quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Seção "Mais valem algumas palavras do próprio autor - quando este é fera, claro - do que mil resenhas" - "O apanhador no campo de centeio", de J.D. Salinger (por Diego T. Hahn)



Dando sequência, pois, a nossa canastrônica terceirização literária, aqui selecionamos alguns trechos do clássico (juvenil?) de J. D. Salinger.

Ecco, entre muita reclamação (contra quase tudo) - e geralmente temperada com alguns bons palavrões - , algumas tentativas de diálogos pretensamente "filosóficos" e outros deliberadamente superficiais e até meio sem nexo ("só de bobeira", ou, "só de farra", como diz o cara), e, consequentemente, não menos toscas, algumas discussões (algumas descambando até para algumas porradas), protagonizadas pelo nosso amigo aborrecente Holden Caufield, do tipo "(...) ´Ô Ackley!´. Essa sim ele ouviu. ´Mas o que é que você tem, diabo?´, ele disse. ´Pelamordedeus, eu estava dormindo.´ ´Escuta. Como que faz pra entrar pra um mosteiro?´, eu perguntei. Eu estava meio que pensando na possibilidade. ´Tem que ser católico e tal?´. ´Certamente você tem que ser católico. Seu filho de uma puta, você me acordou só pra fazer uma pergunta patét- ´. ´Ah, vai dormir. Eu nem vou entrar pra um mosteiro mesmo. Com a sorte que eu tenho, eu provavelmente ia entrar num que só ia ter o tipo errado de monge. Tudo uns filhos da puta de uns idiotas. Ou só filhos da puta.´ "... (Que profundidade, não?...), mas, então, em meio a essas perambulações retóricas típicas da juventude meio que pelo meio do nada, eis uma preciosidade como esta que segue, da parte do seu ex-professor, sr. Antolini (copo de scotch numa mão e já meio chumbado):

"(...) Quando você superar todos os srs. Vinson, vai começar a chegar cada vez mais perto - quer dizer, se você quiser, e se for atrás, e esperar - do tipo de informação que vai te ser muito, mas muito cara. Entre outras coisas, você vai descobrir que não é a primeira pessoa da história a ficar confusa e assustada e até a sentir repulsa pelo comportamento humano. Você não está de modo algum sozinho nessa posição, vai ficar empolgado e estimulado ao descobrir. Muitos, mas muitos homens tiveram problemas morais e espirituais tão grandes quanto os que você têm agora. Pra nossa felicidade, alguns deles registraram seus problemas. Você vai aprender com eles - se quiser. Exatamente como algum dia, se você tiver algo a oferecer, alguém vai aprender alguma coisa com você. É uma reciprocidade linda. E não é educação. É história. É poesia."
Há ainda, em meio a muita coisa deveras cômica - como quando, após brigar com uma amiga-namoradinha, ele toma todas e resolve telefonar para ela, que antes da briga havia lhe pedido para podar a árvore dela para o Natal ("Tive que discar uns vinte números antes de acertar. Rapaz, como eu estava cego. (...)´Sei. Quero falaca Sally. Portantíssimo. Passaí pra ela. (...) Acorda ela! Acorda ela aê. Issomês.(...) Escuta só. Eu passo aê na vespra do Natal. Tabom? Podá desgraça darve pra você. Tabom? Tabom, hein, Sally?(...)Eles me acertaram. A gangue daquele mafioso do desenhanimado me acertou. Cê sabia? Sally, cê sabia?´ "), outros trechos mais reflexivos, tal qual aquele em que, no saguão de um cinema, analisa as meninas que por ali passam:

"(...) Tinha coisa de um milhão de meninas sentadas e de pé esperando aparecerem os sujeitos que tinham marcado com elas. Meninas de pernas cruzadas, meninas sem pernas cruzadas, meninas com pernas sensacionais, meninas com pernas asquerosas, meninas que pareciam ser meninas supimpas, meninas que pareciam que iam ser umas vacas se você conhecesse. Era uma paisagem bem bacana, se é que você me entende. De certa forma, era meio deprimente também, porque você ficava pensando o que diabos ia acontecer com todas elas. Quando elas saíssem da escola e da universidade, quer dizer. Você pensava que a maioria ali provavelmente ia casar com uns bocós. Uns caras que vivem falando de quantos quilômetros a droga do carro deles faz por litro. Uns caras que ficam putos e agem que nem criancinha se você ganha deles no golfe, ou até em algum jogo idiota como pingue-pongue. Uns caras que são malvados demais. Uns caras que nunca leem um livro. Uns caras que são chatos demais..."
... ou até mesmo comoventes, como quando começa a falar de um trabalho de escola que um colega havia lhe pedido para fazer e acaba enveredando pela memória do falecido irmão mais novo, Allie:

"(...) O negócio é que eu não conseguia pensar num quarto ou numa casa nem em nada pra descrever como o Stradlater disse que eu tinha que fazerEu nem morro muito de amores por descrever quarto e  casa mesmo. Então o que eu fiz foi que eu escrevi sobre a luva de beisebol do meu irmão Allie. Era um tema bem descritivo. Era mesmo. O meu irmão Allie tinha uma luva canhota de defensor. Ele era canhoto. Só que o negócio que era descritivo ali era que ele escreveu uns poemas nos dedos e na palma e na luva inteira. Com tinta verde. Ele escreveu os poemas pra ter alguma coisa pra ler quando estava no campo e ninguém estava rebatendo. Ele já morreu. Teve leucemia e morreu quando a gente estava lá no Maine, no dia 18 de julho de 1946. Você ia ter gostado dele. Ele era dois anos mais novo que eu, mas umas cinquenta vezes mais inteligente. A inteligência dele era um negócio sensacional. Os professores dele viviam escrevendo cartas pra minha mãe, dizendo que prazer que era ter um menino como o Allie na sala. E não estavam só mandando cascata. Era no duro. Mas não era só que ele fosse o membro mais inteligente da família. Ele também era o mais bacana, em tudo que você possa imaginar. Ele nunca ficava bravo com ninguém. Dizem que os ruivos em teoria ficam bravos bem fácil, mas o Allie nunca ficava, e o cabelo dele era bem vermelho. Eu vou te contar o tipo de cabelo vermelho que ele tinha... 
(...) Era esse tipo de cabelo vermelho que ele tinha. Mas, meu Deus, como ele era bacana. Ele ria tanto de alguma coisa que ele tinha pensado na hora do jantar que praticamente caía da cadeira. Eu estava com treze anos só, e eles iam mandar me psicanalizar e tal, porque eu quebrei todos os vidros da garagem. E eu nem posso reclamar. Não mesmo. Eu dormi na garagem na noite que ele morreu, e quebrei a droga daqueles vidros todos com a mão, só de farra. Até tentei quebrar todas as janelas da perua que a gente tinha naquele verão, mas a essa altura eu já estava com a mão quebrada e coisa e tal, e não consegui. Foi um negócio muito idiota de se fazer, isso eu não vou negar, mas eu mal sabia o que estava fazendo, e você não conheceu o Allie."

Eis, pois, nosso amigo Holden Caufield - uma espécie de projeto de Henry Chinaski adolescente (e, por conseguinte, obviamente com bem menos mulheres e bebidas e tal... mas talvez já igualmente fodido da cabeça).



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