quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Lugar alheio (por Juliano Lanius)


Sempre preservei um sentimento simpático ao cultivo orgânico de hortaliças, sem o uso de produtos químicos como fertilizantes e pesticidas. Temperos diversos e outras plantas podiam ser encontrados na minha casa, quando eu ainda tinha uma. Com alguns potes, baldes e bacias velhas, consegui fazer o que se podia chamar “mini-horta”. E justamente este meu passatempo hortifrutigranjeiro me fez perceber algumas coincidências que a vida joga, muitas vezes, ao longo do nosso caminho.

Uma das tarefas que exerci – entre tantos trabalhos que tive – foi preparar, diariamente, o almoço dos funcionários da empresa onde trabalhava. Aproximadamente sete ou oito pessoas. Resolvi, então, cultivar alguns temperos no pátio da firma, a fim de usá-los no preparo da refeição nossa de cada dia. Fiz uma lista com os temperos mais utilizados por mim, que não eram muitos: salsinha, cebolinha, alecrim, manjericão e um pouco de tomilho. Comprei as sementes. Escolhi o lugar: a parte superior do pilar que sustentava o telhado externo do pátio da empresa. Uma estrutura de tijolo à vista, envernizada e hermeticamente retangular. Fazia frente para o sol da manhã, perfeito para o cultivo de hortaliças. Com um espaço específico para uma floreira, onde imaginei que, algum dia, deveria realmente ter existido uma, o local era perfeito e decidi arrumar a tal horta.

Porém, notei que, há alguns dias, havia uma pombinha – daquelas cinzas, conhecidas como pomba-rola – que passava os dias sentada em uma das extremidades da floreira. Descobri, observando o local de seu descanso, dois ovos, ainda pequenos, sendo chocados pela nova hóspede do pilar de tijolo à vista. Adiei meus planos da horta empresarial. Com esse imprevisto, tive que aprender a prestar maior atenção à posição do Sol na minha própria casa, e ajustar minha horta para que produzisse mais. Assim, poderia suprir minha cozinha familiar e também a da empresa. Há males que vem para o bem.

Pode parecer bobagem, mas acredito que os fatos que aconteceram não tenham sido isolados. No final, todos permaneceram onde deveriam: em seus respectivos lugares. Eu, na minha casa. A pombinha, no seu ninho. O fato de ela – a pombinha – estar chocando seus futuros filhotes no mesmo lugar em que eu escolhera para o cultivo das minhas ervas não foi à toa. Nós dois saímos ganhando. A pomba permaneceu com seu ninho, que era mesmo seu por direito. E eu aprendi como observar melhor a fonte de luz que faria crescer minhas plantas, que serviriam de tempero para as comidas preparadas.

Eis um dos segredos da boa convivência, creio eu: reconhecer até onde vai o meu espaço, se é que pode ser chamado de “meu”. Eu não tinha o direito de tirar a pomba-rola dali, do lugar que ela mesma escolhera como seu para montar seu ninho e criar seus rebentos até que pudessem voar. Confesso que não recordo o que aconteceu com a pomba e seus filhotes. Mas, de uma coisa eu lembro, do sentimento que se manifestou em mim. Senti-me tranquilo, em paz. E simplesmente por não ter invadido o espaço alheio, por ter mostrado respeito e consideração, por uma pomba-rola.

Muitas vezes, é bom ficar quietinho, calado, imóvel, dentro do casulo. Muitas vezes, nossa opinião não é necessária, nosso sermão não convence. Temos que perceber o momento de conter os exageros para não incomodar o próximo. Ben Harper cantou: “They say if you love somebody, then you have got to set them free”. Dizem que se você ama alguém, então, você deve dar-lhe a liberdade. Deixe o outro no seu lugar. E fique você no seu.