terça-feira, 21 de maio de 2013

Pelos sebos da vida: "Gomorra", de Roberto Saviano (por Diego T. Hahn)


A Máfia.
Costuma-se muitas vezes designar certas organizações criminosas como entidades abstratas, intangíveis, algo grande demais para nossos reles olhos mortais, quando, na verdade, o modo operativo dessas organizações, como não poderia deixar de ser, desenvolve-se também como um trabalho operário de formiguinhas no dia-a-dia, no comércio - seja lá do que for - que pode estar acontecendo nesse exato momento ao nosso lado, enfim, é algo que faz parte também do nosso pequeno cotidiano, embora obviamente ninguém nos conte isso e a gente muitas vezes não faça também lá muita força  para ver.
 
Da autoria do italiano Roberto Saviano, Gomorra é uma excelente leitura, não somente pela fluidez de seu texto, mas especialmente por apresentar um panorama das entranhas do mundo mafioso – mais especificamente da Camorra, a máfia napolitana e a mais violenta da Itália – de um modo como talvez não tivesse sido feito até então.
Napoli é uma das cidades mais belas, mais pobres, e mais violentas da Itália – e mesmo da Europa – , com altas taxas de desemprego e poucas perspectivas para os jovens que resolvem lá permanecer ao invés de partir para uma Roma, uma Milão ou algum outro centro do norte do país com mais possibilidades, o que facilita o recrutamento das formiguinhas.
 
Saviano, natural da cidade, traça um retrato de partes da sua juventude caminhando lado a lado e vendo passar diante de si fatos e personagens que fazem parte da história desse mundo obscuro para a maioria.
 O autor narra minúcias sobre o contrabando no porto de Napoli, principal porta de entrada na Europa para produtos "sem procedência comprovada" (cerca de 60% da mercadoria que ali desembarca invade a Itália e o resto da Europa sem submeter-se aos tradicionais “empecilhos” alfandegários). Prédios no entorno do porto que são comprados e em seguida têm seus interiores completamente "esvaziados", tendo inclusive suas paredes divisórias derrubadas, transformam-se em verdadeiros esqueletos, para simplesmente servir de depósito para a mercadoria que chega pelo mar.
 
Passeia pelos fedorentos lixões clandestinos improvisados em certas zonas da Campania (a região da qual Napoli é capital) e para onde é levada grande parte do lixo tóxico de toda Europa, envenenando vidas ao redor, entre as quais as dos próprios chefões que lucram com tal negócio.
Expõe ainda o chocante treinamento militar ao qual são submetidos adolescentes recrutados pelo Sistema: meninos que são vestidos com coletes à prova de bala e em seguida atingidos por disparos à queima-roupa no peito, para acostumarem-se com a situação e perderem o medo diante do perigo.
Mas, ao mesmo tempo que visualizamos detalhes e minúcias do seu modus operandi, sim, ela talvez seja ainda grande demais para os nossos olhos – e nossa mente: costuma-se pensar em máfia como um fenômeno perdido lá no sul da Itália, quando seus tentáculos estão espalhados assustadoramente através de suas conexões econômicas não só por todo aquele país, como por boa parte da Europa, Estados Unidos, e outros tantos pontos desse nosso mundão velho de meu Deus – inclusive, veja só você, que surpresa, nosso belo Brasil varonil (anos atrás, um dos antigos chefões, Antonio Bardellino, foi morto no Rio de Janeiro, e outro, Tommaso Buscetta , preso em São Paulo, por exemplo).

E você pensa num mafioso como um tiozão sentado na sua poltrona com um charutão pendendo da boca e pose de Marlon Brando, capangas  com metralhadora ao redor, e, sim, talvez ele não fuja completamente desse estereótipo, mas o importante é saber que ele não é só isso, ele também é o político no congresso, e ele é o empresário trocando favores com esse político... e ele é parte de um ciclo que infelizmente talvez nunca tenha fim.
 
Interessante, por sinal, falar no estereótipo do Poderoso Chefão (o clássico filme, a propósito, é baseado no livro IL Padrino, do italiano Mario Puzo) pois, costuma-se pensar no mesmo, assim como em outros gângsters, como inspirados na máfia “real”, quando, na maioria das vezes, pelo contrário, o que acontece é que esses, os mafiosos da vida real, é que costumam inspirar-se nos filmes de gângsters e copiar certo modo de agir, falar, vestir-se. Certo chefe de determinado clan, conta por exemplo Saviano, mandou certa feita que se construísse no hall de entrada de sua casa uma réplica perfeita da escadaria da casa de Tony Montana, de Scarface, aquela do tiroteio insano de Al Pacino.
 
Roberto Saviano, após ver Gomorra transformar-se num sucesso de público e crítica, vendendo milhões de exemplares do livro na Itália e em todo o mundo, vive hoje sob escolta permanente em algum lugar desconhecido longe de sua terra natal - afinal está, logicamente, jurado de morte pela máfia. 
(por Diego T. Hahn)

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