quarta-feira, 9 de abril de 2014

Biografias: Alberi Degalhos

Bom, aproveitando o alvoroço - e, por que não dizer?, até certa polêmica - causados pela repentina descoberta por parte de vários amigos leitores da existência e curiosa história de vida do poeta luso Alberi Degalhos, decidimos expor aqui mais alguns fatos descobertos nos últimos tempos através de contatos feitos com pessoas que teoricamente conheceriam um pouco mais do escritor português ou teriam ao menos cruzado eventualmente e trocado alguma palavra com ele (e também, mais abaixo, para aqueles que não conhecem, a reprodução da sua biografia, narrada na sequência da apresentação do recém-lançado "Histórias reais de amigos imaginários (e vice-versa)", da qual Degalhos é o autor, e que motivou toda essa nova onda de curiosidade a respeito do homem):


- Hernan Jimenez (alguns nomes, como este, são fictícios, pois não obtivemos autorização dos contatos para a divulgação deles), por exemplo, agricultor morador de um pequeno vilarejo da região de La Angostura, conta que certa feita ficou com o carro quebrado em meio à Cordilheira, tendo sido socorrido por um velho que passava pelas imediações com seu cajado e um pequeno rebanho de cabras (ele não lembra o nome do homem, mas supõe-se, pela descrição feita, que se trate mais uma vez do poeta português). Pois o tal sujeito foi bastante solícito e lhe fez companhia e o ajudou a buscar auxílio para o conserto do veículo por toda uma manhã e uma tarde. Jimenez lembra que a princípio o homem, embora bastante gentil, era de poucas palavras - as quais emitia com um estranho sotaque - e tinha um olhar perdido no horizonte, o que inclusive teria chegado a preocupá-lo por alguns instantes, fazendo-o cogitar a possibilidade de tratar-se de algum  tipo de doente mental ou algo do gênero. No decorrer do dia, porém, após o agricultor tecer alguns comentários sobre amenidades e a vida em geral enquanto aguardavam a chegada de um mecânico que estava a caminho, o indivíduo teria passado a balbuciar "sim, sim, sim", como concordando, porém visivelmente alheio ao que Jimenez dizia, na realidade parecendo ter um "estalo", e passara então a falar, e, parecendo entrar mesmo em uma espécie de transe, discursou por mais de hora, quase ininterruptamente, sobre várias teorias confusas que dizia que havia formulado nos últimos tempos e as quais Jimenez confessa não lembrar mais, tendo-lhe ficado impressa, no entanto, trechos de uma em específico, que o homem revelava estar desenvolvendo naqueles dias, a respeito de bifurcações e encruzilhadas  existentes pelo mundo afora e que, embora muitas vezes distantes umas das outras, acabam fatalmente por se entrecruzar em algum momento, como a formar um gigantesco e uno labirinto, se vistas de um ponto de referência no alto.
- Metaforicamente falando, o senhor quer dizer? - lembrava de ter-lhe perguntado o agricultor, um tanto quanto confuso e admitindo tê-lo interpelado tão somente para não evidenciar rudeza, desinteresse ou mesmo ignorância.
- No se... no se... - teria se limitado a responder o homem, e voltado a calar-se por um longo tempo, mirando novamente, um tanto quanto melancólico, os confins da Terra no extremo Oeste, formando um quadro que Jimenez afirma ser difícil de esquecer - suas humildes vestes e a longa barba branca ao vento, o cajado fincado na terra, e o brilho no escuro dos seus olhos, pelos quais o resto de sol daquele dia parecia especialmente atraído e nos quais parecia se banhar com intensa alegria e com urgência, antes da noite cair - e aquilo dera a Jimenez também uma sensação de imensa serenidade e relaxamento únicos. 
Ao questionar em seguida o mecânico que lhe dava carona, este, um tanto quanto indiferente e distraído, dizia não conhecer o tal homem ("debe ser un loco cualquiera!") que havia ficado para trás, então acocorado, mas ainda imóvel admirando a linha do horizonte, e cada vez menor à medida que desciam a Cordilheira, até tornar-se um pontinho branco e por fim desaparecer de vez, enquanto o mecânico falava muito rápida e irritantemente sobre uma determinada partida de futebol, uma grande festa do povoado próximo, misturando outros assuntos, e sorrindo-lhe com uma boca com poucos e amarelados dentes.
No fim das contas, apesar de toda a estranheza da situação e dos seus modos e linguajar, e de não lembrar da maioria das coisas que o velho pastor lhe havia dito - e ter entendido muito pouco daquelas que lembrava - , Jimenez afirma ter ficado com uma forte impressão de que não, por algum motivo que lhe foge à razão, mais uma sensação do que qualquer outra coisa mesmo, ele não seria capaz de contestar a sanidade daquele sujeito perdido lá em cima.



