- Olha lá...
lá vem chegando mais um... – avisa-me o colega.
Sem levantar
a cabeça e seguindo olhando para o que quer que fosse – e que quase certamente não tinha relação
alguma com o trabalho em si - que eu mirava distraidamente na tela do
computador naquela tardezinha modorrenta, respondo para ele:
- Sim... já senti o odor...
Ele, que
antes olhava para fora, vira-se para mim, curioso:
- Odor?
Ainda sem
tirar os olhos do computador explico.
- Sim. O
cheiro. Chega milhas antes.
– Mas... que cheiro? – indaga-me ele mais uma
vez, enquanto fareja o ar, como procurando antecipar-se a mim e achar a
resposta por conta própria.
- Ora, meu velho... aquele característico fedor
pútrido – detalho didaticamente – ... de hóspede!
– e cuspo na lixeira ao pronunciar aquela palavra – Sabe?... percebo-o quando
eles ainda estão lá dobrando a esquina... é inconfundível.
- Ah, sim,
sim!... Compreendo... – diz ele, que é o mensageiro, como é chamado o cara que
carrega as malas e manobra os carros no hotel – emendando em seguida – E cara de hóspede: olha a cara de paspalho...
- Sim. E jeito
mangolão típico de hóspede. Carregando
todo garboso sua malinha de grife... esperando ser recebido como se fosse o rei
da Suécia...
- Boa tarde.
- Boa tarde,
senhor. Como posso ajudá-lo?
- Vocês têm
quartos disponíveis?
- Bem... de
quantos quartos o senhor precisaria?
- De um só.
- Humm... Ah,
sim... é que o senhor perguntou por “quartos disponíveis”... entendi que...
bem, mas então é somente UM quarto que lhe interessa?...
- Sim, sim.
- Bem, infelizmente,
não, não temos nenhum.
- Nenhum?
- Nenhum.
Zero. Zírou.
- Todos
ocupados?
- Todos.
- Putz...
mas não tem como me conseguir um mesmo?
- Olha, só
se eu construísse um quarto para o
senhor... mas aí, veja bem, eu precisaria antes de mais nada de uma autorização
do proprietário do hotel... ele provavelmente teria que entrar em contato com a
prefeitura e bombeiros, acredito eu, para questões relacionadas a alvará e
mudanças na estrutura do empreendimento... e teria também que falar com o
pessoal do estoque, para comprar o material de construção, o senhor sabe,
tijolos, cimento, argamassa, e...
- Hein?
-Não,
nenhum. Todos ocupados.
- Humm... bom...
Ok... fazer o quê?
- Pois é...
fazer o quê, né?
- Obrigado.
- De nada. Tchau,
tchau.
- Meeeeeuuu,
que mangolão mesmo!... – sussurra o mensageiro – mas... cara... como “não tem
nenhum quarto disponível”? O hotel tá praticamente vazio, velho!...
- Aaaaaaah,
meu amigo... tu é ingênuo mesmo, né? Claro que o hotel tá vazio, claro que
tenho quartos disponíveis... mas não viu a cara de maluco do sujeito?
- Hummm...
não, cara, não reparei mesmo...
- Pois é...
mas eu manjei já de cara: psicopata,
velho... clássico. A gente pega o jeito depois de um tempo aqui na recepção,
sabe?...
- Hummm...
mas não viu no carro dele, cara? Tem mulher e um filhinho...
- Ué. E daí,
mermão? Por acaso psicopatas não podem ter família?? Que preconceito é esse?
- Bom, eu...
não sei... fora o tal Dexter aquele –
que, por sinal, tu tem razão, até tinha mulher e filho – não entendo muito de
psicopatas, cara...
- Pois é.
Mas eu entendo: psicopatas, paranoicos, megalomaníacos, etc... trabalho aqui há
anos: vejo, portanto, espécimes assim o
tempo todo, amigão!
(Continua)
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