terça-feira, 16 de abril de 2013

Heróis (por Diego T. Hahn)


                                          Heróis
Sérgio e Diogo eram ex-colegas de colégio e amigos de infância. Reencontraram-se pela rua depois de anos sem se ver e Sérgio convidou Diogo para ir tomar uma cervejinha à noite com sua namorada Laura e a amiga dela, Clarissa. Diogo topou.
- Pois como eu ia te dizendo, Cla... o Diogo aí é uma espécie de herói... – dizia Sérgio, apontando para o amigo e rindo já meio embriagado. A ideia era empurrar Clarissa para Diogo. Diogo passava viajando, fazia tempo que não tinha uma namorada fixa... era hora de dar um jeito naquilo. Fazer o cara se “assentar” um pouco... Diogo andava pensando mesmo em ficar um tempo pela cidade. E Clarissa, na casa dos seus trinta e poucos, andava desesperada. Então, feitos um para o outro...
- Que é isso... – ria de volta Diogo.
- Esse cara... esse cara!... ele estava sabe onde antes de aparecer do nada esta tarde?
Onde? Onde? Perguntava Clarissa com o olhar, curiosa.
- Onde você estava mesmo, cara? – gargalhava Sérgio, confessando sua embriaguez.
- No Afeganistão... – sorria meio sem jeito agora Diogo.
- É mesmo? – interessava-se Clarissa – fazendo o quê?
Sérgio interrompia:
- Ele não gosta de falar disso... como todo bom herói... he he he... mas deixa que eu conto pra você: ele estava lá trabalhando com a Cruz Vermelha... ajudando feridos e desabrigados, vítimas do regime talibã...
Laura tentava traduzir para Clarissa, já que esta não era exatamente, digamos, a mulher mais antenada do mundo a respeito de determinados assuntos:
- O Diogo ajuda pessoas nessas zonas de conflito pelo planeta afora...
- Puxa... – impressionava-se sinceramente Clarissa, controlando-se, porém, para não perguntar como funcionava aquele tal regime talibã, se era parecido com o de melão e aveia duas vezes ao dia, que ela seguia fielmente há seis meses.
Diogo, que tinha gostado de Clarissa – apesar do complexo que ela tinha com os seios pequenos, era uma mulher bonita de rosto e de corpo - , tentava mudar de assunto, falar de futebol, cinema, mas Sérgio e Laura não deixavam...
- Calma... e antes disso, sabe onde ele estava? – continuava Sérgio.
Onde? Onde? Perguntava Clarissa com o olhar. 
- No Iraque... ajudando também outros feridos e desabrigados... esses, vítimas da “missão de paz” dos States lá... – respondia Laura, toda orgulhosa do amigo.
- Puxa... – repetia Clarissa.
- É... – respondia meio tímido Diogo.
- Deve ter sido legal... – concluía a menina – digo, uma bela experiência...
-Bem... eu não diria propriamente bela... mas... sim...
- Não, sim!... assim... quero dizer... né!?... como experiência...
- Calma lá, minha filha! – interrompia mais uma vez Sérgio – por um acaso você sabe onde ele estava antes disso? Você sabe?
Não. Ela não sabia.
- Ele estava no Polo Norte, num daqueles navios da galera ecológica e tal, lutando contra os baleeiros japoneses... como é mesmo o nome da organização, Diogão?...
- Greenpeace.
- É isso aí... Greenpeace... tá ligada? O cara aqui é um heroi... – afirmava Sérgio, dando um tremendo tapa nas costas de Diogão, que só sorria cabisbaixo, repetindo “pois é... pois é...”.
- Nossa... – surpreendia-se Clarissa. Ela já tinha ouvido falar alguma vez no nome daquela organização. Mas imaginava que fosse uma rede de design ou algo assim – afinal... green... é verde, né?... sabe como é... cores... enfim... – de qualquer maneira, embora não soubesse muito o que dizer a respeito – pensou em perguntar a respeito do tamanho dos seios das mulheres no Iraque e no Polo Norte, mas desistiu – já parecia interessadíssima em Diogo.
- Você me dá uma carona depois, Diogo? – perguntava ela inocentemente com sua voz melosa – é que o Sérgio e a Laura moram lá pro outro lado...
- Claro, claro... digo, eu não estou de carro... mas sem problemas, podemos ir juntos; te dou uma carona de táxi – disse Diogo, sorrindo.
-Ah... ok... – respondeu a moça.
Nesse momento, estaciona em frente ao bar uma BMW preta reluzente. De dentro dela sai Ricardo. O doutor Ricardo.
- Ó o Ricardão aí! – gritava Sérgio. Sérgio não lembrava, mas havia convidado Ricardo para tomar uma cervejinha com eles também. Mais tarde, Laura cobraria isso de Sérgio: “Pô, mas logo o Ricardo, Sérgio!? ”.
- Desculpem o atraso... desculpem o atraso... é que estava numa cirurgia...
- Ôpa... cirurgia do quê, Ricardão? E contra quem?... – perguntava rindo seu riso bêbado Sérgio.
- Implante. Silicone. Na dona Márcia. Foi tudo bem.
- Ôpa! Um brinde então aos seios novos da dona Márcia! – levantava-se Sérgio, erguendo o copo.
- Um brinde aos seios novos da dona Márcia! – repetiam os outros.
- Puxa... – impressionava-se Clarissa – você é cirurgião plástico??
- Sim, sim... – respondia o doutor Ricardo.
- Mas... tão jovem... nem parece... digo... entende?...
- Pois é... pois é... – respondia sorrindo balançando a cabeça o doutor Ricardo.
- E quantos miligramas foram nessa cirurgia? Quanto tempo de recuperação? Puxa, deve ser muita responsabilidade, né!?... – os olhos de Clarissa efetivamente brilhavam então.
Depois de mais algumas cervejas que fizeram os olhos de todos os outros presentes brilharem muito também, pagam a conta e saem do bar. Enquanto Sérgio e Laura deslocam-se para o carro deles – Laura brigando com ele baixinho pelo seu estado etílico e ainda por ter convidado Ricardo -, Clarissa vira-se para Diogo:
- Diogo, foi um prazer... olha, eu acho que vou fazer o seguinte: vou pegar uma carona com o Ricardo... já que ele mora pro mesmo lado que eu... não quero te atrapalhar, te fazer gastar mais ainda no táxi só pra me levar, ok?...
- Bem, ok... – sem em segundo algum deixar transparecer o ligeiro desapontamento que no fundo o toca com o desfecho da noite aparentemente diverso do que imaginava, responde Diogo, do alto de toda sua "heroica" classe – igualmente, Clarissa... foi um prazer...
Diogo e Clarissa então se despedem e nunca mais se veem.
 Ricardo leva Clarissa para a sua casa aquela noite. Alguns dias depois estão namorando. Juntos, são felizes por dois meses... até que Ricardo troca Clarissa por uma enfermeira chamada Elisângela.
Clarissa continua então desesperada – e com o mesmo complexo de seios pequenos de sempre...
Sérgio acordou de ressaca no dia seguinte. Laura continuou xingando-o – o que só aumentou sua dor de cabeça...
Diogo passou mais alguns dias na cidade, saiu e se divertiu mais algumas vezes, mas logo partiu de novo...
Na última vez que se ouviu falar dele estava no deserto de Darfur, no Sudão.
Ele continua tentando salvar o mundo.


(Diego T. Hahn/ publicado em "Flashbacks de um mentiroso")
 

Um comentário:

  1. Cara, esse é um dos meus favoritos do livro! Rede de design rsssssssss
    Paulada mesmo.
    Falou
    Abço
    Marquinhos

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