- Já o bolicheiro Jose Sellas conta que Degalhos esporadicamente aparece no seu recinto - uma espécie de bar/armazém situado em Susques, norte altiplano da Argentina - para comprar alguma coisa, e costumeiramente entra quieto e sai também quase calado, emitindo na sua passada tão somente os protocolares "buenos dias" e "buenas tardes", mas certa feita ancorou lá e surpreendeu a todos os presentes, tirando o chapéu e o pala e esparramando-se em um canto, no qual vararia a noite discursando sobre o poder mágico do vinho, que inclusive consumiu abundantemente naquela ocasião, elencando minuciosamente todas as propriedades medicinais e terapêuticas da bebida, além de sua textura, seu aroma, seus variados sabores, e fazendo comparações destes com situações da vida, e o misterioso poder da silhueta de uma mulher sobre um homem, no que foi rodeado de outros frequentadores do bar, que o ouviram calados, como hipnotizados, por horas e horas. Um desses frequentadores do bar, Facundo Reyes, afirma ter visto um brilho especial,segundo ele uma espécie de lágrima fugaz, bailar pelo olho do poeta luso quando ele descrevia "a cordilheira que descreve uma nostálgica parábola no lombo de uma fêmea, tão próxima do céu aquela elevação, e que nos rouba o oxigêneo do cérebro pelo ar rarefeito de sua altitude...", suposta lágrima que ele, porém, conteve e impediu de se espatifar naquela mesa de bar no meio da escuridão entre as montanhas, pois "as lendas não choram", repetia sorrindo o homem, "as lendas não choram", e seguia contando que o singular homem se levantou ao terminar a descrição, pegou seu chapéu, enterrou-o bem na cabeça, enrolou-se no seu velho pala andino, e se foi, encarando o gelado vento lá fora no lombo de sua mula, apenas balançando a cabeça em saudação de despedida para os que ficavam, atônitos, um pouco por vê-lo partir tão repentinamente, quando aguardavam ansiosos por mais, um tanto por tudo que haviam ouvido naquela noite, como a processar toda aquela incomum informação para rústicos homens da Cordilheira.
Antonio Venegas, outro frequentador e dono de certo talento para as artes - gosta de declamar trovas com sua voz rouca e grave e costuma rabiscar caricaturas dos habituais frequentadores em guardanapos -, embora fazendo a ressalva que Reyes tem certa inclinação a "aumentar os fatos", por assim dizer, confirma que o grosso do causo é mesmo esse e lembrando, inclusive, que em uma parede do recinto há um desenho de sua autoria retratando Degalhos e sua caracterização naquela noite.
Segundo Venegas, muitos dos homens presentes naquela ocasião aguardaram ainda por muito tempo por outra daquelas - não há realmente muito o que se fazer por aquelas bandas, e tinham tantas perguntas por fazer -, mas Sellas afirma que tal evento não mais se repetiu - o tal homem até voltaria lá, e continua aparecendo esporadicamente, mas geralmente pelo fim da manhã ou início da tarde, como de costume, trocando, sempre soturno, apenas rápidas e formais saudações com os presentes.
Embora alguns até tenham tentado em certas ocasiões empreender novas conversações com o velho, ele então limitava-se a emitir alguma vaga resposta monossilábica ou, mais comumente, balançava a cabeça como pedindo desculpas e respondia quase timidamente "no se, amigo... no se", antes de retirar-se outra vez.
Nada que afetasse, contudo, certa adoração que lhe devotavam ainda os frequentadores do bar, sempre esperançosos de que um dia Degalhos voltaria lá e lhes contaria mais sobre a vida.


E aqui abaixo, para quem ainda não tinha conhecimento, a reprodução da biografia de Alberi Degalhos - que, como dito antes, consta do "Histórias reais de amigos imaginários (e vice-versa)", livro de contos do qual o poeta português é autor da apresentação:


"Sem dúvida, é válido  aproveitarmos também este espaço
para apresentar um breve resumo da extraordinária história deste
fantástico poeta português, inacreditavelmente quase ignorado por
completo no Brasil.
O lendário – em seu país e boa parte da América Latina,
especialmente aquela andina – Alberi Degalhos nasceu em Alcobaça
(em data desconhecida; especula-se, porém, que tenha hoje algo
em torno de 90 anos de idade), mas foi criado na Ilha da Madeira.
Reza a lenda que fora abandonado ainda bebê na frente da casa
da família Degalhos, tendo assim sido adotado por Odisseu Francis
Degalhos e Eleonora Caminha Degalhos, ele também escritor,
ela descendente de nobres da Ilha. Hoje diz-se que vive sozinho e
isolado, praticamente sem contato algum com outras pessoas, em
uma pequena casa na Cordilheira dos Andes no Chile, onde dedica-se à criação de cabras.
Embora fosse bastante notório por seus haicais no início
da carreira, era também considerado ótimo na prosa. No entanto,
em um incêndio ocorrido em navio no qual cruzava o Atlântico
vindo de Portugal para a América do Sul na década de 40 – fugia
da perseguição do ditador Salazar, que o considerava um poeta
subversivo – todos seus textos foram perdidos, com exceção de dois,
os poemas “Cuidado com esse negócio (Os versos perdidos)” e “Um
belo dia chegou o futuro”, que hoje são os únicos registros “oficiais”
de sua obra. Felizmente, todos os tripulantes do navio, que em
poucos minutos jazia no fundo do mar, foram recolhidos e salvos por
uma segunda nau que fazia a travessia transoceânica em conjunto.
Alguns poemas e outros textos circulam ainda hoje em seu nome,
mas sua autoria jamais foi confirmada. Diz-se também que, depois
do incidente no navio, o poeta luso, provavelmente desgostoso com
o destino trágico de seus escritos, até continuou escrevendo quando
chegou na América do Sul, mas quase tudo aquilo que escrevia
passava a queimar logo em seguida em uma pequena fogueira
em frente ao seu chalé na Cordilheira. É certo que há até pouco
tempo ainda escrevia esporadicamente para algumas pequenas
publicações, sem maiores pretensões literárias, geralmente ensaios
ou resenhas, comentários a respeito da produção de novos talentos
locais. Embora apreciador de uma boa leitura, consta que nunca
gostou de falar de sua própria obra.
Alberi  Degalhos  casou  oito  vezes,  mas  nunca  teve  filhos.
Algumas poucas pessoas que tiveram contato com o poeta afirmam
ser ele um homem de poucas palavras, porém bastante afável e,
mais do que qualquer outra coisa, dedicado ao seu rebanho, no qual
aparentemente passou a focar com fervor nesses seus novos tempos
na América quase toda sua concentração e seu empenho, outrora
voltados com a mesma intensidade quase unica e exclusivamente
para a literatura.
Como não poderia deixar de ser, devido aos seus hábitos
diferenciados e sua vida quase de ermitão, surgiram com o
tempo várias lendas a seu respeito. Como, por exemplo, a de que
o verdadeiro Alberi Degalhos havia morrido há muitos anos e a
partir de sua morte algumas pessoas, fãs seus, passaram a adotar
sua “personalidade” para não deixá-lo partir totalmente: passaram
a escrever em seu nome – seriam as obras que circulam sem sua
autoria  confirmada  -,  e  assim,  Alberi  Degalhos  seguiria,  de  certa
forma, vivo, sendo “retransmitido” de geração para geração.
Há algum tempo atrás circulava na internet um
documentário feito por estudantes chilenos sobre a vida de um
homem já de avançada idade, longa barba branca, que vivia numa
pequena casa na Cordilheira dos Andes com suas cabras e surgiram
fortes suspeitas que o homem fosse o poeta... no documentário, ele
falava sobre várias teorias esotéricas, sobre metafísica, vida e morte,
a pedra do gênesis, o elixir da juventude, mas não menciona-se em
nenhum momento o nome do homem e as suspeitas que ele fosse
Alberi Degalhos nunca foram confirmadas.
O autor deste livro conheceu Degalhos – ou o homem
identificado  como  Degalhos,  como  queiram  –  há  alguns  anos  em
um café em um pequeno vilarejo quando cruzava a Cordilheira,
na fronteira entre Argentina e Chile, em meio a um mochilão
pela América do Sul. Após aproveitar a raríssima oportunidade
– especialmente pelo fato de o proprietário e os outros poucos
frequentadores presentes no bar confirmarem que as aparições do
homem ali eram quase bissextas – para uma breve, porém intensa,
conversa, deixou-lhe um exemplar de “Flashbacks de um mentiroso”
e, depois de alguns meses, passou a corresponder-se por cartas –
esporádicas, é verdade, mas hábito que mantém até hoje – com o
velho ermitão
."



