segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Nossas façanhas (por Diego T. Hahn)


Pra não deixar passar em branco a Semana do Gaúcho, republicamos aqui esta pequena ode - parte integrante também do "Histórias reais de amigos imaginários (e vice-versa)" - ao nosso querido estado.


O pai observava atentamente o guri que zanzava pra cima e pra baixo do apartamento pilchado com sua bombacha e cantando o hino do Rio Grande...

            - “Como a aurora precursora”...
 
            O pai, nascido e crescido em meio ao campo lá pros lados de São Borja, perguntava-se se o filho fazia ideia do que significava a palavra “precursora”, mas admitia consigo mesmo que a pronúncia do guri era boa e a voz não era nada ruim também.
            Há dias o velho analisava o piá, adolescente na casa dos dezesseis anos, e aquele seu entusiasmo todo da repentina descoberta do Rio Grande do Sul como centro do Universo.
 
 Via-o digitando nas tais redes sociais na internet poemas e odes louvando o estado e sua suposta superioridade em relação ao resto do mundo, muitas vezes discutindo com gente natural de outros estados ou mesmo países, enaltecendo o histórico peleador do gaúcho, seu inconformismo, sua educação, a qualidade de vida local, e os grandes feitos também de Inter e Grêmio no futebol e... foi quando o velho, que efetivamente conhecia o histórico do estado, mas também sua realidade atual não tão maravilhosa e, mais maduro, embora continuasse gostando de sua terra, estava acostumado a analisar tudo sem aquele “ufanismo” gaudério que também ostentara um dia, se encheu daquilo tudo. Chegou no pirralho bem na hora que ele entoava o “sirvam nossas façanhas de modelo a toda Terra” e de mansinho o cutucou:
            - Vem cá, ô, guri... tu por um acaso sabia que hoje o nosso estado tem alguns dos piores índices de desenvolvimento do país?
            O filho o olhou assustado. Em seguida balbuciou algo como:
            - C-como?... Como assim, pai?...
            - É isso aí: alguns dos piores índices de educação, saneamento básico, asfaltamento de estradas, entre outros, do país... sabias?
-Bem capaz, pai!... nós... nós temos os melhores...
            - Nada de “nós”, tchê; o único “nós” que existe somos nós aqui: tua família; eu, tu, tua mãe e tua irmã... e, fora o que os números mostram, não tem nada dessa de melhores nem piores, é tudo ilusão...
            - Não pode ser, pai... aqui no sul a gente é mais politizado, mais civilizado e...
 
            - Civilizado? Tu ouviste falar da atual situação do Presídio Central de Porto Alegre? E se te gabas tanto da história do estado, deves certamente ter lido ou ouvido falar nas degolas de algumas das nossas revoluções, como a Federalista, por exemplo, não!?
            - Ah, pai... mas isso é coisa da guerra... é porque somos um povo aguerrido... veja só nossos times, que... – e quando começou a exemplificar que o Inter era o campeão de tudo e havia batido certa vez o poderoso Barcelona e o Grêmio era o Imortal tricolor copeiro que certa vez havia batido o Náutico com quatro a menos e que a raça do futebol gaúcho era mais um exemplo das façanhas do sul, o pai interrompeu-o novamente:
            - Sim... e tu sabias que certa vez o Inter perdeu para um time do Congo, chamado Mazembe? E que o Grêmio caiu duas vezes para a segunda divisão do futebol brasileiro?
            - Sim, mas... – ele tenta desconversar – nós temos nossas bonitas tradições... a bombacha, por exemplo... 
            - Sim, é verdade, temos bonitas tradições. Também gosto delas. Mas tu sabes por acaso quem foi que inventou a bombacha?
            - Ué... foram os... os farrapos, não foram?  - chutou o guri, meio sem jeito.
            - Não. Foram os turcos. E quem a trouxe para esses lados foram os ingleses...
            O guri se chocou. Não sabia daquilo. Não podia ser verdade. Mas, que diabos, devia ser, o pai não iria lhe mentir. Ou iria?
            - É isso aí, meu garoto: o mundo não começou com a Guerra dos Farrapos. Também gosto do nosso estado, filho, mas atualmente não sei se temos tantas façanhas assim para servir de modelo a TODA a Terra... – e jogou-lhe uns três livros de História sobre a cama – e mais um do Simões Lopes Neto, por via das dúvidas. Por fim apontou para os pés do garoto:
            - Bueno... e por mais que a bombacha seja um símbolo nosso – observou, rindo sardônico – ela não cai muito bem usada com tênis NAIQUE, tchê!!...
O guri olhou meio sem jeito para os próprios pés. O pai riu, foi até ele, abraçou-o e passou a mão no seu cabelo, escabelando-o, o guri riu de volta, e os dois foram para a sala disputar uma ferrenha partida de futebol no videogame, valendo o título de campeão do Universo – disputada, claro, em um Grenal. 
 

