, estampa estranhíssima à parte, pela saudação lá estava o velho Malaquias. Inquirido sobre o que andava fazendo nos últimos tempos, contou que havia visitado uma igreja.
- Alô, brother – contava que havia saudado ele a um padre.
- Bem-vindo, irmão. – respondera o servo do Senhor. Pois aquele “irmão” tocou Malaquias no fundo de sua alma e ele sentiu-se realmente benquisto ali naquele ambiente. Sentiu-se realmente um irmão.
E então foi para casa, onde havia ficado enfurnado nos últimos tempos. Contou também que um certo dia, enquanto tentava pregar um quadro na parede, lia ao mesmo tempo um trecho da Bíblia que relatava a ressurreição de Cristo. Arregalou os olhos. Foi quando se distraiu e, ao golpear meio torto com o martelo, o prego escapou e lhe fez um rasgo na mão. Justo quando ele lia sobre as chagas nas mãos do Messias.
Xingou até a mãe do Badanha devido à dor, mas concluiu que aquilo era outro sinal. Só podia ser. Conversou normalmente um pouco mais com o amigo, até que este começou a lhe dizer que aquilo tudo era muito louco e que o pessoal estava preocupado com ele e...
- João, capítulo dez, versículo vinte e um – respondeu secamente Malaquias.
- Hã?
Malaquias então calou-se e ficou olhando ternamente para o amigo.
- Malaca, o pessoal quer saber...
- Marcos, capítulo um, versículo seis.
O amigo calou-se e ficou olhando para ele. Depois de um tempo, conseguiu abrir a boca novamente e perguntar:
- Cara, o que está havendo?
- Paulo, capítulo onze, versículo três.
- Do que você está falando? O que houve com você, cara?
- Lucas, capítulo cinco, versículo sete – respondia Malaquias, supostamente referindo-se a passagens da Bíblia, dando a entender que quem o quisesse compreender teria que “aderir” ao seu novo mundo e que não ficaria se explicando em vãs palavras.
O amigo foi se retirando, calado, olhando-o meio assustado. Malaquias continuava a  olhá-lo candidamente, com um meio sorriso fraternal no rosto. O amigo se foi, pensando “pirou de vez”. Concluiu-se então que Malaquias havia ficado aquele tempo todo que havia sumido em casa decorando a Bíblia. Ou ao menos algumas passagens dela.
Dizem que alguém o viu tempos depois desse encontro caminhando pela rua com o alcorão numa mão e na cabeça um solidéu, mas ninguém confirmou oficialmente essa história, que acabou virando anedota...
O certo é que aquela noite Malaquias foi dormir rindo sozinho de contentamento. E ficaria ainda mais feliz depois, ao pegar no sono. Sonhou que chegava no paraíso, onde um velhinho de longa barba branca abria um grande portão dourado em meio às nuvens para ele e lhe saudava sorrindo:
- Bem-vindo, brother!
 
(Publicado em "Flashbacks de um mentiroso")

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