quarta-feira, 2 de abril de 2014

Lançamento do "Histórias reais de amigos imaginários (e vice-versa)" (por Diego T. Hahn)


Olá, caros amigos!
E finalmente tenho o prazer de escalar-vos para esta nova missão literária:  

Os que estiverem zanzando distraidamente pelas paragens de Santa Maria/RS nesta quinta-feira, 03 de abril, estão convidados para dar uma passada na Athena Livraria (pra quem não sabe, situada na Floriano, onde ficava a loja Ugalde, a meia quadra do Calçadão) a partir dumas 18:30 para o lançamento oficial do meu mais novo compêndio de causos:

"Histórias reais de amigos imaginários (e vice-versa)".
 

 
(Porque, de alguma forma, provavelmente você - sim, você aí! - também faz parte destas histórias!...)

Bueno, sem mais delongas, até lá!!  
Abraços!
Diego  
 PS: Ah, não se preocupem, sem dúvida compreendo que às vezes não dá pra aparecer, a pessoa está longe, em outra cidade, estado ou país, o horário não fecha e tal... entendo, claro! 
E, só para mostrar que não sou rancoroso e vingativo, já adianto que preparei alguns brindes e quem não for poderá vir a ser agraciado inclusive em um sorteio que ocorrerá, e no qual constarão só os nomes dos ausentes, com um dos três seguintes prêmios:



- serviço de acupuntura à distância, também conhecido como "Acupuntura Haitiana", realizada com bonequinho importado, personalizado com a cara do amigo sorteado;
 
- visita surpresa de cortesia na casa ou no negócio do amigo sorteado por parte do meu amigo Tião Taco de Beisebol, o qual fará arrojada demonstração prática das suas habilidades com o artefato esportivo que justifica seu apelido (obs: este prêmio está sujeito a alterações, devido a disponibilidade do Tião, considerando-se sua "agenda" - leia-se "progressão ou não da sua pena");
 
- uma passagem (só ida - infelizmente temos limitações orçamentárias) para Kiev, capital do belo e tranquilo país da Ucrânia.
Se você é um dos prováveis ausentes... boa sorte!! 
 
 

sábado, 22 de março de 2014

Leituras em stand-by: "A divina comédia", de Dante Alighieri (por Diego T. Hahn)


Bom, comecei a ler “A Divina Comédia” há, o quê? Cerca de dez ou doze anos?
Sim, acho que foi mais ou menos por aí...
Eu devia ter uns vinte e poucos invernos vividos então...


É, definitivamente, não sei o que eu tinha na cabeça na época...
Bom, seguinte, para quem não sabe do que se trata: é o poeta florentino Dante narrando em primeira pessoa a história, na qual, em parte dela guiado por outro lendário poeta italiano, Virgilio, visita inferno, purgatório e paraíso.

 
Tudo - claro, como não poderia deixar de ser - por causa de uma mulher! (assim como Dom Quixote por sua Dulcinéia, diz-se que Dante empreende sua aventura por causa de sua musa, Beatriz...).
O poeta narra pormenores dessas andanças, descrevendo minuciosamente o caminho trilhado pela dupla e – no caso do inferno, por exemplo –  as punições infligidas a mentirosos, que chafurdam na lava, gulosos, que são espetados por capetas sacanas, e assim por diante, de um modo tal que nos faz cogitar que o filho da mãe ou teve uma espécie de visão ou realmente andou por lá!... (entre outras punições, interessante aquela direcionada aos adivinhos: têm suas cabeças torcidas para trás, de modo a não conseguirem olhar mais para a frente, castigo imposto por alegarem saber o futuro – que "somente Deus sabe").

(A propósito de Dante, em visita por Florença, quando então ainda inexperiente no quesito visita a “Casa do/da...”, paguei 5 barões para conhecer a casa do mesmo... puro engodo, claro; como toda “Casa do/da...”, consta apenas de uma casa normal (poderia ter sido a casa de qualquer ser humano - do pizzaiolo da esquina, por exemplo - e jamais saberíamos), com algum material impresso afixado nas paredes contando a história do fulano ou da fulana – no caso, além de um pouco da história do escritor, obviamente também trechos da Divina Comédia para encher um pouco mais de linguiça)

Bem, de qualquer maneira tenho o orgulho de dizer – especialmente considerando-se que, tal qual acontece com o “Ulisses” de Joyce e “Em busca do tempo perdido”, de Proust, só para citar dois exemplos clássicos, nunca ninguém leu “A Divina Comédia” inteira – que consegui chegar até a metade do livro!
O “empecilho” na leitura da obra nem é exatamente seu tamanho (são razoáveis 337 páginas na edição pocket que tenho em casa, de 2004 da L&PM - que, diga-se de passagem, é em prosa, tornando um pouco mais acessível a leitura do texto, que originalmente é um poema), mas sua linguagem arcaica.

Apesar disso, no entanto – e do seu cunho, por alguns versos, meio religioso –, por algum motivo que me foge à razão já decidi que esse é um dos meus objetivos literários dessa vida:
Sim; um dia terminar de ler “A Divina Comédia”.
Talvez pelo fascínio que, não dá pra negar, a obra causa, no sentido de sua criação em si.
Talvez para não ficar com a sensação de ter desperdiçado em vão um precioso tempo de vida com a primeira parte da leitura...

Ou então simplesmente por, depois de ter penado pelo sétimo círculo do inferno e começado a vagar meio a esmo pelo purgatório, acreditar que mereço também um dia conhecer o tal do paraíso...
 

sexta-feira, 7 de março de 2014

Pelos sebos da vida: "O coração das trevas", de Joseph Conrad (por Diego T. Hahn)


Curioso Joseph Conrad ser o primeiro cara a ser resenhado duas vezes aqui no blog (a primeira vez, inclusive, foi na primeira resenha do De Letra, com Os duelistas). Curioso, no caso, porque nem é um dos meus autores preferidos - e, na verdade, só li mesmo esses dois livros do sujeito (ou seja, ele tem 100% de aproveitamento por aqui!).

