sexta-feira, 17 de maio de 2013

Aquela (por Diego T. Hahn)


                                                                 Aquela

Quando o senhor Schumacher chega ao bar ainda não há ninguém lá além do garçom, que enxuga alguns copos atrás do balcão, e do velho papagaio, que é a mascote do lugar e está dormindo quietinho em seu poleiro. Obviamente o senhor Schumacher está adiantado. Ele senta-se, chama o garçom e pede um wurstel e um chope, enquanto aguarda.
- “Uma” wurstel bem “assada”, porr favorrr... – especifica, carregando nos erres finais. Depois fica curtindo o movimento das garotas de programa que fazem ponto em frente ao bar.
Alguns minutos depois chega o senhor Sam.
- Hey, man! What´s up? – saúda o outro, com o olhar voltado também para as profissionais lá fora.
- Hein!? – pergunta o senhor Schumacher, que estava distraído olhando para o papagaio.
- Como vai? All right?
- Hummm... sim... alles gut... alles gut... tudo bem… e “a” senhor? Também “chamada” para vir aqui?
- Yeah, yeah, yeah... recebi uma carta... mas não entendi bem... well, anyway... estou aqui...
- Eu também não entender bem... bom, pedi há pouco algo para comer... peça “a” senhor também, enquanto aguardamos...
- Ok... Hey, man! – grita o senhor Sam, dirigindo-se ao garçom – um hambúrguer, com bastante bacon, batatas e ovos fritos, please!...
Nesse momento adentra apressado o bar o senhor Manuel, com seu indefectível bigodão, só agora se lembrando de tirar seu avental de padeiro antes de sentar-se junto aos outros.
- Bom dia, gajos, bom dia... Como estão? É aqui a reunião??
- Reunião? Well... me parece que sim... só recebi uma carta para aparecer aqui na hora tal... and so, here I am...
- Eu também... não compreender bem “esse” carta, mas... estar aqui também...
- Hummm... estranho... nós três, três estranhos, unidos por algum motivo que não sabemos aqui neste bar...
- Yeah... está parecendo um daqueles filmes... “Jogos mortais”... do you know?
- Não... eu não gostar muito “dessas” lixos “americanas”...
- Ora pois... se é um filme ou o quê, não sei... só sei que saí apressado da padaria, peguei uns minutinhos de folga, mas tenho que voltar já, já, pois Maria não é muito boa com as contas...
É quando então entra no bar o senhor Giuseppe, pedindo mil desculpas pelo atraso.
- Ciao, ciao! Buongiorno a tutti!... Mi spiace, ragazzi... é que... tive uns contratempos... não estava conseguindo achar a salsa certa para o almoço e...
- No problem, man. Sente-se aqui com a gente... estávamos falando... estranha situação...
- Que situação?
- Você recebeu uma carta também, não?
- Sì, si... una lettera... dizendo para vir aqui... às onze e meia... mi spiace ancora per il ritardo!...
- “A” atraso não tem problema... “a” problema é que todos nós quatro recebemos “esse” carta... mas não sabemos quem mandou... e, principalmente, “a” porquê!...
- Entendeu, gajo? Ou quer que eu traduza, já que nossas línguas são mais próximas? Porque às vezes é difícil entender o amigo ali...
- No, no... capisco, capisco... é, sim... compreendo... estranho mesmo... e pelo que vejo, cada um de nós é de uma nacionalidade diferente...
- Ah, sim? É verdade! Sabes que eu não tinha notado?
Quem faz essa última observação, obviamente, é o senhor Manuel.
Então, enquanto tomam seus drinques e beliscam os petiscos que pediram, os quatro olham sérios uns para os outros por alguns instantes, tentando entender aquela situação.
- “Um” tentativa de sequestro?
- Maybe uma proposta de business?
- Um bello almoço entre amici?
- Mas que “amici”, se a gente nem se conhecia até agora? Are you crazy?
- Bem... não sei por que isso nos impediria de comer juntos una buona pasta...
- Uma piada...
- Como, “senhora” Manuel?
- Senhor. Senhor Manuel... Sim, uma piada... olhem para a gente...
- O que tem a gente? I don´t understand...
- Ora pois... um alemão, um americano, um português e um italiano...
- Sim?
- Isso só pode ser coisa de uma pessoa...
 Who? Chi? Wer??
- O senhor João.
Os outros esbravejam, concordando. Claro! Isso só podia ser coisa dele!
- Ah, essa não... eu tô fora...não tenho tempo para isso... e geralmente sou só um coadjuvante mesmo nessas histórias... tenho mais o que fazer... tenho um mundo de coisas para dirigir... ô, garçom, cancela o hambúrguer!...
- Ja, ja... eu também... só “uma” coadjuvante!... não poder aceitar isso, depois de “minha” povo ter sido protagonista, para “a” bem ou para “a” mal, “nas últimas” grandes encontros entre povos “nas últimas” séculos...
- Ma che cazzo! Podia estar em casa, já preparando a pasta... já é mais de meio-dia...
- Ora pois... reclamam aí ainda... pior eu! Preferia ser coadjuvante, pois quase sempre protagonizo e acabo me ferrando nessas histórias aí do João!... Estou fora também!... tenho que voltar para a padaria...
Os quatro se levantam, o alemão paga a conta por todos, e vão embora, esbravejando.
Cerca de meia hora depois entra rapidamente no bar com cinco polígrafos na mão o senhor João, mandando beijinhos e piscadelas para as trabalhadoras que continuam em frente ao recinto.
- Bom dia, bom dia... Desculpem o ligeiro atraso... Aqui estão os roteiros e...
É quando se dá conta que não tem ninguém ali. Ninguém além do garçom, que continua lá atrás do balcão enxugando os copos, e do papagaio, que parece agora acordar com a entrada do senhor João no bar, mas continua quieto no seu poleiro.
Ele olha para a mesa onde estavam os outros. Joga sobre ela os polígrafos. Senta-se. Pede um martelinho de cachaça. Toma tudo de um gole só. Pede outro. Fica pensativo um tempo... olhar perdido no movimento das moças da vida lá fora... Uma delas, a mais espalhafatosa, uma mulata alta, cabelo ruivo, brincões de argola e vestido amarelo fosforescente berrante, lhe manda beijinhos pela janela,
mas ele não dá muita bola... parece desiludido...
            Uns dois ou três minutos depois, porém, parece ter um estalo... Ele ri consigo mesmo - enquanto o louro abana as asas agora, como se espreguiçando, e fazendo aquele barulho de louro, “crooot” - coça a cabeça, olha para baixo e hesita por um momento, mas em seguida se levanta e vira-se para o garçom gritando:
- Ô, garçom!... – e, após entornar o segundo martelinho e pedir outra dose, sorrindo, lhe pergunta – Conhece aquela do bêbado, da prostituta e do papagaio na padaria???
(publicado em "Flashbacks de um mentiroso")

Um comentário:

  1. kkkkkk muito bom Diegão!
    Mas esse eu já conhecia, do livro :)
    e aê, a propósito, quando sai o "Flashbacks 2"?? Aguardando ansiosamente!
    Abraço

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