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Retamoso - parte 2 (por Ronaldo Lippold)


(conclusão)

Contam que aquele encontro com as tropas de Rivera marcariam seu destino para sempre. Naquela escaramuça com os argentinos o valente Ybicuí angaria o respeito de seus pares pela valentia e empenho com que se dedica as investidas de espada em punho contra o inimigo. Em 1832 o Exército da Banda Oriental desloca-se à região conhecida como Desierto, acima do rio Negro, onde os índios Charruas concentram a maioria de seu povo. De acordo com as orientações dos lideres seria apenas uma reunião com os caciques Charruas para acordarem a determinação de uma terra para seu usufruto. Cerca de duzentos índios são levados a separarem-se de suas armas e logo são convidados a beber guampas cheias de cachaça. Dom Frutos Rivera conversa amistosamente com os índios relembrando antigas guerras em que lutaram bravamente lado a lado. A confraternização se estendeu até uma dúzia de reses que assavam em uma valeta com fogo de chão. Quando o álcool começou a subir à cabeça os Charruas verificaram a cilada em que foram conduzidos. Dezenas de soldados armados começam a atirar sem piedade em uma turba de índios desarmados e bêbados. O massacre é inevitável. Alguns poucos conseguem furar o cerco. Homens, mulheres e crianças são massacradas num episódio pouco conhecido e explorado em jornais da época. Um Ybicuí furioso toma satisfação de seu superior imediato, Bernabé Tabaré Rivera, sobrinho do Presidente e é seguro por dois sargentos, pois ameaçara de morte os mentores daquela tocaia. O jovem Bernabé Tabaré alega que em função de seu relacionamento anterior com uma índia foi negada a informação do massacre, porém este era inevitável em função de interesses por gado e grandes extensões de terras. Ele em plena madrugada rouba um cavalo e deserta daquele exército que aniquilou covardemente um povo aliado.

            Homem e cavalo tomam o rumo da fronteira com o Brasil. Ele era um desertor. Estes eram degolados sem apelação. Como a fazenda La Favorita certamente seria um dos primeiros lugares a serem vasculhados pelos Orientais tem que percorrer uma região de difícil acesso. Cavalgando quase à exaustão e com a cabeça se punindo por ter participado, mesmo à revelia de tão mesquinha armadilha, Ybicuí segue adiante. Dois dias após ele chega a uma bodega onde falam português. Entrega seu cavalo a um peão que cuida do sofrido animal. Senta em um tronco de árvore e começa a tomar uma canha pensando em que rumo tomar. Aquela imagem do sangue que corre nas veias de seu filho ser derramado de maneira tão cruel e covarde faz lágrimas correrem pelo seu rosto cansado. Lembra que não havia chorado desde a morte de seus pais no início do século. Seu pensamento voa até Carmencita que logo deve ganhar outro descendente dos Retamoso Calderón. Começa a fechar um palheiro pensando no sorriso tranqüilo de seu filho Osório. Como faria para voltar ao convívio deles? Teria que deixar baixar a poeira.

            Dois anos após em uma fazenda em Santana do Livramento ouve falar que La Favorita foi vendida e seus moradores deixaram a região rumo a Colônia de Sacramento aonde conseguem trabalho em outra estância do mesmo caudilho. Fica ciente também de que é procurado por deserção e que é pai de gêmeos. Resolve continuar a vida no Rio Grande e alia-se aos gaúchos que desafiam o Império. Em 1835 ingressa no exército Farroupilha. Durante vários anos Ybicuí segue os líderes farroupilhas em refregas cada vez mais violentas. Nas horas de calmaria seu pensamento volta-se para seus filhos e esposa. Tem uma imensa saudade principalmente de Osório que deve estar beirando os vinte anos.

            No estertor da revolução Farroupilha participa de uma batalha ao lado dos homens de General Netto contra as hostes do antigo aliado Bento Manoel Ribeiro. É uma luta sangrenta e encruada. Os homens se atiram um contra o outro na base do sabre e espada. Os soldados devido a pouca distância conseguem ver os olhares dos inimigos, quase suplicando para que alguém, enfim desfralde uma bandeira de paz e acabe com aquela atrocidade que já perdeu o sentido original. Neste dia Retamoso Calderón e mais seis soldados se grudam numa sangrenta luta corpo a corpo contra quatro adversários. Somente o bravo Ybicuí, embora com inúmeros ferimentos consegue sobreviver. Ele se apoia exausto em uma velha bergamoteira enquanto olha os corpos mutilados de seus colegas. Descasca algumas frutas para matar a sede e se aproxima de um inimigo que lutou bravamente e jaz caído com uma adaga enfiada no peito. Olha aquele rosto de menino todo sujo de terra e sangue, puxa a faca e limpa na manga da camisa. Se sente completamente triste por ter ceifado vida tão moça. Resolve satisfazer sua curiosidade na origem do rapaz mexendo nos bolsos do casaco do garoto. Jovens desta idade deveriam estar em casa, pensa enquanto procura algo naqueles bolsos sujos de sangue. Encontra um envelope e uma página em papel pardo bastante amassado. Quando termina de ler aquele pequeno relato de saudade começa a gritar e arrancar os cabelos loucamente. Era uma carta em espanhol de uma mãe chamada Carmencita para seu filho Osório que estava longe de casa a sete meses, desejando-lhe boa sorte.

