domingo, 25 de agosto de 2013

Meu amigo invisível (por Tiago Jucá Oliveira)


(Meu amigo Vini , que também é de “Tibicuari”,confirma que a história é verídica e ele mesmo também conviveu com o Arlei por um tempo...)

Distantes vinte outonos passados. Eu ainda me encontrava sob a luz das descobertas visuais e auditivas de outras dimensões. Apesar da evolução alucinógena, te digo e repito que eu não passava de um piá de merda. As gurias no máximo me queriam para passar cola na prova de inglês. Isso biene per que eu ainda nem tinha carteira de motorista, nem título eleitoral. Digo melhor: eu nem dirigia nem escolhia quem nos dirigisse. Um piá de bosta mesmo, era isso o que eu era. Minhas sacanagens se resumiam a roubar provas de física, colocar rabinho de folha de caderno na traseira das calças dos colegas para depois atear fogo, e pendurar as bike dos piá lá no não-tô-vendo das árvores.

Destas violências, causadas pela ingestão de ervas do mato, eu, certa manhã de domingo, fui jogar vôlei de dupla sozinho. Da língua alheia ouvi espanto: se eu tava sem parceria, como é que eu poderia formar dupla para jogar. Entón escutei aquela voz que ainda chacoalha a lembrança:
- Eu jogo com você. Muito prazer, meu nome é Arlei.
Ninguém viu Arlei. Nem eu. Ele era invisível. Claro, somente eu o escutei. E, por dois longos anos, fui seu único intérprete. Foi uma comédia a presença de Arlei em Tibicuari. Não raro era aquela roda de piás de bosta querendo conhecer o guri invisível. Neste mesmo domingo em que ele chegou, levamos Arlei para conhecer o night da city. Sentamos num boteco, Arlei com seu banco só para si, e planejamos com goles de cerveja o que aprontar. Um tinha rojão, outro spray, sei lá quem tinha não sei o quê. Enquanto a cidade dormia na paz dos anjos, a gente tratava de personalizar o pesadelo. Pichações pelos muros da cidade pediam diversão e arte e legalize já. Nas moitas onde casais iam gozar seus namoros, nós brochamos a transa deles com rojões e pedras. E, como sempre gostei de pentear os cabelos para os os holofotes, procurei incentivar a queima dos latões de lixo para iluminar a nossa arte, para que a cidade pudesse apreciar nossa criação. Arlei era o que mais se divertia. Como ninguém tinha condições de enxergá-lo, ele aproveitava ao máximo na arte de construir a destruição. E desse caos ele ria sem parar.
Mamãe é que não gostava dessa minha nova amizade. Ele rangueava, dava descarga, se banhava e capotava lá na baia. Era uma boca a mais para comer. E dois guri a menos a estudar. Vagabundeamos por dois anos seguidos, no espalhar terror por Tibicuari. Certa vez, em noite de lua fofa, levantamos um carro e o colocamos virado de frente à contramão. Excesso de porra acumulada faz mal pra saúde mental e física.
Nesses dois anos em que Arlei se cobriu do céu de Tibicuari, é de se ressaltar que ele roubou a fama que eu nem havia conquistado. A cidade inteira sabia de sua existência, até conta em boteco de sinuca-e-pinga-e-fumo-de-rolo ele tinha. Não é mentira, mas uma guria queria per que queria ser conhecedora das graças e serviços íntimos do meu amigo invisível. E eu tão logo respondia, em vai vem de pombo correio:
- Olha, o Arlei avisou que se tu arranjar uma amiga boa que nem tu pra mim, ele fica contigo.
Arlei partiu justamente no dia em que uma peidorreira me chamou pelo nome dele. Não sei se ele se sentiu desrespeitado ou não, mas quando fui ver, meu amigo invisível havia sumido sem deixar pegadas ou fio de cabelo. A cidade de Tibicuari, tão acostumada que estava com a presença do forasteiro, tratou de procurar informações a respeito de Arlei. Centenas de cartazes foram colados em postes, balcão de bar e mural de escola. O cartaz com um PROCURA-SE bem grande, acima de um quadrado em branco, pois fotografia de gente invisível devia ser daquele jeito, em branco, segundo nossa fértil e nula imaginação.
Mas que nada! Arlei de certo voltou ao seu planeta invisível. Mamãe achou que eu tinha curado da loucura. Alguns ainda hoje perguntam onde anda Arlei. Outros concordavam com mamãe:
- O cara é doido, tem até amigo invisível, muita fumaça do mato na cabeça, saca.
Pois depois de doze anos, certo que não mais teria nenhuma febre de alucinações, eis que Noé desce da arca e diz pra mim:
- Embora, garoto, embarque logo aí. Nosso rumo é o planeta invisível da Arlândia. Lá não tem mulher feia. Embora, suba de uma vez!
- Embora.
 

