sexta-feira, 17 de agosto de 2018

"Diário de um Recepcionista de Hotel Canastrão - Parte 10" (Por Diego T. Hahn)


Pois com o tempo então comecei a relaxar de vez. 
Chegou um ponto em que já estava de saco bastante cheio de quase tudo e todos por ali, embora por um outro lado paradoxalmente gostasse ainda de trabalhar lá, é verdade – ao menos, gostava ainda de estar lá – , gostava dos papos sem pé nem cabeça com os mensageiros, gostava das bandas de Camaro e BMW, você sabe... mas estava cansado daquele terno, por exemplo, e mais do que dele estava cansado daquela maldita gravata, aquele símbolo-mor da opressão capitalista, aquela espécie de coleira, e estava cansado da minha cara com aquela pele lisa como bunda de bebê e daqueles sapatos brilhantes e daquele meu cabelo com gelzinho bem penteado. 
Assim, comecei a relaxar e, devo dizer, logo passei a me sentir realmente bem melhor ao começar a aparecer no hotel com a barba por fazer e o cabelo meio desgrenhado, como um homem de verdade. 
E o principal de tudo: olhava-me no espelho e, pela primeira vez desde que começara a trabalhar lá, sentia que aquele era eu de verdade. 

Na madrugada, com o intuito de prosseguir nesse privilégio do conforto em detrimento das aparências, comecei a ir trabalhar de tênis: um par preto, estrategicamente, para não correr o risco de ser detectado pelas câmeras de segurança – que obviamente estavam lá, afinal de contas, não para cuidar da nossa segurança mas sim para nos vigiar (para quem acha que seja exagero: antes de eu trabalhar lá, recepcionistas da madrugada tiveram armas apontadas para suas fuças em assaltos – mais de uma vez – , mas as tais câmeras só foram instaladas anos depois, quando suspeitou-se que alguns outros colegas andavam fazendo lanchinhos noturnos na cozinha do restaurante e cochilando nos sofás da recepção...), e cuja definição não era tão clara a ponto de detectar o tipo de calçado lá no pé do vivente.

Afrouxava então a gravata, tirava o casaco do terno, e ia jogar sinuca com o mensageiro na sala de jogos.

- Tu tá louco, cara? – perguntava-me o colega, indo meio arrastado, olhando para trás em direção à recepção. – Mas, e se...

Eu lhe respondia, genericamente, que não tinha galho (o que diabos queria dizer aquilo, na prática?...) e, ao chegarmos lá, eu tirava do bolso da calça uma latinha de cerveja e a abria.

- Cara, tu tá doido! – apavorava-se ele, então passando da interrogação para a exclamação.

- Calma, meu... toma aí... – eu respondia-lhe serenamente, tentando tranquilizá-lo, e começava a contar-lhe minha história no hotel, meu “aprendizado” lá com o velho Zeca e tal, as partidas de videogame, a viola, ao que ele pouco a pouco começava a relaxar e logo estava rindo também. – Nada é tão importante assim, meu velho... – concluía eu, enquanto acertava a oito na caçapa do fundo. “Chupa que é de morango! Ajeita as bolas aí de novo, filhão...”

Depois da terceira partida (2x1 para mim – deixei ele ganhar uma para levantar a moral do magrão e não estressá-lo tanto com a participação naquela “contravenção”) o mensageiro voltava então para a recepção para conferir se estava tudo bem por lá e deparava-se com um considerável número de hóspedes do lado de fora, batendo à porta para entrar. Há quanto tempo estariam lá? Ele se apavorava novamente então. Vou perder o emprego assim, cara!...

- Tu acha outro – eu lhe dizia, pragmática e filhadaputamente.

A verdade, como eu disse antes, é que já não estava mais nem aí para nada, mas não podia mesmo envolver meus colegas nessa. Assim, comecei a chamar alguns amigos de fora para me acompanhar na sinuca nas madrugas, deixando o mensageiro lá cuidando da porta...

Nessa toada, certa noite éramos sete na sala de jogos, bebendo e fumando charutos – havia uma espessa nuvem de fumaça sobre a mesa de sinuca – e alguém fatalmente mencionou que só estavam faltando as meninas. Algum outro canalha ligou então para uma garota – enfatizando que ela devia levar as amigas junto. 
Pronto, era só o que faltava.

Logo, pois, chegaram as moças – algumas, aparentemente um tanto quanto perversas demais, devo admitir, que chegaram a preocupar até a mim um pouco pelo andamento da coisa toda... -  e então la fiesta empezó de vez (sim, a certa altura, por algum motivo que não me lembro qual, falávamos também só em portunhol por ali...). O mensageiro voltava então a ficar aterrorizado.

- Fica frio, cara... se der problema, digo que tu não tinha nada a ver... – tentei tranquilizá-lo. Em seguida, porém, deixei-o à vontade para participar da festinha, se quisesse: - qualquer coisa, é só chegar ali... viu aquela ruiva que acabou de entrar? – sorria-lhe, ao que o rosto do capeta se iluminava e logo ele estava lá com a gente, bebendo e fumando, e em seguida agarrado na tal ruiva como se fosse a última daquele espécime de cabelo vermelho do mundo, enquanto na porta da frente do hotel os hóspedes se acumulavam, furibundos.

Na tarde seguinte, chamados eu e o colega pelo gerente para “conversar”, expliquei que aqueles eram amigos meus, tentei comovê-lo dizendo que estávamos bebendo, fumando e jogando em homenagem a um outro amigo, que havia falecido no dia anterior, e tentei tirar o corpo do mensageiro fora, dizendo que ele só abandonou a recepção e foi até a sala de jogos para tentar fazer a gente baixar a bola e meus amigos irem embora – até onde soubéssemos e pudéssemos ver, na sala de jogos ao menos não havia câmeras, graças ao bom Deus dos recepcionistas e mensageiros – , ao que acabou inclusive discutindo por um longo tempo com a gente e mesmo saindo na mão com um dos caras (na noite anterior cheguei a propor para o colega enfiar-lhe a mão na cara, para a coisa ficar mais fidedigna, se fosse o caso, mas ele recusou)... o gerente absolveu o mensageiro, mas eu não escapei de uma advertência, provavelmente mais pelo fato de estar com a barba por fazer e o cabelo bagunçado. Ah, há dias não engraxava os sapatos também – até porque, como dito antes, andava indo trabalhar de tênis... – , o que percebi ter sido o que mais o deixou brabinho de toda a história.

“Aquele filho da puta!”, na sequência da tarde esbravejou também furioso para mim o mensageiro - inclusive fazendo-me ter de segurá-lo por um instante - , referindo-se ao gerente, mas não pela tremenda reprimenda que levamos e sim como reação após eu lhe contar que, ao passar ao lado da sala da gerência num momento que o cabeçudo não estava lá dentro (depois concluí que devia estar no banheiro - e não cagando ou mijando) e olhar meio de revesgueio foi possível perceber, ilustrando a tela do computador do sujeito, no máximo de zoom possível, a imagem congelada da nossa querida ruivinha do evento da madruga anterior...

(Continua)

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