sexta-feira, 29 de maio de 2015

Qualé, Seu Carlos??? (A despedida do Sebo Café)


E, como se não bastasse, não é que temos mais uma vultuosa perda literária para a cidade?

Insensíveis aos apelos e lamentos de boa parte da comunidade santa-mariense - inclusive de alguns frequentadores mais desesperados - , o Seu Carlos e a Dona Simone estão de partida, com seu Sebo Café, gatos, e tudo mais, para o litoral paulista...

Esta sexta-feira, 29 de maio, marcou o último dia de funcionamento do local (estive lá e, embora o Sebo tivesse costumeiramente um bom público, impressionei-me com a quantidade de gente presente na simpática casa colorida da Floriano, o que me fez pensar que se você quiser vender bem na cidade uma boa tática talvez seja dizer que você vai embora... será que é jogada de marketing do Seu Carlos - pra não dizer uma pegadinha - e segunda-feira ainda os encontraremos por lá??).

Vão fazer falta, certamente.

Fazer o quê?
Segue o baile (ainda temos, do meu conhecimento, pensando assim de relance, o Sebo Fulô, perto das Dores, e aquele outro da Riachuelo - perdão, mas não lembro o nome agora; procurei no oráculo googliano e não achei essa informação... e quem tiver notícia de outros, por favor, coloque-nos a par!).

Boa sorte, Seu Carlos!, e, como homenagem de despedida, reproduzimos aqui abaixo então este post que havíamos publicado há uns dois anos no De Letra...


Bom, pra tentar amenizar a saudade que a Feira do Livro, com todo seu vuco-vuco e seus interessantes saldos e descontos, vai deixar aí a partir da próxima segunda, vamos aproveitar este espaço para destacar alguns locais nos quais podemos encontrar uma boa leitura e um ambiente aconchegante na nossa Santa Maria, começando hoje com o Sebo Café (não, infelizmente o seu Carlos não está nos pagando “jabá” nem nada assim), localizado na Floriano Peixoto, um pouco abaixo do Bar do Pingo (mais fácil de situar eventuais leitores pinguços).


Você, chegando pela calçada, vê aquela portinha com aquela escadariazinha estreita e a princípio pode acontecer de não dar nada pelo lugar (analisando - e viajando - um pouco agora, poder-se-ia dizer que há um quê de Alice de Carrol, com suas portinholas e por trás delas todo um universo fantástico, aí).  


Pois é a velha história: não julgar um livro pela capa (ainda mais em se tratando de um sebo!)... ao adentrar o recinto, você se perde em um incrivelmente longo corredor, em meio a um oceano de livros – e também CDs, vinis, VHS (para quem não sabe ou não lembra o que é, trata-se da “fita” com a qual se assistia filmes no videocassete, antes de essa ser substituída pelo cd... você não sabe o que é cd?? Bom, deixa pra lá)...
No local, funciona também o Clube dos Enxadristas de Santa Maria.

Quando lá me perdi uma tarde dessas, levei cerca de duas horas para me achar outra vez, e foi quando flagrei-me então diante do caixa com quatro livros em mãos (Os Duelistas, de Joseph Conrad; Armas no Cyrano´s, de Raymond Chandler; Nosso homem em Havana, de Graham Greene; e Teje preso, do Chico Anisio, alguns dos quais já “resenhados” aqui no blog e outros na fila), pelos quais acabei pagando razoáveis 40 barões...

Seu Carlos, que é o proprietário e não pode dar-se ao luxo de perder-se também por ali, adotou o sistema de organizar as obras por gênero e alfabeticamente, facilitando assim também a vida de quem busca títulos ou autores específicos.

Além do mais, o Sebo Café está também vinculado ao Estante Virtual, site através do qual se pode comprar usados por encomenda via internet.


Enfim, devidamente recomendado: um lugar agradável, despojado, onde se tem a possibilidade, em meio àquele infinito de livros, de se deparar com grandes clássicos ou alguma rara obra cult perdida ali pelo meio e por preços bastante interessantes – e, claro, se tomar um bom cafezinho, para, digamos, justificar o nome do local. Vale a visita (atualização: bem, para quem visitar Praia Grande, em SP, certamente continuará valendo!).


quarta-feira, 29 de abril de 2015

25ª Feira do Livro de Caçapava do Sul (com mesa redonda e sessão de autógrafos do "Minha Camisa Vermelha")

E por falar em Feira do Livro, a 25ª edição da de Caçapava do Sul também está começando, no próximo dia 1º de maio.

Para quem estiver passando por aquelas bandas, no domingo, dia 3, temos (estamos) na programação: mesa redonda com os escritores Athos Miralha da Cunha, Diego Hahn, José Luiz dos Santos, José Mauro Batista, Luiz Hugo Burin e Tânia Lopes debatendo “A essência da crônica e o conto coletivo”, às 19 horas.

