sexta-feira, 24 de agosto de 2018

"Diário de um Recepcionista de Hotel Canastrão - Final" (Por Diego T. Hahn)


Algumas semanas depois, contudo, aquela desleixada sequência acabaria me custando mesmo o emprego: eu continuava não engraxando o bendito sapato, pecado capital mor na empresa, além de aparecer sempre com o cabelo desgrenhado, barba por fazer e gravata torta... Eles ainda me abordaram algumas vezes, tentando me convencer a mudar o comportamento, mas, após mais algum tempo, percebendo que aquela situação era um trem descarrilado ainda em alta velocidade, me chamaram para fazermos um tal “acordo”. Pagariam tudo a que eu tinha direito e eu saía numa boa, sem treta jurídica etc.

Topei. Parecia-me justo.

Após oficializar o desligamento da empresa com a assinatura dos documentos no setor de RH, saí então triunfal pela porta principal do hotel naquele dia, orgulhoso, com a sensação do dever cumprido (embora menos pelo efetivo cumprimento do dever  e mais por essa oficialização da demissão), piscando e acenando com a cabeça para os ex-colegas que, eu percebia, me observavam com uma certa admiração no percurso pelo corredor da recepção – ou talvez fosse impressão minha, graças ao meu estado de espírito leve, e na verdade eles me olhassem era com “pena”... Severo, ao menos, eu via que certamente tinha um ar um pouco triste – talvez pela perda do seu “sócio”.

Fosse como fosse, ao chegar à escadaria que levava a calçada, ao mundo “lá fora”, desamarrei o nó da gravata e a puxei do pescoço. Desci os degraus vagarosamente e, ao chegar lá embaixo, joguei a gravata para o alto – o mais alto possível, tão alto quanto o osso do homem-macaco de 2001 que em seguida se transformava numa nave no espaço sideral - e segui caminhando, sem olhar para trás – com aquele gesto, eu também sentia que estava dando um salto no tempo, rumo ao futuro...

Não tinha ideia do que iria fazer a seguir e aquilo deveria me atormentar, mas não naquele momento; não, naquele momento aquilo me deixava era quase eufórico: eu não tinha ideia do que iria fazer e aquilo não me importava nem um pouco naquele momento...havia tantas possibilidades! Mas, mais importante do que elas, havia simplesmente aquele momento, no qual eu era o dono do mundo. O dono do meu mundo. Um mundo de incertezas, mas um mundo novo, inexplorado, um novo velho oeste (embora com a possibilidade tanto do ouro como do faroeste) no meu horizonte, e, enfim, um mundo todo meu, ainda que talvez só por alguns dias, ou mesmo horas ou minutos, pois logo, de um jeito ou outro, a vida viria me arrebatar lá fora com mais alguma das suas. Mas naquele momento, ainda que sem Kate Winslet (e ainda que ciente do provável destino parecido da minha nau pessoal na sequência), eu era Leonardo Di Caprio de braços abertos pendurado na proa do Titanic...

Fechei os olhos e senti então aquela brisa bater no meu rosto. Abri bem o colarinho e, soltando um longo grunhido de satisfação, finalmente consegui respirar fundo e senti aquele oxigênio invadindo minhas narinas, inundando cada ponto do meu organismo; respirar fundo, como se a minha alma voltando ao corpo, como se eu finalmente despertasse de um sonho, um sonho divertido, sim, mas como se voltasse à vida depois de um longo sono; respirar fundo, enfim, como há muito não respirava.

EPÍLOGO

(Alguns meses depois... o osso que vira nave... e vira osso outra vez)

Como a vida às vezes nos apronta algumas peças e o destino é também um sujeito um tanto quanto irônico, por uma série de fatores que formariam uma longa e interessante nova história mas que não vem ao caso mencionar aqui para não nos desviarmos do nosso foco principal, estava eu outra vez numa entrevista de emprego.

Em um hotel.

- Então, Sr. Marco...  – dirigia-se a mim o gerente, aparentemente empolgado – vejo que tem boa experiência na área... fale-me pois um pouco sobre ela...

Acomodei-me melhor na cadeira.

- Bem – afrouxando ligeiramente o nó da gravata, respondi – humm, vejamos... por onde eu poderia começar?...


Fim  (...?)


(Agradecimentos: aos chefes, pela oportunidade, e especialmente aos colegas malucos e clientes *%¨#¨%@, pela inspiração!)


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