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Teatro Terra orgulhosamente apresenta (por Diego T. Hahn)

Fico fantasiando às vezes, no caso de a hipótese de não estarmos sozinhos nesse Universo - como pressupõe meu amigo Zé Ramalho - ser verdadeira, marcianos, jupterianos, venusianos, e, enfim, outros ETs da vida, preparando suas pipoquinhas, jogando-se nas suas poltronas nos seus camarotes  em meio às estrelas lá no alto e acompanhando as sessões do pequeno grande teatro do cosmos, que imagino ser o nosso planetinha Terra aqui.
Pois, independentemente do nível de sua inteligência e do seu avanço tecnológico, aposto cinco pila que eles não têm a capacidade de arquitetar as tramas cênicas que nós armamos por estas bandas, meus amigos!!
 Pensei nisso ao ler hoje notícia (chocante) no jornal, sobre massacre de civis na Síria, no qual supostamente se fez uso de gás (sarin, ou algo assim). Bem, não vou me ater especificamente ao conflito em si, até porque na verdade ninguém aqui fora da Síria sabe ao certo o que está rolando lá dentro, quem é quem, quem está matando quem (Governo? Oposição? Rebeldes?) – e talvez, dependendo dos interlocutores que nos passem as notícias, nunca venhamos a saber exatamente... no fim das contas, graças à distância (se não conseguimos fazer algo pelo nosso faroeste tupiniquim aqui, como faremos por eles lá?) e à nossa inércia natural, só podemos melancolicamente mandar nosso repúdio geral à situação e, como “opinião pública internacional” que supostamente somos, pressionar as autoridades globais – ONUs e outras siglas da vida, se é que servem para algo mesmo – para, interesses escusos à parte, agilizar um basta, um cessar-fogo, nesse horrendo conflito, que já se arrasta por mais de dois anos.
Mas o que mais me chamou a atenção – além, claro, do número de mortos e da brutalidade dos ataques – foi a veemente “censura” global ao suposto uso de gás nos ataques.
É óbvio que igualmente não sou a favor do uso de gás em guerras. Faço coro a esse veemente repúdio.
A questão, no entanto - e é uma percepção teoricamente óbvia e da qual quase todo mundo no fundo partilha, mas que "eles" parecem conseguir, com seus jogos de cena, nos confundir e nos fazer esquecer muitas vezes - é que me revoltam, me envergonham, me irritam, me deprimem, as guerras EM SI, não importando suas motivações, suas desculpas, suas armas... Não importando se são usadas granadas, metralhadoras, baionetas, facas, cócegas, gases, bombas atômicas... Portanto, ainda que entendendo e concordando com os princípios desse “veto”, estabelecido há muitos e muitos anos em algumas convenções mundiais, me irrita e me soa como uma hipocrisia tão grande – grande mesmo, em escala global – essa súbita redescoberta daquele conflito graças ao uso de tal arma e esse aparente estupor generalizado com esse artifício que só me reforça a sensação de que somos mesmo umas formiguinhas, que podem ser esmagadas a qualquer momento pela pata do elefante, assim que ele achar que é o momento... fico imaginando os velhotes lá em cima, em volta de uma mesa, bem sérios, com suas jaquetas cheias de divisas e estrelas e o diabo a quatro, argumentando: “ah, isso pode...”, “isso não pode”... “ok”. “Negócio fechado”. Simples assim.
Sou contra o uso de gás. Assim como sou contra o uso da bomba atômica, de napalm, e sou contra o uso da pólvora e das armas brancas e sou contra invadir países, matando seus civis, sob qualquer pretexto, seja o de anexar novos territórios à nação invasora como também exportar-lhes democracia.
Sim, sou um idealista, um sonhador... um trouxa.
E talvez por isso me irrite essa hipocrisia. Explodir tudo com drones pode, metralhar pessoas indefesas pode, cortar cabeças pode, enforcar, mutilar, pode, pode, pode-se fazer o que bem entender nas ditaduras africanas esquecidas no continente perdido, pode-se fazer o que bem se entende na misteriosa Coreia do Norte, pode-se “fazer a festa” nos Iraques e Afeganistões da vida... mas, ah!, não pode usar gás! Pó pará!... aí eu não brinco mais!
Me parece como aquela irritação de um time nos jogos de futebol quando um adversário tenta simular um pênalti. Canalha! Bastardo!! Tentando nos enganar!
Bater à vontade, chutar tornozelo, dar voadora, pode, se o juiz não marcar. Fazer o quê? Tem juiz pra quê, não é mesmo??...
Agora... tentar simular uma falta ou um pênalti... aí é desonestidade! Tentar enganar a “autoridade”!!
Pois não nos iludamos: infelizmente, enquanto existir um ser humano com um desses cérebros com ilimitada criatividade que temos chacoalhando dentro de nossas caixas cranianas vagando dentro de um campo de futebol ou fora dele, ele criará sim coisas belíssimas, marcará fantásticos gols, dará inimagináveis dribles, e talvez ache a cura para o câncer, por exemplo, mas eventualmente ele também tentará cavar um pênalti e, no contexto de uma guerra, lançar um ataque com gás, ou com qualquer outra arma mortífera em grande escala – e provavelmente um dia novamente com A bomba...

