(Este texto foi publicado na edição número 1 da "Cesma Revista", no mês de novembro de 2013, e é parte integrante também da coletânea de contos "Histórias reais de amigos imaginários (e vice-versa)", a ser lançada no mês de março próximo)
- Mão na cabeça, vagabundo!
- Olha aí, capitão: caderninho de poesia...
- Preso em flagrante, hein, vagabundo!? Poesia, hein?
- Hã?... Eu estava aqui só escrevendo... não sabia que...
- Ah, não sabia que é o primeiro passo, malandro?? Não sabia
que a poesia é a porta de entrada?
- Porta de entrada para o quê, chefia?
PLAFT!
- Ai!
- Tá te fazendo de desentendido, malandro? Vê aí o que tá
escrito, Serjão... lê aí...
- Humm...
- Vê se ele cita a polícia aí...
- Não, capitão... não...
- Bom, vê se ele preparava então alguma rima pra polícia...
- Hum... tipo o quê, capitão?
- Hum... não sei... olha aí, Serjão!... sei lá...
“polícia”... “polícia”...
- Milícia, chefia?
PLAFT!
- Ai!
- Tá chamando a gente de miliciano, é, malandro?
- “Delícia”. Achei aqui, capitão...
- Opa, olha aí, Serjão! Temos provas agora, Serjão... lê o
resto aí, Serjão, lê o resto aí!
- “Tuas mãos pelo meu corpo... o mundo absorto... no teu
seio eu navego... numa tarde de delícia”...
- Olha aí! Atentado ao pudor, no meio da rua!
- Sim, mas... e a rima, capitão? Tá faltando a rima...
- É verdade. Cadê a rima, malandro?? Onde ia entrar a rima
aqui?
- Não tem rima... é um poema que...
PLAFT!
- Ai!
- Tá tirando a gente pra ignorante, malandro? Acha que a
gente não entende de poesia, é?
- Não, não é isso... é que...
- Olha essa outra, capitão: “Teu corpo é meu castelo... meu
porto seguro... quando ouço tua voz...”
- “Meu mastro fica duro”? Mais atentado ao pudor aí??
- Não. “O inimigo pede trégua”...
- O quê??
- É... por que não usou “égua” antes então?
PLAFT!
- Ai! Pô, por que essa agora?
- Nem sabe fazer poesia, vagabundo!... Ah, tamo perdendo
tempo aqui... nem é poeta nada, Serjão...
Jogam o caderninho nele e vão embora.
Ele fica imóvel ainda por um tempo ali escorado na árvore,
observando eles se irem.
Em seguida, pega o caderno e a caneta e volta a buscar a
rima que tanto procurava o dia inteiro e que estava quase lhe chegando antes
daquela abordagem...
“Fictícia?”