segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Nossas façanhas (por Diego T. Hahn)


Pra não deixar passar em branco a Semana do Gaúcho, republicamos aqui esta pequena ode - parte integrante também do "Histórias reais de amigos imaginários (e vice-versa)" - ao nosso querido estado.


O pai observava atentamente o guri que zanzava pra cima e pra baixo do apartamento pilchado com sua bombacha e cantando o hino do Rio Grande...

            - “Como a aurora precursora”...
 
            O pai, nascido e crescido em meio ao campo lá pros lados de São Borja, perguntava-se se o filho fazia ideia do que significava a palavra “precursora”, mas admitia consigo mesmo que a pronúncia do guri era boa e a voz não era nada ruim também.
            Há dias o velho analisava o piá, adolescente na casa dos dezesseis anos, e aquele seu entusiasmo todo da repentina descoberta do Rio Grande do Sul como centro do Universo.
 
 Via-o digitando nas tais redes sociais na internet poemas e odes louvando o estado e sua suposta superioridade em relação ao resto do mundo, muitas vezes discutindo com gente natural de outros estados ou mesmo países, enaltecendo o histórico peleador do gaúcho, seu inconformismo, sua educação, a qualidade de vida local, e os grandes feitos também de Inter e Grêmio no futebol e... foi quando o velho, que efetivamente conhecia o histórico do estado, mas também sua realidade atual não tão maravilhosa e, mais maduro, embora continuasse gostando de sua terra, estava acostumado a analisar tudo sem aquele “ufanismo” gaudério que também ostentara um dia, se encheu daquilo tudo. Chegou no pirralho bem na hora que ele entoava o “sirvam nossas façanhas de modelo a toda Terra” e de mansinho o cutucou:
            - Vem cá, ô, guri... tu por um acaso sabia que hoje o nosso estado tem alguns dos piores índices de desenvolvimento do país?
            O filho o olhou assustado. Em seguida balbuciou algo como:
            - C-como?... Como assim, pai?...
            - É isso aí: alguns dos piores índices de educação, saneamento básico, asfaltamento de estradas, entre outros, do país... sabias?
-Bem capaz, pai!... nós... nós temos os melhores...
            - Nada de “nós”, tchê; o único “nós” que existe somos nós aqui: tua família; eu, tu, tua mãe e tua irmã... e, fora o que os números mostram, não tem nada dessa de melhores nem piores, é tudo ilusão...
            - Não pode ser, pai... aqui no sul a gente é mais politizado, mais civilizado e...
 
            - Civilizado? Tu ouviste falar da atual situação do Presídio Central de Porto Alegre? E se te gabas tanto da história do estado, deves certamente ter lido ou ouvido falar nas degolas de algumas das nossas revoluções, como a Federalista, por exemplo, não!?
            - Ah, pai... mas isso é coisa da guerra... é porque somos um povo aguerrido... veja só nossos times, que... – e quando começou a exemplificar que o Inter era o campeão de tudo e havia batido certa vez o poderoso Barcelona e o Grêmio era o Imortal tricolor copeiro que certa vez havia batido o Náutico com quatro a menos e que a raça do futebol gaúcho era mais um exemplo das façanhas do sul, o pai interrompeu-o novamente:
            - Sim... e tu sabias que certa vez o Inter perdeu para um time do Congo, chamado Mazembe? E que o Grêmio caiu duas vezes para a segunda divisão do futebol brasileiro?
            - Sim, mas... – ele tenta desconversar – nós temos nossas bonitas tradições... a bombacha, por exemplo... 
            - Sim, é verdade, temos bonitas tradições. Também gosto delas. Mas tu sabes por acaso quem foi que inventou a bombacha?
            - Ué... foram os... os farrapos, não foram?  - chutou o guri, meio sem jeito.
            - Não. Foram os turcos. E quem a trouxe para esses lados foram os ingleses...
            O guri se chocou. Não sabia daquilo. Não podia ser verdade. Mas, que diabos, devia ser, o pai não iria lhe mentir. Ou iria?
            - É isso aí, meu garoto: o mundo não começou com a Guerra dos Farrapos. Também gosto do nosso estado, filho, mas atualmente não sei se temos tantas façanhas assim para servir de modelo a TODA a Terra... – e jogou-lhe uns três livros de História sobre a cama – e mais um do Simões Lopes Neto, por via das dúvidas. Por fim apontou para os pés do garoto:
            - Bueno... e por mais que a bombacha seja um símbolo nosso – observou, rindo sardônico – ela não cai muito bem usada com tênis NAIQUE, tchê!!...
O guri olhou meio sem jeito para os próprios pés. O pai riu, foi até ele, abraçou-o e passou a mão no seu cabelo, escabelando-o, o guri riu de volta, e os dois foram para a sala disputar uma ferrenha partida de futebol no videogame, valendo o título de campeão do Universo – disputada, claro, em um Grenal. 
 

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