quinta-feira, 11 de abril de 2013

Domingos em Porto Alegre (por Juliano Lanius)


DOMINGOS EM PORTO ALEGRE

            Seu Domingos é moço ainda. Com esse modismo de longevidade, podemos dizer que Seu Domingos é um jovem de vinte e quatro – não que ele tenha vinte e quatro anos, mas ele nasceu em 1924. Morador de Porto Alegre, é grande apreciador do Rio Grande do Sul. Seu Domingos tem muito orgulho da cidade onde vive e conhece como ninguém a história do lugar, os sítios históricos e os monumentos que fazem parte da cidade de Porto Alegre. De tão entendedor sobre os percursos da vida desta grande metrópole, Seu Domingos, certa feita, foi convidado a contar um pouco da história da cidade para alunos universitários.  Isso serviria para que eles tivessem um contato mais direto com alguém pertencente ao lugar. Os alunos tinham a cidade de Porto Alegre como objeto de estudo. Eis alguns trechos de seu relato aos alunos, um momento em que Seu Domingos se deixou levar pela emoção, dando aos alunos a certeza de ser um eterno apaixonado pelo solo rio-grandense, especialmente Porto Alegre. 
- Boa noite. Meu nome é Domingos, sou natural de Porto Alegre, onde me criei e vivo até hoje. Essa cidade me traz lembranças muito boas. Foi aqui que meus filhos e meus netos frequentaram a escola, desde a primeira série. Infelizmente, na minha época, o estudo não era uma prioridade nas famílias do interior. Eu não lembro muito bem, mas minha mãe –  que Deus a tenha – dizia que eu era um rapaz que gostava de ler. Como as coisas mudam, não é? Naquele tempo eu conseguia, pelo menos, enxergar as letras. Hoje, eu mal consigo ler o que diz no letreiro do ônibus. Esses dias, além de ter embarcado no ônibus Cerrito, ao invés de Centro, tive que ficar de pé no ônibus, a viagem toda – era dia de pagamento do INPS. Mas isso nada tem a ver com nosso assunto principal: o Rio Grande do Sul. Mais precisamente, Porto Alegre. Cidade bonita. Vamos começar pelos locais de ensino. Os colégios. As escolas fazem parte da história de qualquer cidade. O ensino está presente em todos os momentos da evolução. Quero dizer, na minha época pensávamos assim. Hoje em dia, não sei não. O meu neto está na fase adolescente, catorze anos, e é um dos que não concordam com essa idéia. Ele disse que deu seu primeiro beijo. Na escola.
“E escola é lugar de fazer isso, moleque?” “Bah, coroa, ela tava afim e eu grudei”. ”Coroa? Eu lá sou moeda para tu ficares me chamando de coroa? E por acaso virastes cola para ficar grudando nos outros?”. Ele me contou que a menina era, digamos, desprovida de qualidades anatômicas favoráveis. O legítimo bagulho.
Mas ele disse que estava precisando se especializar no negócio de beijar, afinal de contas ele já tinha 16 anos e ainda era BV. “Que troço é esse de BV?” “É boca virgem Vô.Todo mundo sabe”. Todos os seus colegas já tinham dado pelo menos um beijo na boca, e ele ali, literalmente chupando dedo. E não só o dedo como a mão toda, pois um amigo lhe disse que tinha que treinar na mão primeiro, para não passar vergonha na frente da guria, babar, morder, ou algo do tipo. Bem que eu notei que ele estava com alguns roxos na mão e com a boca seca. Até perguntei: “Tu ta fumando aqueles capim com cheiro de palha mofada pegando fogo depois da chuva, guri?”. E não estava realmente. Ficava horas em casa, chupando a mão. Isso lhe rendeu marcas semi-definitivas. Mas o bonito mesmo foi o lugar que ele deu seu primeiro beijo. Museu de Tecnologia da PUCRS.
É um lugar de visitação. Geralmente de estudantes. Sendo que, neste dia, em que meu neto perdera o cabaço da boca, o colégio em que ele estuda estava fazendo uma visita pelo local. Ele me falou que queria que tivesse um clima quando tudo acontecesse. O rapaz puxou ao avô, um eterno romântico.  Aí levou a menina até uma parte do museu, onde ficam os animais empalhados. Ao perguntar se eram animais raros ou pássaros exóticos, me respondeu que não. Disse que gostava de valorizar as coisas daqui, então foi ao habitat do ratão-do-banhado, da chinchila, da garça e do tatu-bola. Um cenário muito tranquilo, acolhedor. “Até que o beijo foi bom, mas quase perdi um dente”. Acho que o garoto estava um tanto ansioso, afoito, sei lá. 
 