Rumo à vitória!

Essa marcha é incontrolável, não nos enganemos: ela se repete desde sempre na história da humanidade e provavelmente assim seguirá sendo, até o fim dos tempos...

O que se devia mesmo, seguindo no raciocínio deste desabafo utópico e provavelmente inútil, era refutar com fúria a idiotice desses conflitos em si, lá no seu início, eliminar no seu nascedouro as razões para eles - que muitas vezes nos são expostas e com as quais, sem nem saber bem por quê, mas graças a mais um truque dos ilusionistas que nos comandam, às vezes acabamos até mesmo concordando - , acabar com a permissividade dominante para que se comecem esses "jogos". Ter em mente que toda guerra é um ataque com gás.
Quanto ao pênalti e as regras do futebol, deixemos isso para os velhinhos da FIFA... quanto ao resto, se houvesse mesmo interesse que se acabasse com os ataques com gás, por exemplo, simplesmente se acabaria primeiramente de inventar guerras estúpidas – e, enfim, toda guerra é estúpida.
O problema é “como acabar com elas?”, se há muito tempo estão enraizados entre nós os fatores que levam às mesmas, como as religiões (apesar da Síria, seguimos normalmente rezando hoje e acreditando que somos abençoados e temos “sorte”), o sistema econômico vigente (apesar da Síria, seguimos normalmente batendo ponto hoje e aumentando o PIB de “nossas” empresas multinacionais e bancos e o diabo), as políticas mundiais (apesar das Sírias...)...
Enfim, essa nossa perfeita organização de sociedade moderna e evoluída e justa e humana e democrática e solidária e...
E os ingênuos marcianos seguem lá em cima, deliciando-se e dando muita risada dessa nossa capacidade cênica.
- Como conseguem?? – pensam eles – Têm mesmo muita criatividade! Grandes roteiros... interpretam tão bem essa seriedade... Ótimos atores!!
E os personagens realmente são tão bem interpretados que, à distância, eles nem se dão conta que talvez se trate tão somente de um daqueles simples teatros de fantoches...
(Diego T. Hahn)

domingo, 18 de agosto de 2013

Política II (por Juliano Lanius)