            Ybicuí sai a caminhar pelo pampa visivelmente transtornado. Sua demência aumenta com o passar do tempo. Durante muitos anos é visto nos lugares mais distantes até ser abrigado, com quase oitenta anos em um asilo para loucos em Porto Alegre. Seu companheiro de quarto comentava que ele morou neste asilo por mais de cinco longas décadas. Seu relacionamento era difícil com os demais asilados. Ficava mudo durante meses e de repente começava de supetão a falar as coisas mais desencontradas, recheadas de datas, nomes de batalhas e de pessoas e que após isto desatava a chorar copiosamente, dizendo que a vida era uma trincheira marcada a ferro, fogo e lágrimas.



quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Retamoso - parte 1 (por Ronaldo Lippold)



Em mais uma participação especial no De Letra, temos a honra de apresentar desta vez o amigo Ronaldo Lippold, que com este belo épico gaudério com fortes matizes de melancolia foge um pouco da sua linha cômica, com a qual impregnou os seus hilários "A culpa é do Padre" e "A culpa é do Padre 2", coletâneas de contos e crônicas lançadas em 2009 e 2012, e dá mostras de toda sua versatilidade na arte de contar histórias - por falar em versatilidade, o vivente ainda fabrica na garagem de casa sua própria cerveja, a saborosa Old Lipp, distribui suas raquetadas na quadras de padel de SM, e até trabalha nas horas vagas.



             Contam os presentes ao velório de Ybicuí  Albuquerque Retamoso Calderón que no dia em que ele rompeu o tênue traço que ainda o mantinha vivo, mesmo sendo um dia claro de março, um trovão irrompeu no azul do céu, contrariando todas as previsões do tempo e uma chuva fora de época acabou banhando todos os transeuntes. Duas dezenas de velhos compunham o séquito de despedida daquela criatura que driblava a morte desde muito tempo. Deve ter sido o único homem que no leito de morte não contava com a presença de nenhum parente próximo.

            Seus filhos, netos, bisnetos e tataranetos já haviam deixado esta vida e hoje compunham o pó dos tempos. Sua longevidade não era plenamente explicada pela ciência, que acreditava que idade tão avançada seria possível somente para os habitantes do século XXII. Relembravam os mais antigos, enquanto olhavam aquela pequena carcaça encolhida em um humilde caixão de pinus, que aquele rosto vincado de rugas que mais parecia o leito de um açude seco, havia nascido num tempo não determinado pelos ofícios, em algum lugar perdido entre as fronteiras do Rio Grande e a República Oriental do Uruguai. Que ele não se anunciava nem brasileiro muito menos uruguaio, mas sim um gaúcho dos quatro costados que com seis anos de idade já rompia léguas de campo montado num vistoso cavalo crioulo, levando mensagens para homens que conheciam somente a lei da guerra, da peleia e da barbárie. 

Este legítimo gaudério, criado guacho, sem frequentar escola ou igreja, consta que perdeu pai e mãe numa escaramuça em data não delimitada com precisão, mas segundo alguns lá pelas voltas de 1800. O menino Ybicuí Albuquerque com menos de onze anos já era dono de si e corria o mundo atrás das raras oportunidades que se apresentavam. Naquele mundo com campos que se perdiam de vista e cidades muito distantes ele aprendeu a lei do mais forte. Depois de trabalhar durante cinco anos em uma estância em Durazno, aprendendo a arte da doma e da esquila resolveu juntar-se as hostes do Barão de Laguna,vindo a participar do cerco a Montevideo  onde sofreu sérios ferimentos na perna esquerda. Após ficar em um catre de hospital durante dois meses, acabou afeiçoando-se a sua enfermeira com a qual teve um tórrido romance. 

Aymar era uma índia charrua de baixa estatura, com grandes olhos amendoados e longos cabelos negros. Após uma demorada recuperação em função do balaço na perna, o casal resolveu voltar para terras brasileiras vindo a instalar-se em um fundo de campo perto de uma fronteira até então fictícia. Em uma tapera de barro minúscula coberta com palha e que mal conseguia atacar o forte vento minuano o casal passou dias de muito trabalho e afeição. Com a ajuda de Aymar, grávida, os dois plantaram uma roça de mandioca e cultivaram feijão, milho e melancia. Num inverno inclemente a índia charrua começou a sentir as dores do parto. Naquela madrugada chuvosa com um frio que penetrava nos ossos nasceu Osório, um lindo menino índio. A alegria de Ybicuí durou apenas dois dias. Devido a uma infecção a jovem mãe veio a falecer depois de suar e gemer por longas horas. 

O homem cuidou do filho sozinho levando no peito uma saudade da mulher amada e uma tristeza que sumia somente quando o choro do menino quebrava a imensidão daquele fim de mundo. No dia em que Osório deu os primeiros passos, homem, criança e um cavalo velho começaram uma longa caminhada que durariam três dias. Anos após Ybicuí dizia não saber como a criança agüentara tão dura travessia. Quando o piá começava a chorar de fome ele enfiava um pedaço de charque já mastigado na boca do pequeno indiozinho e começava a falar da mãe que havia partido tão cedo.

 Chegando a Tacuarembó logo consegue emprego em uma fazenda de um velho caudilho, a La Favorita. Aquele homem forte e trabalhador que ostentava um imenso bigode em poucos dias cai nas graças do proprietário da estância e também da cozinheira. Carmencita era uma mulher bonita beirando os vinte anos e se apegou de imediato por Osório e seu pai. Seis meses após trinta homens daquele local, entre eles Ybicuí se unem as tropas do uruguaio Fructuoso Rivera, primeiro presidente constitucional do Uruguai em mais uma contenda contra os portenhos que teimavam em invadir suas terras. Da varanda da casa grande Aymar se despede, com olhos úmidos segurando Osório numa mão e um rebento na barriga.


sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Leituras em stand-by: "Ilíada", de Homero (por Diego T. Hahn)


Há algum tempo, comentei nesta mesma seção "Leituras em stand-by" sobre a minha interrupção da leitura (até hoje não retomada) da "Odisseia", de Homero.

