terça-feira, 14 de maio de 2013

Doce ou salgado? (por Juliano Lanius)


Doce ou salgado?
Aprecio o conteúdo dos jornais que circulam no RS. Quando lia uma reportagem sobre pais e filhos, me assustei com a ideia de que, talvez, eu não saiba como brincar com meus futuros filhos. Quando tinha nove ou dez anos, as brincadeiras que faziam parte do meu cotidiano e dos meus amigos faziam nossos pés permanecerem dois dias pretos. Isso acontecia quando jogávamos futebol, descalços, no campo do time do Campina, cujo nome também era o do bairro onde morávamos. Outras vezes chegávamos todos molhados em nossas casas depois de uma incrível guerra, onde a munição de que dispúnhamos eram bexigas cheias d’água.
Certa vez, minha mãe, meu padrasto e eu estávamos nos preparando para sair, pois íamos a um restaurante almoçar. Convenci D. Márcia (minha mãe), que me deixasse andar de bicicleta na rua de casa durante aqueles minutos que antecipavam nossa saída. Melhor seria se eu não tivesse saído do pátio naquele dia. Alguma coisa deu errada com o freio da bicicleta, justo em uma curva no fim da rua, e eu caí dentro de um canal de esgoto – daqueles com direito a estrume boiando e tudo –, na esquina da minha casa. Cheguei em casa com uma cara de “tacho” e, obviamente, chorando. Umas palmadas na bunda completaram meu momento trágico. Hoje, eu e minha mãe rimos muito quando nos lembramos dessa história.
Atualmente, me parece que baniram a sujeira, os machucados, as cascas de ferida, da vida dos pequenos. Computadores substituem os pedais da bicicleta. Claro, é muito mais fácil apertar o botão do controle do videogame do que se esforçar para subir a lomba de bike. Os rolimãs aos poucos foram sendo deixados de lado, pois os carrinhos de hoje possuem baterias recarregáveis para não cansar o motorista. Por que será que as crianças não gostam mais de desafios? Quem ainda se lembra como se joga dama? E ludo? E jogar peão e soltar pipa, alguém sabe?
Dizem que, quando adultos, somos o reflexo ou o resultado do que éramos quando criança. Então, acho que não teremos mais homes como Ghandi, Getúlio Vargas, e até mesmo Hitler, que ainda que tenha feito uso de suas faculdades para propósitos cruéis, mudaram o destino de suas nações. Os nossos futuros homens quererão que tudo lhes venha pronto às mãos. O criativo se tornará cansativo. O pensamento lhes é imposto, e não exposto. Penso que não veremos mais crianças com o joelho esfolado. Com um ou dois olhos roxos. Ou portando uma lancheira. Lembram-se das lancheiras? A minha possuía um orifício na parte superior, onde a tampa da garrafinha térmica ficava exposta. Admiro minha mãe, pois até hoje faz merenda para meu irmão levar ao colégio.
Certos detalhes, que nos fizeram mais felizes na infância, podem contribuir para que sejamos, pelo menos um pouco, mais felizes. Ainda mais agora, que estamos na vida de adulto que tanto sonhamos um dia. Deixemos que crianças sejam crianças em tempo integral, com seus tombos e dentes perdidos. Sejamos também um pouco mais crianças. Oxalá todos os pais e mães reservassem uma hora de seus dias para brincar de “lutinha” com os meninos e de casinha com as gurias. As crianças adoram! E quando pegar o seu filho “limpando o salão”, pergunte: “Qual é o seu, doce ou salgado?”
 
(Juliano Lanius)

Nenhum comentário:

Postar um comentário