Um dos livros com a quantidade de versões da capa mais legais que já encontrei por aí (embora esta acima esteja meio "fora de foco", foi talvez uma das mais interessantes que achei e assim decidi por incluí-la também na rela).
Curioso também, pelos estilos empregados em cada um, parecerem os acima referidos livros terem sido escritos por autores totalmente diversos (Os duelistas é, digamos, mais light, mais direto, sem tanto rebuscamento, ao contrário da densidade de O coração das trevas - se bem que isso possa se dever, claro, tanto ao conteúdo de um e de outro, quanto a questões referentes a edição, tradução, etc).

A respeito disso, vale dizer que Conrad era polaco e só foi morar na Inglaterra (posteriormente naturalizando-se inglês) lá pelos vinte e poucos anos, quando ainda não falava uma palavra sequer do idioma bretão... e, ainda assim - e talvez por isso mesmo -, superou-se e tornou-se um exímio conhecedor e artista daquela língua.
Embora o mais do que centenário livro - sua publicação data do longínquo 1902 - seja um clássico, foi mais também pela sua curiosidade que decidi resenhá-lo, por assim dizer, aqui (e por ser um dos últimos livos resenháveis que li), já que certamente, assim como Conrad, e apesar de um bom e envolvente livro, não ter se tornado um dos meus favoritos.

Inevitável, claro, mencionar que Francis Ford Coppola se baseou no livro para filmar Apocalypse Now, adaptando a realidade da obra de Conrad que se passava no Congo colonizado para a Guerra do Vietnã.

A respeito do filme (que, a propósito, na minha humilde avaliação, uma raridade nesse tipo de comparação, chega a ser melhor que o livro), embora Brando, interpretando Kurtz – de certa forma, mais uma vez o poderoso chefão –, ainda que só apareça no final, seja o eixo central do filme, e Martin Sheen - sim, o pai do sequelado Charlie, que, diga-se de passagem, protagonizou também outro clássico de guerra, Platoon - o protagonista, quem definitivamente marca presença, ainda que só apareça em determinado trecho – ao meu ver, igualmente, nas melhores sequências –, é Robert Duvall, com seu coronel surfista e suas frases épicas, tais quais “Vietcongues não surfam!” e “Adoro o cheiro de napalm pela manhã”.

 Obviamente revi o filme após terminar de ler o livro, para verificar se teria e qual seria a nova impressão sobre a obra cinematográfica (e o resultado foi realmente positivo e, entre outras coisas, foi interessante perceber a relação feita por Coppolla entre Vietnã e o Congo colonizado do livro quanto à justificativa de “ajudar a humanizar e trazer progresso à região” – típica ação que podemos dizer, inclusive, se perpetua e segue atual, já que tal justificativa – esfarrapada? – segue sendo usada em eventuais incursões imperialistas mundo afora).

Impossível, no entanto, não começar a ler o livro tendo já visto o filme anteriormente, já na expectativa de encontrar Kurtz. Não sei ao certo, mas talvez isso, ainda que sutilmente, tenha prejudicado (ou teria ajudado?) de alguma maneira a leitura.

O fato, de qualquer forma, é que é uma leitura densa. Quem narra a história é o marinheiro inglês Marlow, contando sua experiência no Congo, na época que a Bélgica colonizava o país africano. Encarregado de subir o rio (que, embora não identificado por Conrad, presume-se seja o rio Congo, também conhecido como rio Zaire) numa expedição a bordo de um precário barco para buscar Kurtz, o genial agente da companhia que explorava a região e que, diziam, havia enlouquecido no posto mais avançado da empresa e, apesar de seguir com suas enormes remessas de marfim, havia se tornado um problema.


E, no mais, em meio a tudo isso, temos canibais famintos, decapitações, rituais pagãos, frequentes e controversas menções ao tal cara lá no fim do caminho que não aparece nunca - até aparecer - e um barquinho a deslizar, no azul, azul do mar (bem, não tão azul, e muito menos mar, mas você entendeu - e eu não podia perder a deixa).

"Dei ordens para que a âncora, que havíamos começado a puxar, fosse jogada outra vez. Antes que ela parasse de correr com seu retinido surdo, um grito, um grito muito alto, como que de infinita desolação, soou lentamente através do ar opaco. E cessou. Um clamor de lamentação, modulado em selvagens dissonâncias, encheu nossos ouvidos. O fenômeno era tão inesperado que meus cabelos arrepiaram-se sob o meu boné. Não sei o que causou nos demais; para mim era como se a própria neblina tivesse gritado, tão repentinamente, e aparentemente vindo de todos os lados ao mesmo tempo, despertando aquele tumultuoso e triste clamor."

" 'Eles atacarão?', murmurou uma voz apavorada. ' Seremos todos massacrados em meio a este nevoeiro', murmurou outra. As faces contraíam-se de tensão, as mãos tremiam levemente, os olhos esqueciam-se de piscar"

" 'Pega elis', ele disparou, abrindo os seus olhos avermelhados e mostrando os seus dentes afiados - 'Pega elis. Dá elis pra nóis'. 'Pra vocês, hein?', perguntei; 'O que vocês fariam com eles?' 'Comia elis', falou secamente, e, apoiando seu cotovelo no gradil, olhou através da neblina com um ar de grande dignidade e uma atitude de profunda reflexão."

Críticos costumam dividir-se, questionando a mensagem central do livro, se uma espécie de libelo anticolonialista ou simplesmente uma representação racista da África - Conrad, que, diga-se de passagem, era também marinheiro, havia visitado e viajado pelo Congo na época da dominação belga.

Para se ter uma ideia da densidade do produto, procurando informações, críticas, etc, sobre o livro na internet, achei até mesmo tese de universidade sobre ele.
O que creio, particularmente, possa restar basicamente de questionamentos ao cabo da leitura, após todas as reflexões que já foram feitas e são conhecidas, e sem forçar lá muito a barra com maiores análises psico-antropológicas e tal - e talvez já forçando um pouco - , é:

- Precisamos mesmo chutar o balde, mergulhar fundo de verdade, abandonando todas nossas defesas - físicas e psíquicas -, ir realmente até o limite, para descobrirmos nosso real potencial – ou, em outras palavras, para simplesmente conhecermos verdadeiramente quem somos (e, por tabela, o que realmente nos rodeia nesse mundão de meu Deus) – ? (Como diria o Capitão Willard no filme de Coppolla, justificando sua presença no Vietnã: “Eu não saberia quem sou numa fábrica em Ohio!”)

- E seria o ser humano essencialmente selvagem por natureza (sendo que a nossa sociedade civilizada só consegue mascarar relativamente isso)?