               Começamos a análise do cenário político com a informação de que mais de 70% dos municípios brasileiros, dos 180 analisados pela Controladoria Geral da União, apresentaram irregularidades no uso dos recursos do Fundeb, que contempla o desenvolvimento da educação nas cidades. Com isto, devemos nos preocupar mais em cobrar dos governantes locais do que daqueles que atuam em esferas maiores. As diretrizes gerais e os recursos financeiros partem, sim, dos setores superiores do governo, mas as ações concretas se fundamentam nos municípios. Por isso, cabe a nós, moradores destes, fiscalizar como é usado o dinheiro que, supostamente, deve servir de ferramenta para o aumento na qualidade do ensino, assim como das outras áreas não menos importantes.
 
            E por falar em dinheiro e cidades, apontemos nosso foco no aqui e no agora: em Santa Maria. Coloque mais um item no seu orçamento anual: vereador. Desembolsamos, cada um de nós, em média, R$40,00 por ano para mantermos nossos edis na Câmara. Todos os meses, cerca de R$3,50 dos nossos impostos são destinados a manutenção destes funcionários públicos, que, muitas vezes, não nos representam. Cálculos à parte, no montante, temos o valor médio de R$484 mil, por ano, de custo de cada vereador aos cofres públicos. Não sei como se cria um projeto de lei, mas, se soubesse, com certeza redigiria um em que cada vereador devesse destinar 5% dos seus honorários a um setor que lhe achasse pertinente. Qualquer um. Já que o ônus destes é custeado através dos nossos impostos, temos o direito de revertê-lo para a área que quisermos. Qualquer uma.
 
            Ainda no tocante ao Tesouro Nacional, gastou-se no Senado, em apenas seis meses, 70% a mais com despesas médicas do que no ano inteiro de 2012, no Hospital Sírio-Libânes, em São Paulo. E todos sabem quais são os pacientes que têm o direito de freqüentar este luxuoso centro de tratamento, não sabem?  Eles mesmos, nossos políticos, servidores e dependentes. Enquanto isso, os médicos “plantonistas” seguem sem aparecer nos postos de saúde e de atendimento básico à população. Mesmo assim, seus salários continuam a ser depositados em suas contas, e nem ao menos se descontam os dias em que estes profissionais não aparecem no trabalho.
 
            O que nos consola, em meio a este turbilhão de desapontamentos, são atitudes que podem ser classificadas como paliativas, mas que funcionam – ao menos na teoria. O Senado aprovou, e por unanimidade, uma proposta de emenda constitucional que permite a atuação de médicos militares, da Brigada e do Corpo de Bombeiros no SUS. Enfim, o juramento que fizeram no dia da graduação vai se fazer valer. A vida vai ser priorizada diante das patentes que são privilegiadas nas filas de atendimento médico. Agora só falta o governo iniciar – o quanto antes! – a contratação destes médicos e fazê-los começar o trabalho de uma vez.
 
            Algumas milhares de crianças, espalhadas entre 43 municípios gaúchos, vão finalmente ter acesso à escola. E falo aqui de acesso físico, pois elas não tinham, até então, como chegar ao colégio, por falta de transporte que os levasse. O governo federal finalmente entregou os 200 ônibus que estavam parados há quatro meses nos pátios públicos. A demora, segundo próprios governistas, se atribuiu aos trâmites burocráticos no licenciamento dos veículos e à necessidade de treinamento dos motoristas. Por que questões como esta não são tratadas com prioridade nas sessões de votação das casas governamentais, assim como tantas outras são? Se permitir que uma criança chegue à escola não é uma questão prioritária, devo mesmo estar vivendo no mundo ou na época errada.
 
