Doce ou salgado?
Aprecio
o conteúdo dos jornais que circulam no RS. Quando lia uma reportagem sobre pais
e filhos, me assustei com a ideia de que, talvez, eu não saiba como brincar com
meus futuros filhos. Quando tinha nove ou dez anos, as brincadeiras que faziam
parte do meu cotidiano e dos meus amigos faziam nossos pés permanecerem dois dias
pretos. Isso acontecia quando jogávamos futebol, descalços, no campo do time do
Campina, cujo nome também era o do bairro onde morávamos. Outras vezes chegávamos
todos molhados em nossas casas depois de uma incrível guerra, onde a munição de
que dispúnhamos eram bexigas cheias d’água.
Certa
vez, minha mãe, meu padrasto e eu estávamos nos preparando para sair, pois
íamos a um restaurante almoçar. Convenci D. Márcia (minha mãe), que me deixasse
andar de bicicleta na rua de casa durante aqueles minutos que antecipavam nossa
saída. Melhor seria se eu não tivesse saído do pátio naquele dia. Alguma coisa
deu errada com o freio da bicicleta, justo em uma curva no fim da rua, e eu caí
dentro de um canal de esgoto – daqueles com direito a estrume boiando e tudo –,
na esquina da minha casa. Cheguei em casa com uma cara de “tacho” e,
obviamente, chorando. Umas palmadas na bunda completaram meu momento trágico.
Hoje, eu e minha mãe rimos muito quando nos lembramos dessa história.
Atualmente,
me parece que baniram a sujeira, os machucados, as cascas de ferida, da vida
dos pequenos. Computadores substituem os pedais da bicicleta. Claro, é muito
mais fácil apertar o botão do controle do videogame do que se esforçar para
subir a lomba de bike. Os rolimãs aos poucos foram sendo deixados de lado, pois
os carrinhos de hoje possuem baterias recarregáveis para não cansar o
motorista. Por que será que as crianças não gostam mais de desafios? Quem ainda
se lembra como se joga dama? E ludo? E jogar peão e soltar pipa, alguém sabe?
Dizem
que, quando adultos, somos o reflexo ou o resultado do que éramos quando
criança. Então, acho que não teremos mais homes como Ghandi, Getúlio Vargas, e
até mesmo Hitler, que ainda que tenha feito uso de suas faculdades para
propósitos cruéis, mudaram o destino de suas nações. Os nossos futuros homens
quererão que tudo lhes venha pronto às mãos. O criativo se tornará cansativo. O
pensamento lhes é imposto, e não exposto. Penso que não veremos mais crianças
com o joelho esfolado. Com um ou dois olhos roxos. Ou portando uma lancheira.
Lembram-se das lancheiras? A minha possuía um orifício na parte superior, onde
a tampa da garrafinha térmica ficava exposta. Admiro minha mãe, pois até hoje
faz merenda para meu irmão levar ao colégio.
Certos
detalhes, que nos fizeram mais felizes na infância, podem contribuir para que
sejamos, pelo menos um pouco, mais felizes. Ainda mais agora, que estamos na
vida de adulto que tanto sonhamos um dia. Deixemos que crianças sejam crianças
em tempo integral, com seus tombos e dentes perdidos. Sejamos também um pouco
mais crianças. Oxalá todos os pais e mães reservassem uma hora de seus dias
para brincar de “lutinha” com os meninos e de casinha com as gurias. As
crianças adoram! E quando pegar o seu filho “limpando o salão”, pergunte: “Qual
é o seu, doce ou salgado?”
(Juliano Lanius)
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