Pois agora, embora por motivos diversos, a contemplada na coluna é a sua predecessora, a "Ilíada" (na verdade, a autoria de ambas as obras é atribuída a Homero, mas, para não termos que ficar nos referindo a elas como "a obra atribuída a Homero" e facilitar nossa vida, vamos admitir que ele seja mesmo o autor delas).


Como já descrito, a "Odisseia" trata da volta para casa - a ilha de Ítaca - do herói grego Ulisses (ou, no original, Odisseu, o que dá sentido ao título - ahá) após o término da Guerra de Troia. 

A "Ilíada", portanto, como já pode imaginar quem ainda não conhece o enredo, descreve os acontecidos exatamente da tal guerra, com seus Heitores, Paris e Aquiles da vida.


Mas se na "Odisseia" consegui navegar com muito prazer pelo mar Egeu até cerca de metade do livro, na "Ilíada" sequer consegui encontrar os tais personagens acima mencionados, pois travei já na segunda ou terceira página!


E a culpa aqui imputo ao estilo empregado no texto: ao contrário também da edição da "Odisseia", "traduzida" para a prosa, facilitando sua leitura, neste pocket da "Ilíada" (da Editora Martin Claret, e que chegou às minhas mãos numa permuta na Feira do Livro de Porto Alegre de alguns anos atrás), o texto permanece em formato poesia; mas não só, também sua linguagem é arcaica e de difícil entendimento (ao menos para um animal como este que aqui escreve), como demonstrarei, transcrevendo os primeiros trechos da trama aqui e agora:

"Canta-me, ó deusa, do Peleio Aquiles A ira tenaz, que, lutuosa aos Gregos, Verdes no Orco lançou mil fortes almas, Corpos de heróis a cães e abutres pasto: Lei foi de Jove, em rixa ao discordarem O de homens chefe e o Mirmidon divino. Nume há que os malquistasse? O que o Supremo Teve em Latona. Infenso um letal morbo No campo ateia; o povo perecia, Só porque o rei desacatara a Crises. Com ricos dons remir viera a filha Aos alados baixéis, nas mãos o cetro E a do certeiro Apolo ínfula sacra. Ora e aos irmãos potentes mais se humilha:“Atridas, vós Aqueus de fina greva, Raso o muro Priâmeo, assim regresso Vos dêem feliz do Olimpo os moradores! Peço a minha Criseida, eis seu resgate; Reverentes à prole do Tonante, Ao Longe-vibrador, soltai-me a filha.”Que, aceito o preço esplêndido, se acate O sacerdote murmuraram todos; Mas desprouve a Agamêmnon, que o doesta E expele duro: “Em cerco às naus bojudas Não me apareças mais, quer ouses, velho, Deter-te ou retornar; nem áureo cetro, Nem ínfula do deus quiçá te valha. Nunca a libertarei, té que envelheça Fora da pátria, em meu palácio de Argos A urdir-me teias e a compor meu leito. Sai, não me irrites, se te queres salvo.”Taciturno o ancião treme e obedece, Busca as do mar flutissonantes praias. Ao que pariu pulcrícoma Latona Afastando-se impreca: “Arcitenente, Ouve, Esminteu, que Tênedos enfreias, Crisa proteges e a divina Cila, Se de festões colguei teu santuário, Se de cabras e touros coxas pingues Te hei queimado, compraze-me os desejos, A tiros teus meu choro os Dânaos paguem."



Sacou?





Ah, sim, há no texto aqueles numerozinhos no alto das palavras, as tais notas do editor, com as respectivas explicações de termos e nomes na parte inferior das páginas, mas são tantas (praticamente um numerozinho a cada duas palavras, ou algo assim - há várias páginas nas quais as notas ocupam mais espaço que o texto principal em si), que ficaria simplesmente inviável ir parando o texto para lê-las.


Bom, se não posso então falar quase nada do livro, ao menos não por conhecimento próprio de causa, para encher linguiça aqui vou ao menos falar do tal filme aquele, "Troia", lançado alguns anos atrás e teoricamente baseado nessa obra de Homero...

Bem, o que dizer do filme?

Acho que não há nada a se dizer muito além de:



Cara... mas que bela porcaria!!



À época assisti no cinema e saí realmente deprimido da sala e não consigo até hoje compreender como alguém conseguiu achar aquilo um "filmaço"... 

O filme em si é muito fraco e, embora eu não tenha nada - além talvez de inveja - contra o Brad Pitt (até acho ele um bom ator e tal - sou fã do trabalho dele nos 12 Macacos e no Bastardos Inglórios,  por exemplo), a verdade é que não ajuda em nada aquele loirinho com aquela carinha bonitinha no papel do famigerado e temido Aquiles, pô!! (algo, aliás, como o - também bom ator, mas igualmente dissonante no contexto - Colin Farrell no papel de Alexandre, o Grande, naquele outro filme...)
Será que o diretor do filme também era cego como o Homero e não viu isso??