 
 
E para não dizer que não dei voz ao principal personagem da história - Kurtz - aqui, eis sua mais curta e emblemática sentença, na qual ele talvez sintetize as respostas e resuma essa loucura toda:

"O horror... O horror".

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Poesia para quem precisa (por Diego T. Hahn)


(Este texto foi publicado na edição número 1 da "Cesma Revista", no mês de novembro de 2013, e é parte integrante também da coletânea de contos "Histórias reais de amigos imaginários (e vice-versa)", a ser lançada no mês de março próximo)


- Mão na cabeça, vagabundo!

- Olha aí, capitão: caderninho de poesia...

- Preso em flagrante, hein, vagabundo!? Poesia, hein?

- Hã?... Eu estava aqui só escrevendo... não sabia que...

- Ah, não sabia que é o primeiro passo, malandro?? Não sabia que a poesia é a porta de entrada?

- Porta de entrada para o quê, chefia?

PLAFT!

- Ai!

- Tá te fazendo de desentendido, malandro? Vê aí o que tá escrito, Serjão... lê aí...

- Humm...

- Vê se ele cita a polícia aí...

- Não, capitão... não...

- Bom, vê se ele preparava então alguma rima pra polícia...

- Hum... tipo o quê, capitão?

- Hum... não sei... olha aí, Serjão!... sei lá... “polícia”... “polícia”...

- Milícia, chefia?

PLAFT!

- Ai!

- Tá chamando a gente de miliciano, é, malandro?

- “Delícia”. Achei aqui, capitão...

- Opa, olha aí, Serjão! Temos provas agora, Serjão... lê o resto aí, Serjão, lê o resto aí!

- “Tuas mãos pelo meu corpo... o mundo absorto... no teu seio eu navego... numa tarde de delícia”...

- Olha aí! Atentado ao pudor, no meio da rua!

- Sim, mas... e a rima, capitão? Tá faltando a rima...

- É verdade. Cadê a rima, malandro?? Onde ia entrar a rima aqui?

- Não tem rima... é um poema que...

PLAFT!

- Ai!

- Tá tirando a gente pra ignorante, malandro? Acha que a gente não entende de poesia, é?

- Não, não é isso... é que...

- Olha essa outra, capitão: “Teu corpo é meu castelo... meu porto seguro... quando ouço tua voz...”

- “Meu mastro fica duro”? Mais atentado ao pudor aí??

- Não. “O inimigo pede trégua”...

- O quê??

- É... por que não usou “égua” antes então?

PLAFT!

- Ai! Pô, por que essa agora?

- Nem sabe fazer poesia, vagabundo!... Ah, tamo perdendo tempo aqui... nem é poeta nada, Serjão...

Jogam o caderninho nele e vão embora.

Ele fica imóvel ainda por um tempo ali escorado na árvore, observando eles se irem.

Em seguida, pega o caderno e a caneta e volta a buscar a rima que tanto procurava o dia inteiro e que estava quase lhe chegando antes daquela abordagem...

“Fictícia?”

 

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Sucessivas explosões (Em memória do Maestro)


A primeira coisa que me vem à cabeça quando lembro da coisa toda é aquela frase, surgindo voando, veloz: "Separada por um istmo!" e ecoando "istmo. ISTMO!".

Engraçado. Nunca fui tão bom assim em geografia, mas essa lição peguei bem: aquele tal lugar era separado do continente por um istmo.

Isso aconteceu lá pelos idos dos 90. Metade da década, talvez. De certeza, eu era guri. Lembro bem da minha confusa impressão, inclusive sem saber ao certo se tinha gostado ou não, que havia ficado tipo "Cara, que parada é essa??", tentando digerir por alguns dias após o espetáculo toda aquela função.
E talvez esteja tentando digerir até hoje.
Pois dizem que é isso o que a verdadeira arte faz com a gente, quando temos a sorte de nos depararmos com ela.

Depois o que mais marcou daquele curioso espetáculo daqueles dois estranhos artistas sbornianos (um com jubão eletrificado e olhar petrificado, o outro com sorrisinho canastrão abaixo do bigodinho, típico gerente de restaurante italiano), além daquela dancinha maluca do corpo travado com a cabeça chacoalhante - essa era perfeita para eu dançar - e de uma certa canção que falava de um triângulo amoroso familiar, foi uma versão feita por eles para "Meu erro" dos Paralamas do Sucesso.
 Devagarzinho, ritmada, à meia-luz, violão e acordeon. E, bem...
Esqueça Zizi Possi. Esqueça todos os outros covers dessa música.
Havia um quê de melancolia ali - e como é bela a melancolia quando inserida na medida justa em certos casos (bem, mais uma vez, a arte, a arte...)...
Mas havia também um quê de mágica ali. Era algo quase hipnótico.
E ainda é: sempre que lembro do espetáculo, antes mesmo de lembrar de todo o resto, automaticamente começa a tocar lá no fundinho dos arquivos da minha confusa memória aquela música...

Foi a primeira - e, agora sei, última - vez que os vi em ação.
Nossos caminhos infelizmente nunca mais se cruzaram desde aquela noite. Tinha curiosidade, agora mais maduro, adulto, por assim dizer, a respeito da impressão que eventualmente me trariam nos dias de hoje. É o meu primeiro grande lamento dessa partida precoce do Maestro, uma tristeza egoísta, eu sei, de nunca mais poder revê-lo em ação.
(Há uma piada na qual um portoalegrense pergunta para o outro:
- Já viste o Tangos & Tragédias?
- Umas 8 vezes...
- Por quê? Não gostou?).

Mas depois tem também, além, claro, da tristeza inerente à imensa perda de mais um ser humano, qualquer ser humano - que por si só já seria suficiente, como diria John Donne -, também a estranha, curiosa, tristeza, essa saudade antecipada, que nos ataca quando se vão determinadas pessoas que nem conhecemos intimamente, que pouco ou quase nunca víamos nessa vida, em quem quase nunca pensávamos, na realidade, mas por quem, devido a alguma característica peculiar, seu carisma, seu jeito de sorrir ou ser bom em algo, ou algo assim, nutríamos alguma espécie de admiração especial lá no fundo. E damo-nos conta disso tudo especialmente nesse momento de partida - embora, claro, talvez exista uma certa tendência a tudo isso se intensificar nessas horas de partida - quando já é tarde, e tentamos admirá-las e reverenciá-las em pensamento o máximo que podemos nessa despedida, como tentando correr atrás do tempo perdido, como tentando calcular a falta que elas nos farão.

