sábado, 20 de abril de 2013

A personalidade das máquinas (por Juliano Lanius)


                                            A personalidade das máquinas

              Até que ponto desta desenfreada evolução tecnológica a máquina será capaz de ultrapassar o ser humano na execução de tarefas que antes só eram realizadas pela raça humana?
            Assim como o comprimento – assim mesmo – da pergunta, a questão sugere uma abordagem extensa do quão importante é o homem em sua própria evolução. Possuímos um dom muito gracioso, de evoluir a nós mesmos. A modernidade vem a calhar quando o assunto é a comodidade dos serviços oferecidos. Inventamos aparelhos ultramodernos, no intuito de servir a nós mesmos. E isso não é ruim, se pensarmos pela ótica de quem trabalha para proporcionar alguns prazeres a si próprio, quando julgamos o momento certo. Leiam a seguir a narrativa que elucida todas estas palavras supracitadas.
            Por questões de força maior, resolvi entrar em contato com minha operadora de TV a cabo. Gostaria de saber a maneira de regularizar um boleto pendente de pagamento. Ao chegar em casa e ligar a televisão, notei que havia um ícone, no canto da tela, me informando sobre uma mensagem recebida. Pela televisão? Sim, e informando-me sobre o devido atraso no pagamento da fatura. Neste aviso, havia o telefone de contato para a regularização do débito. Liguei.
            Fui atendido por uma voz muito simpática. Sedutora, diria até. Mas era um homem, então o encantamento durou pouco. A princípio, confirmou meus dados e reviu meu histórico como cliente. Eu nem sabia que possuía um histórico. Sujei meu histórico na empresa, atrasei uma conta. Talvez meu nome não seja incluído na lista dos clientes mais benquistos e com chances de ganhar em alguma promoção. Entre um aviso e outro sobre todos – eu disse todos – os procedimentos que realizaria a seguir, ouvia-se sons de teclado sendo digitado. Não me perguntem se eram dedos de verdade, pois eu não os vi. Então, questionou-me se o assunto que eu gostaria de tratar era o tal boleto pendente. Ao confirmar, escutei um “pois é”. Como assim “pois é”? Máquinas não falam “pois é” depois de uma afirmação. Seria um equipamento eletrônico capaz de dividir nossas aflições? Aquele “pois é” me soou como: “eu entendo que os tempos não estão fáceis para ninguém, mas, infelizmente, é o meu trabalho lhe cobrar, então só peço que o senhor seja compreensivo”. Nunca tinha ouvido nenhuma máquina dizer “pois é”. Será que era uma máquina mesmo?
Não sei.  Esse “pois é” foi tão sincero, tão afetivo e tão pessoal, que fiquei imaginando que devo ser conhecido no setor de cobrança da operadora como aquele que está sentindo os efeitos da crise econômica e não tem nem cinquenta reais para pagar uma prestação de TV a cabo.
            A próxima pergunta foi se eu tinha a intenção de regularizar o débito. E eu tinha. Confirmei. Tecla 1. Fui avisado que o meu desejo seria gravado no sistema. Novos sons de teclado. A conversa foi finalizada com a informação de que uma segunda via do boleto estava disponível no site da empresa. À minha disposição. À hora que eu quisesse. Mas a melhor vem agora. Vejam as últimas palavras da máquina de voz sexy, depois que confirmei que não queria mais nada, além do boleto: “– Muito bem, se este é o único assunto do qual o senhor gostaria de tratar, muito obrigado. Até logo”. E desligou na minha cara! Poxa, só porque eu atrasei a conta não significa que eu não mereça um mero: “Senhor, gostaríamos de lhe oferecer uma promoção relâmpago imperdível!” Não, simplesmente desligou, com lucidez, caráter e profissionalismo. A empresa se superou no quesito eficácia. A máquina – ou a pessoa – me levou direto e sem rodeios ao meu objetivo. Incrível.
            Estamos em uma fase em que nos apegamos mais aos meios que nos levam a conhecer pessoas do que às próprias pessoas. Os apertos de mão não são mais aplicados, e sim viraram aplicativos. Mas, de repente, é tudo uma fase ruim. Quem sabe, um dia voltamos à era em que abraçávamos nossos pais em praça pública e gritávamos eu te amo aos quatro ventos. Quem dera conhecêssemos tão bem aos outros e a nós mesmos. Mas, um dia, chegamos lá.
            Que as máquinas encurtem as distâncias dos que estão afastados. E que os que estão próximos não se deixem afastar por elas. Quem dera conseguíssemos. Valeria muito a pena.


(Juliano Lanius)

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