                    O filho de Tétis? O melhor dos Aqueus? Com essa pose??

Mas, repito, é só um detalhe a mais que colabora para emperrar a engrenagem, pois o filme como um todo, ao meu ver, não se ajuda (talvez o que sobre de interessante no fim das contas sejam algumas fotografias, algumas tomadas de batalhas e, ah, claro, a safadinha da Helena - por sinal a causa/pretexto pro pau comer - com sua beleza esfuziante - embora eu particularmente provavelmente não me prestasse a cruzar um oceano e nem enfrentar um monstruoso e sanguinário exército inimigo nem por uma daquelas), e, por mais difícil que seja a missão, se um dia me enfiarem uma arma na cabeça e, como condição para seguir vivendo, mandarem escolher entre essas duas opções, assistir de novo o dito filme ou tentar terminar de ler a irmã mais velha da "Odisseia", creio que aí sim, senhoras e senhores, finalmente darei um jeito de concluir a leitura de uma obra atribuída ao velho e bom Homero.


segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Pelos sebos da vida: Eu, Wolverine (por Diego T. Hahn)


Seguindo na minha atual onda revisionista das HQs que marcaram a infância, achei recentemente na Zona Franca Comics "Eu, Wolverine", mais uma revista paulada lá dos tempos de pirralho.


A história, de Chris Claremont e Frank Miller, havia saído no final dos anos 80 no Brasil em 4 volumes no formato "revistinha". 



Agora achei-a em um só compêndio, formato grande, com capa dura, e tal - alta produção, enfim. 

Muito justo com o nosso amigo das garras de adamantium...



Ainda não assisti o tal filme, mas me parece que a história serviu de base para o "Wolverine Imortal".



Na trama, Logan vai parar na Terra do Sol Nascente, atrás dum rabo de saia das antigas, e acaba arranjando encrenca com o pai da moça, que é um chefão mafioso fdp, bobo, feio e chato (com direito a dois antológicos duelos espada x garras - um deles, no início, no qual Wolverine leva uma senhora tunda de laço, e o outro, claro, o final - entre os dois), e uma gang de ninjas sedentos de sangue - a organização conhecida como "Tentáculo". 


Wolverine x Tentáculo


 Wolverine x O pai da sua noiva, no momento em que o padre pergunta "Se há alguém contra este casamento, manifeste-se agora ou cale-se para sempre"

É uma trama bastante simples (ao contrário de um outro Wolverine, mais atual, que adquiri recentemente, "Wolverine Max: Fúria Permanente", mais violento e também mais complexo, pra não dizer confuso) - a la "cavaleiro solitário" estawoodiano ou algo assim, com o forasteiro fodão que vai atrás da sua gata e enfrenta um chefão local e sua gang de malvados - , mas bastante eficaz.

                                             

Infelizmente, porém, me parece que numa daquelas situações nas quais o produtor não sabe quando parar - ou, vendo que o negócio rendeu, quer simplesmente dar mais uma $ugadinha - (tal qual o famigerado "O cavaleiro das trevas 2", por coincidência também do Frank Miller) no final dessa nova edição há uma história extra (felizmente, não lembro de tê-la lido, e provavelmente não tinha mesmo conhecimento dela quando do lançamento da série no final dos anos 80), que, na minha humilde concepção, é uma bela porcaria, na qual aparece o tal Samurai de Prata e não sei mais o quê, e o melhor, ao meu ver, é ignorá-la e ficar com o belo desfecho da história "principal", com (SPOILER, SPOILER, SPOILER!!) os X-Men recebendo nos EUA um convite do casamento do velho amigo lá no Japão - enviado pelo próprio Imperador - após Wolverine ter arrebentado todos os 54235664276 ninjas do Tentáculo e, de bônus, ter matado o pai da noiva e vivido feliz para... bem, feliz por mais uns dias (eu cheguei a comentar que tinha SPOILER aqui?).

SNIKT!!

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Pra não dizer que não falei da Copa (por Diego T. Hahn)


Ainda aproveitando o clima da finada (creio que ainda estou em fase de negação: "não, não, não, não acredito que tenho que voltar a assistir partidas do Brasileirão!"), algumas derradeiras observações.

Bem, em primeiro lugar, uma observação extra-campo: 
Há até bem pouco tempo antes do evento, havia vultuosos protestos pelas ruas de nosso país contra a realização do mesmo (alguém lembra?)...
Pois o que me pergunto é: onde diabos foram parar aquelas montanhas ensandecidas de protestantes DURANTE os jogos???
Curiosamente, não li nem escutei nenhuma teoria da conspiração acusando o governo brasileiro, o PT, o PSDB, o governo americano, a CIA, o governo russo, ou alguma outra entidade ou organização de secretamente ter aniquilado todas aquelas pessoas e tê-las jogado numa vala ou no meio do oceano Pacífico - pra não dar na vista, pois no Atlântico seria muito fácil de se achar (por falar nisso, lembram do Amarildo???).

Mas, não. A minha teoria, de qualquer forma, é que os protestantes devem ter pensado "Ah, vamos dar um tempo nos protestos contra a Copa, ao menos durante a Copa... pra gente curtir uns joguinhos e tal... afinal ninguém é de ferro, não é mesmo!??" (sensacional, por sinal, a charge do artista Lúcio em um tradicional jornal santamariense, na qual se vê em destaque jogador alemão erguendo a taça e num canto um manifestante com cara de brabo e rosto coberto erguendo um cartaz com a inscrição "#não vai ter Olimpíadas").