“- Aí, mais tarde, no meio das minhas andanças, descobri outro local bom de dar uma volta ou matar aula, a Praça da Alfândega”. Vocês acreditam que meu neto me falou isso? Assim. Na lata, como dizem os jovens. Na lata. Entorpecido com sua audácia, resolvi conferir se o que dizia era verdade. Peguei o moleque no flagra, “gaseando” aula – só os gaúchos conhecem esta expressão. Na Praça da Alfândega. Deflagrando o local que serviu de palco para momentos importantes desta cidade querida chamada Porto Alegre. Quase que fiz meu neto perder a audição, tamanho foram os puxões de orelha que dei nele. Na minha época funcionava. Sabem aqueles “espichadores” que os jovens colocam na orelha? Aqueles que ficam um buraco que pode servir de tipóia em um acidente? Eu estava tentando fazer um artesanal em meu neto. A despeito destas frustrações, a Praça da Alfândega é muito bonita, arborizada. “E tem uns esconderijos ‘da hora’ para dar uns beijinhos nas meninas que só vendo”. Palavras do neto do vovô. A Praça da Alfândega tem muitas histórias a contar. Nossa, e como tem.  
- Mas vamos seguir o baile, tchê. Outro local bastante importante na história de Porto Alegre, e da minha também, é o Centro Histórico da Praça da Matriz. Nos arredores desta praça é que se localizavam os prédios dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Até me lembro de uma vez que tive que ir ao judiciário falar com o juiz, pois a mulher do meu filho decidiu que queria uma pensão depois que se separaram. Falei com o juiz, ele não tinha condições de dar nada a ela. Mas, não houve jeito. Aquela desgraçada levou quase tudo o que o coitado tinha. Só sobraram as bombachas e as alpargatas. Não me segurei e a mandei aquela lorpa botar um serviço naquele corpo gordo. Não entendo como meu filho foi gostar dessa jararaca.  
- Mas, vamos voltar ao que interessa. Perto da Praça da Matriz se encontram também o Palácio Piratini, a Catedral Metropolitana e outros prédios mais. Na frente da Praça da Matriz também se encontra o Theatro São Pedro, um dos maiores do estado. O Theatro já foi palco de peças importantes, e por ali passaram inúmeros artistas. O porto-alegrense, como todo gaúcho, gosta de um teatro viu, tchê. Mulher, então, nem se fala. A minha “veia”, por exemplo. Esses dias, só por que eu cheguei um pouquinho mais tarde em casa, levemente embriagado, fez uma cena dramática. Merecedora de um Oscar. E quando tem perfume diferente, então? Nossa, aí parece teatro para surdo de tanto que a mulher grita, grita e grita. Toda mulher tem um pouco de atriz por dentro.
- Porto Alegre tem uma vida cultural muito intensa, com várias casas de espetáculos e shows. Outras formas de manifestação popular podem ser vistas em Porto Alegre, como é o caso do Brique da Redenção.
 
 Lá podemos encontrar artesãos, músicos, artistas de rua e muitos outros movimentos populares. Eu não deixo de ir todos os domingos ao Brique, nem que seja pra tomar um chimarrão e passear com meu cachorro. Mas eu levo a sacolinha e junto as cacarias do meu cachorro. O triste é querer sentar na grama para descansar um pouco e não poder levantar mais até que o brique esteja vazio. Sim, por que, se levantar antes, todo mundo vai ver que tu estás levando algo pertencente a outro animal. Não é fácil, viu? 
- Bom gente, agora que vocês conhecem um pouco mais da minha cidade, espero que vocês venham visitá-la. Quando vierem, me avisem, assim a gente pode ir juntos aos lugares de que falamos. Não se esqueçam de trazer o chimarrão, por que ninguém é bobo de ficar pagando erva para vocês. E se vierem com cachorro, a sacolinha à tira cola, viu? Bueno, um abraço para os guris e um beijo para as gurias. Ah, e, gurias, se vocês quiserem, eu mostro para vocês os esconderijos da Praça da Alfândega.   
                                                                                                                                       (Juliano Lanius)
 

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