Bem, creio que existem diferentes formas de luto, ou, melhor dizendo, diversas formas de tristeza advindas do luto.

Certamente não é tão profundo e avassalador como chorar por um parente ou amigo próximo. 

É uma tristeza mais sutil.

Nesse caso, creio que choramos talvez por amigos de outras dimensões, outras vidas, vidas nas quais imaginamos que tudo é melhor e mais belo que aqui e somos sempre felizes, tal qual numa ficção.
Ou choramos simplesmente por nossos super-heróis particulares, gente "especial" que nos mostra que aqui mesmo há mais entre o céu e a Terra do que supõe nossa vã filosofia.

Tal qual acontece com a identidade secreta de alguns dos nossos super-heróis, no entanto, às vezes pouco sabemos de suas vidas pessoais, até que um dia se vão - a gente costuma achar que durariam para sempre, envergando sua capa e sorrindo aquele sorriso também eterno, naquela pose altiva - e há sempre um quê de tragédia na morte de um super-herói.

Para pegar mais uma deixa do poema de Donne, sucessivas explosões afastaram a ilha-natal do Maestro do continente, tal qual dizia o antigo poeta inglês que acontecia quando uma pessoa, qualquer pessoa morria, era como se um pedaço de terra se desprendendo e o continente ficando menor e por isso não pergunte por quem os sinos dobram, eles dobram por ti, por mim, por nós, a tragédia é de todos nós. E é inevitável. Sucessivas explosões seguem e seguirão para sempre acontecendo, afastando outros preciosos torrões do continente.

Mas, ainda que não nos console hoje - e, na realidade, acontecerá algum dia? - , a verdade é que depois, muito depois do baque dessas tragédias, fica tudo o mais.
Fica a lenda. Fica a arte - nossa fonte de vida eterna, afinal. Fica a dança. Ficam os tangos, claro,. Ficam os tangos, com todo seu mix de lenda, teatro, dança, drama e música. Fica a música. Sim, fica a música.

Sim, inevitável hoje não ouvir aquela canção do Herbert voltando a tocar baixinho como aquela vez há tantos anos, tal qual eles a haviam transformado, à meia-luz, violino e acordeon, mágica como sempre depois daquela noite, embora, desta vez, certamente, também um tanto quanto mais melancólica.

E eu, eu sigo tentando digerir.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Jardins e versos em comunhão (por Auri Antônio Sudati - versão em inglês: Auri Antônio Sudati/ versão em italiano: Diego T. Hahn)


Aproveitando a deixa do post anterior, seguimos também neste flutuando através de poesia e línguas estrangeiras. Em mais uma colaboração com o seu Auri Antônio Sudati, aqui vai "Jardins e versos em comunhão", poema da autoria do seu Auri, no seu original em português e, logo abaixo, duas versões "estrangeiras" do mesmo: em inglês e em italiano (a parceria consta também da edição de novembro/dezembro do Jornal Letras Santiaguenses - para o qual o projeto multilinguístico é originalmente direcionado).


JARDINS E VERSOS EM COMUNHÃO      
 
Se um dia quiserem saber
quem foi essa mulher que semeou
poemas e flores pelos caminhos,
exortou cenários, distribuiu ternuras,
sorriu, cantou, mudou realidades.
 
Se te perguntarem também
quem foi essa mulher que encantou
o mundo com sua bondade,
vivenciou cada minuto de vida,
em harmonias, preces e bênçãos. 

Nunca digam seu nome, apenas
revelem que ela fez de cada verso
catecismo e guia no cotidiano,
e que, ao renascer em poemas e flores,
mesclou-se a jardins e versos em comunhão. 
  
 
GARDENS AND VERSES IN COMMUNION
(Versão em inglês por Auri Antônio Sudati)
 
If one day somebody asks you
who was that woman that showed
poems and flowers by paths,
she exhorted landscapes, she shared tender
moments
she smiled, she sang, she changed realities 
 
If somebody asks you too
who was that woman that enchanted
the world with her goodness
she lived every minute of her life
in harmonies, in preaches and in blessings 
 
Never tell her name, only
reveal that she made of every verse
a cathecism and a guide in her daily life,
and that, while being reborn in poems and
flowers,
she blended to gardens and verses in communion. 


GIARDINI E VERSI IN COMUNIONE
  (Versão em italiano por Diego T. Hahn)
 
Se un giorno volessero sapere
chi è stata quella donna che ha seminato
poemi e fiori per il camino,
ha esortato scenari, ha distribuito tenerezze,
ha sorriso, ha cantato, ha cambiato realtà  
 
Se ti chiedessero anche
chi è stata quella donna che ha incantato
il mondo con la sua bontà,
ha vissuto ogni minuto di vita
in armonia, preghiere e beatitudini. 
  
Mai dire soltanto il suo nome
Rivelate invece che lei ha fatto di ogni verso
catechismo e guida nel quotidiano,
e che, rinata in poemi e fiori,
si è mescolata a giardini e versi in comunione.

 

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

"Passaggio di un Angel", por Christian Sinicco


Numa colaboração transoceânica, o De Letra tem o prazer e a honra de publicar aqui um poema do amigo Christian Sinicco, escritor italiano da cidade de Trieste e presidente da Lega Italiana Poetry Slam (LIPS).

Blog do Christian: http://christiansinicco.wordpress.com/about/

São duas versões do poema: em italiano e no dialeto triestino (prometemos uma tradução para o português para breve!).


Passaggio de un Angel 
(versão em dialeto triestino)

Ghe xe un jazz kleb
che sona musiche inzenociade
su quel schizo de passion de ogni omo
che come un fià
vien fora del cosmo.
Qualchedun disi che no ghe piasi,
un altro se ciama fora,
un altro ‘ncora discuti del’ora;
chi xe zito, e no pensa.
“Sta zito, bevite sta bira”
me disi l’angel che xe sentà con un mezin
de vin sula tola,
gambe incrosade, peto squarcià
nela camisa. “A mi te me disi
che devo parlar, dir la mia
come tuti”. “Zito!” l’angel
tira fora una pergamena, lustra.
E no xe scrito gnente ghe digo.
“Mona” me disi lu’ “xe de far”

Ziti ziti se metemo a masinar
e mi ghe scrivo dela rede che no ga materia
e lu’ me conta che xe in questo e in quel paese
sconta in un buso… “Buso,
‘lora te me ciapi pe’l cul
vecio rincoionì de un angel!
Se xe in questo e in quel
no po’l esser in un,
ma in tanti!” “Ma tanti cossa,
xe fora per fora, oltre per oltre!”
Ghe domando scusa: ‘l xe un angel,
gnanca ‘l Cristo devi saver le robe che sa lu’,
gnanca ‘l Dio, la Madona,
co’ sto peto squarcià che no sanguina
che te ghe po’l meter la man drento
e rigirarla, disbratar, farghe mal
ma no’l senti, no’l senti.