Mas, enfim, a bola rolou... e muito mais:

Pescoções entre parceiros da mesma equipe (Camarões), gol da Alemanha na Seleção (?) Brasileira, sopapos entre atletas e comissão técnica da mesma equipe (Gana), outro gol alemão na Canarinho, bolada de um jogador que quebra o braço do parceiro de time (Nigéria), mais uma bucha teutônica nos nossos de amarelo, atleta (nascido na Transilvânia, naturalizado uruguaio) que morde adversário, Julio Cesar buscando mais uma bola na rede socada pelos prevalecidos comedores de chucrute, vitória da Costa Rica, não sei mais como descrever em outras palavras gol alemão no Brasil, classificação da Argélia, surra histórica sofrida pela então campeã no seu jogo de estreia, outra vitória da Costa Rica, surra histórica sofrida em casa pelo até então país do futebol numa espécie de reprodução esportiva das famosas blitzkriegs alemãs da Segunda Guerra Mundial...

Também teve show de artes cênicas dos atletas tupiniquins nos telões dos estádios e nas entrevistas pós-jogo (e do nosso técnico nos comerciais de barbeador, bebidas, telefonia celular, automóveis, supermercados, entre outros): expressões sofridas, lágrimas e declarações "emocionantes"... 
Mas não sejamos cínicos: os caras estavam REALMENTE emocionados ao entrar em campo e especialmente ao ouvir o hino nacional. Lágrimas verdadeiras vertiam daqueles olhos, enquanto berravam alucinadamente que “um filho teu não foge à luta”...

Bem, só podia dar no que deu, com um time que entra em campo já chorando, não é mesmo!?

Por outro lado, gosto da Alemanha, que não chora em vão. 
Admiro o país em si. Um país que se reergueu e se reconstruiu duas vezes, após ser arrasado, sem que restasse pedra sobre pedra, nessas duas ocasiões, e conseguiu voltar a ser uma das maiores potências mundiais, em todos os sentidos. Um país que reconheceu e pede perdão até hoje pelos maiores (e mais monstruosos) erros cometidos em seu nome na História. E sou fã também da seleção de futebol alemã, com seu histórico competitivo - quase sempre está nas semifinais em Copa do Mundo, e agora já se igualou à Itália em conquistas e está a somente um título de se juntar ao Brasil no topo. Mas no fim das contas já tava demais também toda a babação em cima de Schweinsteiger* e cia! "Os reis da simpatia". "Exemplo de organização no futebol". "Frieza". "Caráter". "Humildade". "Dedicação". "Ética". "Concentração".

Estaria aí o tal Super-Homem do Niesztche**?

Pois como diria um velho amigo meu, quando alguém começava a elogiar demais um outro alguém: "Dá o c* pra ele, então!".

É isso aí, Sansa; igualmente detesto unanimidades!!

Mas o que o técnico alemão provou, mas provou mesmo, nessa campanha durante o Mundial foi o que os Mamonas já enfatizavam há cerca de 20 anos atrás: 

Comer tatu é bom (ainda mais que quem ficou com a dor nas costas foi o nosso maior craque...).

Bem, pra finalizar, do tal legado que vai ficar não tenho bem certeza (lesados, de alguma maneira, certamente), mas, talvez além da questão de alguma coisa em termos de infraestrutura e, vá lá, comportamento – assimilado, se não por observação, por osmose, que seja – em estádios e arredores – quem sabe um pouco além também – da maioria dos torcedores estrangeiros, esperemos que a surra que levamos em casa, e nem vou falar daquela em campo, que já foi exaustivamente debatida, mas sim a do quesito "cantos da torcida", quando fomos ofuscados por mexicanos, chilenos, argentinos (o maldito "Brasil, decime que se siente" grudou na minha cabeça por umas duas semanas!!! Putz, olha aí: já voltou! Sacanagem dos hermanos; Creedence é covardia!), entre outros, nos inspire a procurar alternativas ao insuportável "eeeeeuuu... sou brasileeeeeeeeeiiiroooo... com muito orgulhoooooooo... com muito amooooooorrrr..." (Cara, Inter e Grêmio cantavam essa porra nos malditos anos 90 -  só adaptando claro, com “sou coloraaaaaaadooooooo” ou “sou tricolooooooooorrrr” – e já me enchiam o saco pra %#)%&¨@!! – como dá pra ver pela quantidade de palavrões que usei neste último trecho do texto)

Ah, e o principal legado, claro:

Que fique um pouquinho do futebol apresentado por Messi, Robben, Benzema, Muller e cia, no Beira-Rio, pô.


* Curiosamente o word sublinha em vermelho o nome do cara. Ainda não é um verbete oficial em dicionários e words??? Como não?? Ainda não existe o verbo "schweinsteigear"? Ou fui eu que errei? Faltou algum "w" aí?? De qualquer forma, não me prestei a ir pesquisar pra ver se havia escrito corretamente mesmo. Mas sei escrever corretamente, por exemplo, Frankenstein. E Einstein. Schwarzenegger. Schopenhauer.

