Algumas
semanas depois, contudo, aquela desleixada sequência acabaria me custando mesmo
o emprego: eu continuava não engraxando o bendito sapato, pecado capital mor na
empresa, além de aparecer sempre com o cabelo desgrenhado, barba por fazer e
gravata torta... Eles ainda me abordaram algumas vezes, tentando me convencer a
mudar o comportamento, mas, após mais algum tempo, percebendo que aquela
situação era um trem descarrilado ainda em alta velocidade, me chamaram para
fazermos um tal “acordo”. Pagariam tudo a que eu tinha direito e eu saía numa
boa, sem treta jurídica etc.
Topei.
Parecia-me justo.
Após oficializar o desligamento da empresa com a assinatura dos documentos no setor de RH, saí então
triunfal pela porta principal do hotel naquele dia, orgulhoso, com a sensação
do dever cumprido (embora menos pelo efetivo cumprimento do dever e mais por essa oficialização da demissão), piscando e acenando com a cabeça para os ex-colegas que, eu
percebia, me observavam com uma certa admiração no percurso pelo corredor da recepção – ou talvez fosse impressão
minha, graças ao meu estado de espírito leve, e na verdade eles me olhassem era
com “pena”... Severo, ao menos, eu via que certamente tinha um ar um pouco
triste – talvez pela perda do seu “sócio”.
Fosse como
fosse, ao chegar à escadaria que levava a calçada, ao mundo “lá fora”,
desamarrei o nó da gravata e a puxei do pescoço. Desci os degraus vagarosamente
e, ao chegar lá embaixo, joguei a gravata para o alto – o mais alto possível,
tão alto quanto o osso do homem-macaco de 2001 que em seguida se transformava
numa nave no espaço sideral - e segui caminhando, sem olhar para trás – com
aquele gesto, eu também sentia que estava dando um salto no tempo, rumo ao
futuro...
Não tinha
ideia do que iria fazer a seguir e aquilo deveria me atormentar, mas não
naquele momento; não, naquele momento aquilo me deixava era quase eufórico: eu não tinha ideia do que iria
fazer e aquilo não me importava nem um pouco naquele momento...havia tantas
possibilidades! Mas, mais importante do que elas, havia simplesmente aquele
momento, no qual eu era o dono do mundo. O dono do meu mundo. Um mundo de incertezas, mas um mundo novo, inexplorado,
um novo velho oeste (embora com a possibilidade tanto do ouro como do faroeste) no meu
horizonte, e, enfim, um mundo todo meu, ainda que talvez só por alguns dias, ou
mesmo horas ou minutos, pois logo, de um jeito ou outro, a vida viria me
arrebatar lá fora com mais alguma das suas. Mas naquele momento, ainda que sem
Kate Winslet (e ainda que ciente do provável destino parecido da minha nau
pessoal na sequência), eu era Leonardo Di Caprio de braços abertos pendurado na
proa do Titanic...
Fechei os
olhos e senti então aquela brisa bater no meu rosto. Abri
bem o colarinho e, soltando um longo grunhido de satisfação, finalmente consegui
respirar fundo e senti aquele oxigênio invadindo minhas narinas, inundando cada
ponto do meu organismo; respirar fundo, como se a minha alma voltando ao corpo,
como se eu finalmente despertasse de um sonho, um sonho divertido, sim, mas
como se voltasse à vida depois de um longo sono; respirar fundo, enfim, como há
muito não respirava.
EPÍLOGO
(Alguns
meses depois... o osso que vira nave... e vira osso outra vez)
Como a vida
às vezes nos apronta algumas peças e o destino é também um sujeito um tanto
quanto irônico, por uma série de fatores que formariam uma longa e interessante
nova história mas que não vem ao caso mencionar aqui para não nos desviarmos do
nosso foco principal, estava eu outra vez numa entrevista de emprego.
Em um hotel.
- Então, Sr.
Marco... – dirigia-se a mim o gerente,
aparentemente empolgado – vejo que tem boa experiência na área... fale-me pois
um pouco sobre ela...
Acomodei-me
melhor na cadeira.
- Bem – afrouxando
ligeiramente o nó da gravata, respondi – humm, vejamos... por onde eu poderia
começar?...
Fim (...?)
(Agradecimentos: aos chefes, pela oportunidade, e especialmente aos colegas malucos e clientes *%¨#¨%@, pela inspiração!)
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