            Por outro lado, dois fatos me devolvem a esperança de dias melhores: 1) uma funcionária pública, de um setor de educação de Santa Maria, pediu demissão, alegando que integrantes do mesmo partido estariam atuando em nome de seus grupos ideológicos, o que prejudicaria os projetos do governo na área educacional. É uma pena que as pessoas desistam e se entreguem frente a este sistema pessoal e não-coletivo de governança. Mas, a frustração de ver projetos estancados e sem rumo certo, esmorece a alma e realmente leva à revogação dos cargos ocupados; 2) um clube da cidade foi interditado em meio a um evento, por apresentar riscos aos frequentadores e por não estar em dia com suas licenças e alvarás. Mudança de paradigma, isso é bom. Ganham todos.

(Juliano Lanius)

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Charges (por Carlos Latuff)


Para quem não sabe, o Latuff é um fantástico chargista carioca, bastante engajado politicamente (entre tantas causas que abraça, talvez a que mais se destaque seja a da “questão palestina”), que passou este ano pela Feira do Livro de Santa Maria, como convidado da programação do "Livro Livre", no qual protagonizou um ótimo bate-papo, direto, sem papas na língua e sem lá muita frescura de "politicamente correto" (de certa forma destoando de boa parte dos bate-papos do evento - como, por exemplo, para citar alguns, os "simpáticos" bate-papos com os mais populares entre nós Mauricio Saraiva e Fabricio Carpinejar - que reuniram público maior, mas com papo mais "ameno", ironizou emissoras de tv da chamada "grande mídia" - entre as quais, por coincidência, aquela onde trabalham os dois convidados citados anteriormente - sentou o pau na Brigada Militar e em mais meio mundo, e tudo sempre com aquele jeitão carioca descontraído, que faz com que, embora que ainda não se identifique com as ideias dele, ao menos você se divirta com o modo como as explana - e no fim das contas ao menos ainda reflita um pouco mais a respeito).
Pois o cara gentilmente cedeu para o De Letra uma de suas charges (ao que nós, diante da extrema dificuldade de escolher só uma, abusamos e decidimos publicar 5 aqui, contando que com a rasgação de seda das linhas acima ele não nos processe por essa ousadia! :)
Quem quiser dar uma conferida em mais trabalhos do cara, aqui vai um link:
 
 
"We´re here to bring democracy! Repeat it after me: de-mo-cra-cy!" ("Nós estamos aqui para trazer democracia! Repita comigo: de-mo-cra-cia!") 
 
 
Violência policial no Brasil: breve resumo.
 
 
  
A dura vida nas escolas da Maré (RJ)
 
Fujam! Os cubanos vêm vindo!.
 
 
 

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Livros em stand-by: "A Odisseia", de Homero (por Diego T. Hahn)

Esta nova sessão do De Letra tem por intuito elencar alguns daqueles livros que, após terem tido seu início e meio – ou, vá lá, alguns só o início mesmo – devidamente desbravados, a uma certa altura, por algum motivo, uma abrupta interrupção ocorreu, comprometendo essa sequência natural, e assim não foi possível se chegar à sua conclusão, e voltaram eles então a simplesmente decorar as prateleiras do lar, onde lá  estão até hoje “de molho”, “congelados”, aguardando pela retomada triunfal de suas sagas um dia desses.
Para estrear esta nova sessão, nada melhor do que “A Odisseia”, o livro que narra a volta do guerreiro grego Ulisses (ou, no original grego - permitindo "compreender" melhor, por sinal, o título da obra -, Odisseu) em meio a deuses, monstros e outras criaturas mitológicas para casa (a ilha de Itaca, na Grécia), depois da Guerra de Troia.
 
A autoria do livro é costumeiramente atribuída ao poeta da Grécia Antiga Homero, embora haja controvérsias e certas “correntes” defendam a tese de que a história teve mais de um autor e ela foi sendo escrita em diferentes épocas (tal qual uma espécie de Wikipédia da Antiguidade) até tomar sua forma definitiva, como a conhecemos hoje.
 