**Também não fui conferir se faltou um ou dois "z"s ou algo assim. Mas, com certeza, sei escrever Kant. E Schopenhauer - ôpa, olha ele aí de novo! 
É, eu sabia que, de alguma maneira, isso tudo tinha mais a ver era com filosofia e não com futebol...



terça-feira, 24 de junho de 2014

Em ritmo de Copa: "O artilheiro filósofo" (por Diego T. Hahn)


Bueno, em tempos de Copa do Mundo, o De Letra também entra em campo. Nos próximos dias vamos publicar aqui alguns textos inspirados no mundo futebolístico, começando por este, que faz parte do recém-lançado "Histórias reais de amigos imaginários (e vice-versa)".



Augusto era centroavante e ídolo maior da torcida do Vinte e Nove de Setembro. Anos de clube, um dos maiores artilheiros de sua história, a torcida realmente o adorava. Quando o Vinte e Nove subiu da segunda para a primeira divisão e aumentou a capacidade do seu estádio a torcida passou a comparecer em maior número, o time começou a aparecer mais na televisão e Augusto passou a ganhar destaque em nível nacional. Muito por seus inúmeros gols, que continuava marcando freneticamente, é verdade, mas certamente ainda mais por aquelas famigeradas entrevistas que concedia antes do início, no intervalo e no término das partidas.

 

- E aí, Augusto? O que você espera para o jogo de hoje?  
 
- Bom... a gente vai procurar fazer o que o professor pediu a semana inteira... estamos focados e...
 
- E aí, Augusto? E esse empate aí? Ficou de bom tamanho?
- Ah, a gente procurou fazer o que o professor pediu a semana inteira... estávamos focados e...
Ele procurava seguir sempre aquela fórmula. "Focados". "Semana". "Professor". Eram termos que costumeiramente recheavam aquele seu discurso típico de boleiro. E os repórteres e os telespectadores se esbaldavam com aquilo. Tanto que logo começaram a espocar sátiras a respeito e Augusto acabou por tornar-se mesmo um personagem cômico popular na televisão brasileira.
- E aí, Augusto? O que você acha da política econômica do nosso governo?

- Bom... acho que o pessoal da equipe econômica tá procurando fazer o que o professor presidente da república pediu... eles me parecem bastante focados e... 
 
- O que você achou do filme, Augusto?

- Olha, o elenco procurou fazer o que o professor diretor pediu... e estavam bem focados... ao meu ver, ao menos, a imagem não estava fora de foco e... – eram alguns dos esquetes humorísticos que parodiavam o artilheiro. Ele começava a ficar incomodado, mas seguia metendo seus gols e tentando demonstrar indiferença.

Um certo dia, no entanto, ao final de uma partida na qual havia marcado dois – o segundo, um golaço na gaveta – , um repórter lhe perguntou:
 
- E aí, Augusto? E aquele chutaço, lá onde dorme a coruja?

O jogador ficou em silêncio por alguns instantes. Olhou para o gramado, pensativo, franziu a testa e em seguida rebateu:

- Mas por que se diz "lá onde dorme a coruja" se a bola, no caso de tal lance, entra exatamente embaixo do travessão, e a coruja teoricamente dormiria sobre ele? Não seria mais apropriado se dizer então "lá onde dorme o morcego", já que este tem o costume de dormir de cabeça para baixo, e, ele sim, poderia estar efetivamente ocupando durante seu sono aquele espaço em específico onde a bola entrou?

 
O repórter arregalou os olhos, estarrecido, bradou um "Uau!", e a verdade é que não conseguiu seguir com a entrevista; agradeceu velozmente ao artilheiro e saiu correndo, comunicando-se intensamente via rádio com a produção do programa esportivo para o qual trabalhava.

No dia seguinte era só do que se falava: que diabos significava aquilo? Haveria acabado a era do foco e do professor?

Quando ao término da partida seguinte, após perguntado durante a tradicional entrevista sobre o resultado
de empate, Augusto respondeu que "tudo é relativo nessa vida... até mesmo a relatividade", começava a consolidar aquela sua nova fase. Os repórteres, porém, não entenderam a resposta e ele continuou:

- O que percebemos são ideias... não coisas em si.

- Como assim, Augusto?

- Uma coisa em si deve estar fora da experiência...

Os repórteres continuavam olhando-o, boquiabertos. Compenetrado, ele prosseguia naquela kantilena:

- Então, o mundo consiste apenas em ideias... e mentes que percebem essas ideias.

E concluía:

- Ou seja: uma coisa só existe na medida em que ela percebe ou é percebida.

 
Pronto. A partir do dia seguinte Augusto tinha virado "o artilheiro filósofo".

Os programas, sem perder tempo, passam então a explorar esse novo personagem:

- E aí, Augusto? Muita marcação da parte do adversário sobre você, não?

- O homem nasce livre e por toda parte encontra-se acorrentado, vocês sabem...

- E aí, Augusto? Como foi aquela furada dentro da área?

- Tudo que vemos é uma representação nossa da realidade... talvez a furada que você supostamente viu tenha sido na realidade uma grande jogada, um golaço de bicicleta... ou não.

Aquilo começou a realmente irritar o camisa nove. Primeiro eram aquelas piadinhas com as frases de boleiro... agora implicavam também com a sua filosofia?

