segunda-feira, 29 de abril de 2013

No fantástico mundo do supermercado (por Diego T. Hahn)


                                        No fantástico mundo do supermercado

              A incrível jornada começa com você dentro do carrinho, imaginando-se um piloto de fórmula-1 ou um astronauta dentro de uma nave espacial.
A sua mãe vai jogando as compras para dentro e você se diverte fazendo castelos de latas, caixas e pacotes. Conforme as horas vão passando e o carrinho vai se enchendo, a diversão passa a ser mesmo esconder-se debaixo daquela montanha de produtos. Você tem ali seu bunker particular. Ali você fantasia que está a salvo de todos os perigos do mundo.
Dez anos depois, a diversão é assumir o“volante”. Sua mãe vai pegar o carrinho e você se antecipa: “Eu dirijo!”. No início, como o carro ainda está vazio, você ainda consegue arriscar umas manobras ousadas. Obviamente você faz a clássica “corrida de supermercado”, imprimindo velocidade no veículo e então subindo no mesmo, apoiando os pés na barra de ferro que fica sobre as rodas, deixando o carro ir “à toda”, meio desgovernado...
até que algum fiscal do trânsito do lugar o para numa blitz e o notifica: “Isso não é feito para brincar”. A essas alturas, mamãe também já está furiosa com você, pois sumiu com o carrinho dela. De volta à direção defensiva, para alívio dos funcionários e dos outros consumidores, você agora também passa a ter maior dificuldade para guiar, pois o carro vai se enchendo. Assim, diga-se de passagem, como o seu saco...
Mais uns quase dez anos e você só acompanha a coroa no mercado para ir dar uma olhada na seção dos eletrônicos. Como depois de uma meia hora você já viu tudo que tinha para ver lá, enquanto ela normalmente leva umas três horas naquela função, você já se aborrece e começa a se perguntar “mas o que diabos eu vim fazer aqui?”. Enquanto as perguntas ainda se dirigem a si mesmo, tudo bem. Mas quando você, além se ser um inútil e não ajudar a fazer as compras, começa a fazer para a velha a irritante pergunta de criança em viagem – “Falta muito? Falta muito?” - a cada cinco minutos, é mesmo justo que a uma certa altura ela exploda com você, saudosa do tempo no qual você ao menos dirigia o carrinho. E você se arrasta atrás dela, exausto, tendo terríveis crises de hipoglicemia só contornadas após uma passada pela sessão das bolachas, enquanto ela o xinga: “É, pra jogar futebol tu tens fôlego, mas pra me ajudar no mercado não, né?”. Você se arrepende profundamente de ter ido, mas, por algum estranho motivo, um mês depois você estará lá com ela novamente.
Outra década passa e você continuará no mercado com uma mulher ao seu lado: sua mãe ou, mais provavelmente, sua namorada, noiva ou mulher. Possivelmente, se você amadureceu um pouco e não tem mais vontade de pilotar alucinadamente o carrinho, também ao menos contribuirá– se não o fará integralmente – no pagamento das compras e, portanto, passará a ficar mais atento ao que aquela mulher ao seu lado vai jogando para dentro do carro. Agora, ao invés de fazer castelinhos, você vai pegar o produto, olhar a marca, o preço, e tentar identificar até mesmo o que é aquele troço e para que serve...
O seu tempo de paciência não aumentará e nem o dela de permanência lá dentro diminuirá; nada a fazer a respeito, está no dna de ambos.
Provavelmente, você continuará perguntando se falta muito, mas, mais experiente, mais maduro, com outras palavras, tais quais “será que a gente chega em casa a tempo de pegar o início do jogo?”,através de observações como “não sei como ainda anda esse carrinho”, ou então, falando com ar pretensamente distraído para si mesmo, “hummm... Cerveja, comida, papel higiênico... acho que era isso...”.
Depois de meia hora naquela fila que não anda então, você se cansa de uma vez por todas. Você sente o seu instinto gritando lá dentro de você. Você olha para os dois lados. Você olha para ela. Ela olha para você. Você sorri, pisca para ela, que não entende muito bem o que está acontecendo, e você então sai correndo com o carrinho pelo corredor, dá aquelas“pedaladas”, sobe na barra de ferro sobre as rodas, joga a cabeça e os braços para trás gritando “uhuuuuuuuuuu!!” e sente aquela brisa de liberdade batendo no peito...
Ela, incrédula, vai atrás, pega você pelo braço e o traz junto com o carrinho, xingando-o baixinho, roxa de vergonha...“Eu não acredito nisso!... O que te deu? Você enlouqueceu???”
Ao chegar na fila novamente, enquanto todo o supermercado olha para você, você vira a cabeça e olha triste para o corredor. Aquele longo corredor ali todo para você...
e você ali, naquela fila... Enquanto a mulher continua esbravejando e xingando-o e todas as pessoas ao redor ainda observando-o com um misto de curiosidade e espanto, você olha desolado e aborrecido para dentro do carrinho abarrotado de compras e naquele momento tem vontade então de voltar lá para dentro - para a segurança das profundezas do seu velho abrigo subterrâneo.
 
(publicado em "Flashbacks de um mentiroso")

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