É uma boa leitura, fluída, divertida (ao menos a edição que repousa na minha biblioteca pessoal – o texto original trata-se de um longo poema épico, enquanto aqui foi transposto para o formato de prosa), que surpreende mesmo pela sua “contemporaneidade”, ao menos na linguagem, considerando-se que foi escrita há mais de dois mil anos.
Porém, apesar desses atributos e de ter realmente me agradado, por algum motivo, há alguns anos atrás empaquei nessa aventura – e lá devo ter ficado perdido, em alguma das ilhas cíclades...
 
Não lembro ao certo, mas provavelmente fiz casa na ilha de Ogígia, onde habitava a maravilhosa ninfa Calipso (sim, confesso que gostei de lá e talvez minha “greve” de leitura da obra se deva a discordar veementemente da partida do nosso herói de tão belos lugar e companhia)...
Mas, enfim, não, meu intuito não é cumprir os dez anos de "exílio" tal qual Ulisses e só acabar o livro daqui a uma década. A verdade é que, embora ainda distante de Itaca, anseio sim um dia ser recebido pelos braços da doce Penelope.
No entanto, um outro dilema surgiu recentemente - tal qual uma das tantas surpresas de Ulisses em meio ao mar ou como um “sinal” para os profetas daqueles tempos - no caminho dessa minha odisseia particular...
dia desses participei de um evento de troca de livros e lá encontrei e acabei trazendo para casa um outro livro de autoria atribuída a Homero: 

“A Ilíada”.

 
Pois, para quem não sabe, esta seria, no caso, a "irmã mais velha" da Odisseia, ou a "primeira parte" da história, aquela que se passa especificamente em meio à Guerra de Tróia, antes de Ulisses cair no mar...
 
De tal maneira, para desgosto do pobre Odisseu, parece que minha chegada a Itaca será novamente postergada e continuará um sonho distante, já que “A Ilíada”, por uma pura questão de cronologia (e, consequentemente, uma certa coerência, creio), passa à frente na fila dos épicos a serem desbravados nos próximos tempos – condenando assim “A Odisseia” a mais algum tempo em stand-by.
(por Diego T. Hahn)

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Política (por Juliano Lanius)

            Mesmo não entendendo os porquês da política brasileira, me arrisquei a analisá-la, algumas vezes. Do ponto de vista de autores como Maquiavel e Fernando Henrique Cardoso, tentei expressar os meus agrados e minhas frustrações quanto ao cenário de certas situações políticas já passadas. Hoje, proponho-me não a analisá-las, criticá-las ou elogiá-las, mas sim pontuar alguns fatos que me surgem como singelas dúvidas de um mero cidadão brasileiro, alheio aos objetivos políticos de nossos “representantes”.