Para completar, começou a circular o boato de que ele, então mais refinado, tinha também enjoado de pagode e pegado gosto por música clássica: no vestiário, antes de entrar em campo, ficava curtindo Chopin e Beethoven. Verdade ou não, com o tempo, o clube passou a colocar esses e outros clássicos a tocar no sistema de som do estádio antes do time entrar em campo. Assim, às primeiras notas da Nona Sinfonia, por exemplo, a torcida se exaltava e, dizia-se, estava criado um clima hostil para os adversários, que chegavam mesmo a tremer de pavor diante daquele cenário quase surrealista.

 
Augusto passara a odiar definitivamente tudo aquilo. Mas seguia metendo seus gols. Tanto que um belo dia acabou sendo negociado com o futebol europeu por uma banana de dinheiro.

A notícia caiu como uma bomba na cidade. Foi um tremendo choque para a torcida – e obviamente também para os repórteres e humoristas.

 
Era uma lenda que partia. Uma era que se acabava.

Augusto se foi e seguiu marcando seus gols na Europa. Ficou lá por dois anos, uma temporada na Itália – onde inclusive era chamado de Augustus, em menção ao primeiro imperador romano; os italianos têm esse costume de apelidar jogadores com o título ou nome de imperador – e outra na França... até que o Vinte e Nove de Setembro, numa empreitada ousada que contou com a ajuda de um pool de empresários simpatizantes do time, conseguiu repatriá-lo.

A torcida, maravilhada, entrou em êxtase com a boa nova.

Como não poderia deixar de ser, igualmente a mídia. A televisão chegou a cobrir seu desembarque no Brasil ao vivo.

 
No dia da sua reestreia, espocou Ode to Joy no sistema de som do estádio do Vinte e Nove antes do início da partida e a torcida foi ao delírio.


Ao entrar em campo troteando, Augusto foi cercado por uma multidão de repórteres. Todos queriam ouvir sua primeira declaração após o retorno. O que viria? Foco e professor? Nietzsche? Alguma declaração em francês, italiano ou mesmo latim, línguas que se dizia que ele dominava após aquela passagem pela Europa?


- E aí, Augusto? O que espera dessa nova...

 
Ele, porém, não deixou o repórter terminar a pergunta e, sem olhar para o lado, emendou de primeira, como o artilheiro que era:
 
- VAI TOMÁ NO CU!!!

 
E passou correndo para o campo, onde seguiu metendo seus gols, que era o que sabia mesmo fazer.

 

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Pelos sebos da vida: "Monsenhor Quixote", de Graham Greene (por Diego T. Hahn)


Já estava há horas em dívida com o mestre Graham Greene (desde que li há uns dois anos o ótimo “Nosso homem em Havana”), mas foi bom ter esperado um pouco antes de homenageá-lo aqui: pois eis que encontro no sebo da Floriano, entre páginas meio amareladas e carcomidas e capa um tanto quanto cafona, este pequeno tesouro.

Olhando para ele de relance, em meio a um mar de livros, realmente você não dá nada por Monsenhor Quixote.
Uma versão mais legalzinha da capa

Quer dizer, não dá nada se não for um conhecedor de Greene...

Por falar no homi,  a melhor definição que já li a seu respeito é a seguinte: “Greene é o cara que conseguiu aliar a literatura de diversão com a boa literatura”.
       Não confundir com o simpático ator de traços indígenas, homônimo do escritor em questão


Impossível não se divertir com sua leitura que flui, aparentemente leve, mas com tramas bem construídas  - e, sim, com conteúdo (particularmente, seu estilo me lembra bastante o do L. F. Veríssimo dos tempos das Comédias da vida privada...).
Neste livro, Greene conta a história do padre de um pequeno vilarejo na região de La Mancha, na Espanha, terra do lendário personagem de Cervantes (diz-se que Greene era um fervoroso fã da obra-prima do espanhol e quis fazer uma pequena homenagem a ele – e, como também fã do Cavaleiro da Triste Figura, provavelmente este texto é o mais próximo que vou chegar de me atrever a resenhá-lo).

Reza a lenda no povoado que o padre é descendente do Dom, o que confunde alguns outros personagens durante o desenrolar da história: mas como, se Dom Quixote é um personagem fictício?
Seja como for, devido a uma sequência de curiosos episódios, o padre acaba partindo em uma viagem com um ex-prefeito comunista da cidade (para completar o "quadro", no decorrer da viagem o padre passa a chamá-lo de Sancho). Duas personalidades tão distintas, mas que inevitavelmente começam a estreitar laços durante essa jornada, ainda que à custa de muito embate ideológico – o ex-prefeito, por exemplo, nega a existência de Deus, enquanto o padre por sua vez defende que a salvação está no Senhor e contesta os métodos empregados pelos comunistas no poder, como Stálin, só para dar uma ideia do conteúdo que permeia boa parte da obra.
Sem dúvida, a viagem em si, com todos os seus percalços, é divertidíssima (hilário, por exemplo, o trecho em que o padre se encanta com a extrema simpatia das moças da hospedagem onde chegam em determinada cidade, sem a princípio dar-se conta do tipo de empreendimento no qual o ex-prefeito o faria passar a noite), mas o ponto forte da obra talvez sejam realmente os diálogos entre os dois personagens principais e, na particular opinião deste que aqui escreve, o seu emocionante final – o qual, se poderia ser um exagero dizer que é um dos melhores que já li, certamente incluo entre meus favoritos.