Semo qua
de tre giorni
fermi
co’ sta pergamena che sona
un jazz de vento, la bora.
Riva la muleta, la porta
‘l vin rubado
a quel che disi che no ghe piasi,
a quel’altro che se ciama fora,
a chi discuti del’ora;
a chi xe zito, e no pensa.



Passaggio di un Angel
(versão em italiano)

E’ un jazz club
che suona musiche inginocchiate
su quel flutto di passione di ogni uomo
che come un fiato
viene fuori dal cosmo.
Qualcuno dice che non gli piace,
a un altro non interessa,
un altro ancora discute dell’ora;
chi zitto, non pensa.
“Stai zitto, bevi la birra!”
mi dice l’angelo seduto a tavola
con mezzo litro di vino,
gambe incrociate, il petto squarciato
nella camicia. “Dici a me
che devo parlare, dire la mia
come tutti”.”Zitto!” l’angelo
tira fuori una pergamena, lucida.
E non c’è scritto niente gli dico.
“Scemo” mi dice lui “è da fare”.

Zitti zitti lo mettiamo in moto l’ingranaggio
ed io gli scrivo della rete senza materia
e lui racconta che è in questo e in quel paese
nascosta in un buco… “Buco,
allora vuoi uccellarmi
vecchio rincoglionito di un angelo!
Se è in questo e in quello
non può essere in uno,
ma in tanti!” “Ma tanti cosa!
E’ forata, passata oltre!”
Gli domando scusa: è un angelo,
nemmeno il Cristo sa ciò che lui sa,
nemmeno Dio, la Madonna,
con quel petto squarciato che non sanguina
che gli si può mettere dentro la mano
e rigirarla, governare, fargli male
tanto non sente, non sente.

Siam qui
da tre giorni
fermi
con una pergamena che suona
un jazz di vento, la bora.
Arriva la ragazzina, porta
il vino rubato
a quello che dice che non gli piace,
a quell’altro a cui non interessa,
a chi discute dell’ora;
a chi zitto, non pensa.




quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Conto premiado no Concurso "Águas do Tijuco" (MG)


E, para começar bem o novo ano do "De Letra", boas notícias:

Um dos contos contidos no "Histórias reais de amigos imaginários (e vice-versa)" , obra que será lançada em breve (previsão de publicação é para fevereiro e lançamento oficial na metade de março, quando começa o ano no Brasil!) foi selecionado no final de dezembro no Concurso de Contos "Águas do Tijuco", da cidade de Itaiatuba (MG), considerado um dos maiores certames do gênero no país.

Assim, "Réquiem para um escritor anônimo" , além de constar do "Histórias reais...", fará parte também  em breve da coletânea a ser lançada com os 10 melhores contos do referido concurso.

Mais um alento para seguirmos em nossa cruzada literária e mais um motivo para agradecer aos incentivadores - especialmente aos amigos-sócios-colaboradores-patrocinadores do projeto crowdfunding, que serão elencados com as devidas odes na obra impressa! - pela força nessa empreitada!!

Abraços!!

Diego

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Zen Pencils ("Roll the dice", de Charles Bukowski)


E, bom, pra fechar este primeiro ano do De Letra em grande estilo, uma mistura explosiva pra detonar tudo:

Zen Pencils + Charles Bukowski.

Sem dúvida um épico do Zen Pencils, com este que talvez seja o poema mais famoso do velho safado (e, emblemático, se encaixa bem nesse clima de fim de ano - e de fim em geral...).

Para quem não conhece o Zen Pencils (há um outro post muito bom sobre ele aqui no De Letra: http://www.deletradj.blogspot.com.br/2013/10/zen-pencils.html), trata-se do seguinte: um desenhista australiano pesca uns pensamentos, poemas, textos inspiradores em geral, enfim, de gente famosa e cria uma espécie de história em quadrinhos em cima deles.

E para quem ainda não conhecia o texto do velho Buk e não saca muito de inglês, aqui vai uma tradução aproximada do mesmo para se curtir melhor a obra de arte mixada mais abaixo:

Roll the dice ("Role os dados")

"Se você vai tentar, vá até o fim
Caso contrário, nem comece.
 Isto pode significar  perder namoradas , esposas, parentes, empregos
E, talvez, até sua cabeça.
Isso pode significar não comer por três ou quatro dias. 
Pode significar congelar de frio sobre um banco do parque. 
Pode significar prisão. 
Pode significar escárnio, desprezo, desdém.
Isso pode significar zombaria, isolamento. 
Isolamento é o prêmio. 
Todos os outros são um teste à sua resistência. Do quanto você realmente deseja fazer isso.
E você vai fazer isso
apesar da rejeição e das piores probabilidades. 
E será melhor do que qualquer outra coisa que você possa imaginar. 
Se você vai tentar, vá até o fim
Não há outro sentimento como esse 
Você ficará sozinho com os deuses
 E as noites flamejarão com fogo
Faça, faça, faça
Até o fim
Até o fim
 Você levará a vida direto para a risada perfeito
 É a única briga boa que existe."

Feliz Ano Novo e que em 2014 a gente continue indo (ou tentando) até o fim!





sábado, 14 de dezembro de 2013

Pelos sebos da vida: "Tubarão", de Peter Benchley (por Diego T. Hahn)


Bom, aproveitando a chegada da temporada e seguindo na mesma onda (ah, como eu gosto desses trocadilhos!) do texto anterior do amigo Juliano aqui no blog, vamos continuar com nossos refrescantes banhos de verão, porém nos aprofundando um pouco mais agora...

O imenso peixe deslocava-se silenciosamente pelo mar noturno, impulsionado por movimentos curtos do rabo em forma de crescente...”
Assim começa esse clássico thriller de Peter Benchley,  com o qual quase todo mundo já teve contato mais provavelmente graças ao filme do Spielberg.


A propósito, pelo que leio e ouço parece-me que o dito cujo seja mesmo um dos animais que exercem maior fascínio sobre a galera, talvez por ser o único remanescente da época dos dinossauros ou por ser uma espécie de leão da água, o rei dos oceanos, mas muito provavelmente também por esse seu destaque literário-cinematográfico.