            Lendo as páginas dos jornais locais e da região metropolitana, deparei-me com uma pergunta inevitável. 2014 é ano de eleições, época de escolher nossos candidatos favoritos. Mas, será que eles são mesmo nossos favoritos? E se tivéssemos a certeza de que o João da padaria fosse o candidato ideal para nossos anseios? E se a sua mãe fosse a candidata perfeita? Porém, nossas opções são limitadas e moldadas conforme os anseios de cada partido ou coligação. Não temos a livre escolha de elegermos quem quiséssemos neste país. Mesmo o Padre Marcelo Rossi. Para mim, exemplo de devoção ao trabalho que escolheu. Meu candidato perfeito.
            Por falar em anseios, a indicação de Margarida Silva Mayer não agradou os colegas do PTB. O presidente da sigla, Ali Nunes Ramadan, diz que a nomeação “não atende aos anseios do partido”. Como assim? Não são os anseios do povo que devem ser atendidos? Posso estar enganado, pois não entendo nada de política, mas as necessidades dos cidadãos deve ser a base governamental dos seus anseios. Quando recebi a notícia de que o novo procurador da Câmara de Vereadores poderia não ser filiado a nenhum partido político, comecei a acreditar nesta história de estado laico de que tanto se fala nos últimos tempos. Até o Papa Francisco falou nisso. E olha que ele é católico fervoroso! Pelo menos o novo procurador poderá “procurar” com seus próprios argumentos.
            O “novo” governo do Prefeito Cesar Schirmer deve contar com 180 a 200 CCs, número praticamente igual ao que havia anteriormente. Sou muito a favor de reformas administrativas regularmente. Isso dá fôlego novo à equipe, novos objetivos e tende a buscar novas mentes pensantes. Tomara que estas mudanças tragam benefícios significativos ao sistema funcional público de nossa cidade, que hoje se encontra truncado e cheio de desinformação. As pessoas que trabalham em repartições públicas são desatualizadas quanto ao funcionamento do próprio trabalho. Salvas as exceções, a maioria não assume a responsabilidade que seu cargo exige e acaba por passar a “bola” para o colega. Mas, depois de passar por mais 23 colegas, seu caso está resolvido e pode ir para casa contente e feliz. Tomara que os próximos contratados sejam, no mínimo, experientes nas funções que devem exercer. Colocar as pessoas a fazerem aquilo que elas já sabem é mais fácil do que ensinar todos a fazerem tudo. Porém, deveríamos exigir algumas metas de trabalho, para não haver o risco de o funcionário cair na rotina e esmorecer. Quanto mais se rende, mais se ganha. Que tal?
            Fiquei sabendo, esta semana, que a aprovação das contas eleitorais deixa de ser pré-requisito para a certidão de quitação eleitoral. Esta poderá ser obtida com a apresentação das contas de campanha, independentemente da aprovação delas. Podemos dizer que “a folha corrida” dos candidatos vai ser impressa sem a análise de seus atos. O que ele fez com o dinheiro não importa? Realmente, se é assim que o governo pensa em assumir a responsabilidade de arcar com as despesas eleitoreiras de seus candidatos, seja lá a que cargo, sem fiscalização e análise dos gastos públicos, podemos esperar mais alguns déficits na saúde, educação, transportes, cultura, segurança, etc, etc, etc...
            A depredação do prédio da SUCV, na semana passada, mostrou quão acirrada está à procura por culpados no caso Kiss. Apesar de o presidente da Associação das Vítimas ter dito que os manifestantes que agiram com violência e vandalismo não representam a entidade e as pessoas que fazem parte dela, os atos surtiram um efeito de dúvida quanto aos verdadeiros objetivos dos parentes das vítimas com tudo isso. A Associação tomou uma atitude séria e legal, mas os atos de vandalismo que presenciamos distorcem a imagem de comoção e solidariedade que há poucos meses vivemos. Entramos em um clima de guerra, em que somente queremos o mal do outro, como aconteceu com as vítimas. Não sei se o mal foi feito a elas ou o mal simplesmente aconteceu. Não tenho esta informação. Mas, tenho a certeza de que o ocorrido deveria ter acontecido para mudar um pouco as coisas. Para acalmar nossos corações e nos mostrar que vamos todos a um mesmo fim. Para a morte. Se tentássemos ser um pouco melhores uns com os outros, talvez nossa indignação fosse mais branda e consolável. Na verdade, é muito difícil pensar como um dos parentes das vítimas, pois somente eles sabem o que estão sentindo. Mas, um pouco de compaixão acalma e traz serenidade.
            Enquanto tudo isso acontece por aqui, lá na capital federal, na volta do recesso, apenas 37 dos 513 deputados compareceram ao trabalho na Câmara. Já aviso ao meu patrão, não precisa nem me esperar no fim das minas férias. Vou tirar mais uns dias para recuperar as energias empregadas na folga. Enquanto isso, os outros que tomem decisões por mim. Assim como fazem nossos deputados quando ausentes nas sessões de trabalho. Mas, seguimos em frente, na esperança de, um dia, podermos confiar plenamente em nossos representantes.