Com essa incursão do peixe pelas artes, por exemplo, aprendemos que o Tubarão Branco não é branco, é na realidade cinza-escuro em cima, e recebe esse nome pela sua parte de baixo, a sua barrigona, essa sim alva como um belo fantasma.
 

E que ele é descendente do jurássico Megalodon, uma locomotiva cheia de dentes, graças a Deus (que me perdoem a Mãe Natureza e os biólogos por esse graças a Deus) já extinta, que fazia o grande branco parecer uma sardinha.
 
As principais diferenças entre as duas obras: no livro (SPOILER! SPOILER! SPOILER! Para quem ainda não sabe, SPOILER é o ato fdp de entregar o ouro, contando partes importantes ou mesmo o final de uma obra), Hooper traçava a mulher de Brody ou o xerife achava que ele traçava, não lembro bem e obviamente não me prestei a reler o livro para tirar essa dúvida. De qualquer forma, tem aquele clima tenso entre eles, que não tem no filme, ao menos não por esse motivo.
 
Mas não se preocupem, que Hooper paga caro por isso. Sim. E o xerife nem precisa fazer nada (SPOILERERAÇO!): quando resolve dar uma de espertinho naquela sua gaiola embaixo d´água, nosso amigo peixe destrói o negócio, tal qual no cinema, à diferença que na obra de Benchley, o biólogo não vai se esconder numas rochas lá no fundo e sim na bocarra do bichão.

Por fim, o destino do tubarão no livro, embora tão definitivo quanto na película, é mais ameno, por assim dizer: quando se aproximava do indefeso Brody no que restava do barco inundado, supostamente para dar o bote final, o bicho simplesmente para e afunda, morto pelo desgaste da porradaria protagonizada entre eles, ao contrário da hollywoodiana explosão do peixe na tela.
 
Enfim... vale dizer que, sim, foi Spielberg quem o materializou aos nossos olhos (e Williams aos nossos ouvidos, com aquela tensa trilha crescente), mas é justo dar os devidos créditos a Peter Benchley, pela mente criadora desse terror, que fez muita gente não só pensar mil vezes antes de se banhar nas águas de algum oceano, como ficar ressabiada até mesmo de entrar, por exemplo, numa reles piscina (sim, sei de gente que tinha esse medo irracional, ficando atucanada inclusive nas águas calmas do clube, pois chegavam quase a visualizar às vezes um enorme branco chegando e atacando do nada no meio da piscina)!
 
Mas deixando de lado essa fobia extrema (e a piscina lá no texto anterior do Juliano), só nos resta então agradecer...
Obrigado, Mr. Benchey...  obrigado por estragar para sempre a tranquilidade de nossos banhos de mar!!
 

sábado, 7 de dezembro de 2013

Água de piscina (por Juliano Lanius)



            Fui sócio de um clube recreativo, em certa época da minha vida. Os finais de semana e os períodos de férias escolares eram preenchidos com idas regulares ao clube. Neste tempo, eu deveria estar entre os 8 e 9 anos de idade. Portanto, a piscina e os tobogãs que me faziam cair dentro dela eram a atração principal. Ficava horas dentro d’água, e saía com os dedos dos pés e das mãos murchos e a boca roxa. Mas, sempre reclamava quando minha mãe avisava a hora de ir embora. Hoje, percebo desinteresse dos jovens em aproveitar os espaços e as atividades que os clubes oferecem e que são cada vez mais diversificados.

            Uma jovem de seus 14 anos, aproximadamente – idade em que o clube é o lugar das festas, das pegações, das tardes de piscina e esportes e do encontro com os amigos –, relatou-me que não tem muita disposição para ir ao clube do qual é sócia. O argumento usado por ela foi que quase não há espaço para tanta gente nas piscinas e nas dependências do clube. Mesmo com os dias de calor, sua preferência é ficar em casa, no ar-condicionado e no conforto de seu sofá. Nem mesmo a piscina com ondas lhe chama a atenção. E, pensando bem, não deve ter a menor graça mesmo entrar em uma piscina e não poder nem ao menos dar algumas braçadas. Sabe quando “deitamos” de costas na água e nos deixamos boiar e nos levar conforme as turbulências da piscina? É impossível de se fazer isso com a piscina lotada. Corre-se o risco, inclusive, de provocar o que podemos chamar de “embundamento”. Nunca sabemos se um desatento irá cruzar em frente ao tobogã quando estamos prestes a cair na água. E também podemos ser “embundados” quando esquecemos que, no final do tobogã, tem sempre alguém chegando.

            Nos meus tempos de clube, o acesso a este tipo de entretenimento era um tanto quanto restrito. Somente me tornei sócio porque era dependente do meu padrasto na época. Porém, nos dias atuais, as mensalidades estão mais em conta, e existem planos diversos para os mais diversos públicos. Estudantes pagam menos. Idosos pagam menos. Crianças abaixo de certa idade pagam menos. Casais pagam menos. Ou seja, com este turbilhão de descontos, todos querem o seu lugar ao sol. E dentro da piscina, também. Acho ótima a ideia dos clubes abarcarem todas as acamadas sociais em suas instalações, mas que se preparem para o superpovoamento e façam as adequações necessárias para satisfazer a todos.

            Uma característica do clube onde eu era sócio que me chamava a atenção era o fato de a piscina das crianças ter a água menos fria do que a dos adultos. Em minha ingenuidade, pensava que o motivo de tal fenômeno era o volume de água da piscina das crianças, que era bem menor do que a piscina dos grandes. Contudo, passados os anos e algumas visitações esporádicas a outros clubes, me dei por conta de que não era a quantidade de água que influenciava em sua temperatura, e sim o xixi que, nós crianças, fazíamos dentro da piscina. E que sensação maravilhosa. Aquele líquido quentinho nos escorrendo pelos calções e misturando-se a água cristalina da piscina era um deleite. Ainda mais quando o dia estava nublado e a água mais fria, aí então as terminações sensitivas de temperatura do meu corpo arrepiavam-se de prazer.

            Sinto falta dos tempos de clube, dos amigos, do tempo ocioso que passávamos curtindo a piscina, os tobogãs e todo o aparato do lugar. Nestes dias de calor, sinto falta do frescor da água cristalina. E, nos dias de frio, sinto falta das calorosas guloseimas que me aqueciam o estômago. Porém, concordo com a jovem que prefere ficar em casa. Se não podemos nadar, boiar e nos saracotear, que graça tem a piscina? Se não podemos escorregar, que graça tem os tobogãs? Pelo menos, a piscina menor continua quentinha.