(Juliano Lanius)

domingo, 4 de agosto de 2013

Sua mensagem não pôde ser enviada corretamente (por Diego T. Hahn)

               Tudo começou quando eu acabara de escrever um vasto e-mail no qual havia empregado quarenta e cinco minutos da minha vida e na hora de enviar o mesmo voltou na minha cara aquela fatídica advertência: “Sua mensagem não pôde ser enviada corretamente. Tente acessar sua caixa postal novamente”.

Ou algo assim, sei lá; o trauma talvez tenha feito com que meu cérebro registrasse alguma palavra da mensagem de modo diferente, mas a base era mais ou menos essa...
 
E eu, então ainda muito inexperiente no mundo cibernético, não havia salvado o tal e-mail enquanto escrevia. Isso foi há uns dez anos atrás e até hoje, volta e meia, tenho pesadelos com aquela mensagem. “Sua mensagem não pôde ser enviada...”.
Quarenta e cinco preciosos minutos da minha vida. “Tente acessar sua caixa...”. Um tempo de uma partida de futebol. Algumas fantásticas ideias irrepetíveis. Milhões de neurônios guerreiros que se foram em vão...
Foi um primeiro grande choque, mas depois fui me acostumando: falta de memória, conexão que cai, não sei o que lá que não funciona, vírus...

E quem ou o quê, afinal de contas, é esse tal de Java, pelo amor de Deus?
Seria, a propósito, alguma espécie de divindade do mundo da informática?

Ao menos, parece nome de deus indiano... e, enquanto o técnico em computação tenta domar a fera, eu vou sonhando com o dia no qual voltaremos à era das cavernas: comunicação em inscrições nas paredes, feitas com pedras, sinais de fumaça... com a clava, me exercito golpeando um velho monitor de um aparelho então obsoleto e que me traz amargas lembranças de um tempo no qual eu também golpeava o monitor, mas, ainda que se com mais raiva, com mais cuidado, meio com medo de quebrar aquele troço ou deixá-lo com sequelas irreversíveis e assim marchar com uma nota preta que havia investido nele...



O pessoal ri quando eu digo essas coisas, mas aí eu pergunto se eles nunca assistiram o filme aquele, “Matrix”, no qual as máquinas passam a controlar o mundo – e, consequentemente, a gente...
É, vai brincar com esses negócios! É como aquela piada do capataz grosso da estância que, quando pela primeira vez na vida vê um trem passando, laça o “bicho” e se vai atrás dele sendo arrastado e se quebrando todo. Quando sai do hospital dois meses depois e cruza com uma loja de brinquedos, mete bala num “Ferrorama”, um daqueles trenzinhos elétricos em miniatura, que estava exposto na vitrine, dizendo que “tem que matar quando é pequeno, porque quando cresce é um perigo...”.

Mas no fim das contas, eu admito que nos dias de hoje não tem jeito: ele é mesmo imprescindível. Confesso aliás que passo boa parte do meu dia de frente para ele... essa tal internet te pega de jeito... tem muita diversão, informação, você acelera contatos, é mais econômico para fazê-los... e hoje aprendi a salvar os e-mails.

Mas, por via das dúvidas, escrevo tudo isso em uma velha e boa folha de caderno com uma caneta, enquanto ele, silencioso, dorme na minha frente no momento, fingindo inofensivo, em sua tela escura e seu teclado um pouco gasto...
Tento imaginar ele ali sonhando também com aquela mensagem, “Sua mensagem não pôde ser enviada...”, e tentando conter o arrependimento apenas para manter sua aparência séria e implacável de máquina que não pode falhar, como lhe ensinaram quando foi fabricado...
Imagino então o dia em que ele deixará o orgulho besta de lado e soluçando como uma criança me pedirá desculpas por todo o transtorno causado e enfim nos tornaremos bons amigos.

Até que um dia voltaremos à era das cavernas e eu, sem ressentimento algum, o deixarei por ali, sempre ao meu lado, em algum cantinho...

Só para amaciar a clava de vez em quando.

(Publicado em “Flashbacks de um mentiroso”)