E na sequencia, às 20 horas, mais uma sessão de autógrafos do "Minha Camisa Vermelha".

sábado, 25 de abril de 2015

42ª Feira do Livro de Santa Maria (com sessão de autógrafos do "Minha camisa vermelha")


Está começando hoje, com o tema "Vire a página para virar realidade", a 42ª edição da Feira do Livro de Santa Maria (RS), cuja patronesse este ano é fundadora da Casa do Poeta de Santa Maria (CAPOSM) e integrante da Academia Santa-Mariense de Letras, Haydée Hostin Lima.
 
O homenageado desta edição é José Newton Cardoso Marchiori, autor de 20 livros e professor do curso de Engenharia Florestal da UFSM. O homenageado póstumo é o escritor, poeta e compositor Vinicius Pitágoras Gomes (1933-2013).

Entre os bate-papos da programação do projeto Livro Livre, destaque para as presenças dos cartunistas Alexandre Beck, criador do Armandinho, e Iotti, do Radicci; do músico e escritor Thedy Corrêa; dos autores de literatura fantástica Eneias Tavares, André Cordenonsi e Nikelen Witter; do jornalista da Globo News André Trigueiro; além do secretário de Cultura do Rio Grande do Sul, Victor Hugo.

Também fazem parte da programação apresentações da Orquestra Sinfônica de Santa Maria e da Orquestra de Brinquedos, que trará um espetáculo com músicas tocadas por instrumentos de brinquedo.


E, entre as tantas e boas sessões de autógrafo, destaque, claro, para o "Minha camisa vermelha", amanhã, domingo, às 17:00 horas.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

"Clareiras" e "Assim como" (por - e em memória de - Ruth Larré)

 
Ainda que passados alguns dias já do repentino e triste acontecido - e após procurar aproveitar o período exatamente para processá-lo da melhor maneira possível - , não poderia deixar de registrar em algumas palavras aqui esta pequena homenagem à Professora Ruth.

Ao escrever o último texto do ano passado aqui no blog, fantasiava de certa forma estar expurgando futuros acontecimentos do gênero, mas a verdade é que custamos a entender que o calendário, como costumeiramente o concebemos, não passa de uma mera ilusão (quando não se torna, como nesses casos, uma desilusão, ao vir um dia de repente nos cobrar as folhinhas arrancadas...) e a vida, com todo seu conjunto de fenômenos naturais e metafísicos, alguns sempre difíceis de se entender, seguirá em frente, inexorável, independente das promessas e encantos aos quais nos apegarmos de tempos em tempos.
 
E ok, não vou citar desta vez aquele poema de John Donne, do qual tanto gosto, embora pense nele novamente neste instante, devido ao nosso mundo ter ficado um pouco menor e por ouvir os sinos dobrando mais uma vez por todos nós aqui neste cantinho do interior do sul do país...
 
O caso é que na parede da casa de nossa família há quase duas dezenas de anos paira um quadro ilustrado por minha mãe no qual consta, entre algumas colagens (fotos de jornais, mostrando flagras do cotidiano de comunidades miseráveis de nossa sociedade, estilizadas com tinta sobre elas), a seguinte frase:

"Ruim é lembrar o gélido abandono dos que se aquecem em raiva e revolta na promiscuidade da miséria".
 
O quadro é resultado de um desafio de um curso de pintura, no qual cada artista deveria criar uma obra baseada em um trecho de um livro. Pois esse trecho que serviu de tema para o quadro, minha mãe o pegou emprestado à época de um texto de autoria exatamente da Professora Ruth.
 
Mas, embora cruzasse com aquela sua frase diariamente por um bom pedaço da minha vida, eu ainda não conhecia a Professora pessoalmente até cerca de 4 ou 5 anos atrás, quando tivemos nosso primeiro contato num curso de Arte Declamatória, ministrado por ela e pela Professora Aristilda Rechia, e que teve lugar na Biblioteca Municipal de SM.
 
E  a última vez que vi a Professora Ruth foi no início da tarde de um sábado de sol, há uns meses atrás. Conversamos por alguns bons minutos na esquina da Floriano com a Venâncio (detalhe engraçado: um amigo - o Juba - passava de carro por ali e, ao nos ver conversando, gritou da janela algo do tipo "Aí! Agora talvez tu aprenda a escrever, hein!??...").
 
Sempre ouvira falar na tal Professora Ruth Larré, que era praticamente uma lenda viva do português e da literatura santamariense, mas fui surpreendido após o concurso de arte declamatória que aconteceu após a conclusão daquele curso na biblioteca com uma performance sua para o público presente, com uma declamação ao mesmo tempo divertidíssima e emocionante, que deixou a todos extasiados - e que mereceu, obviamente, uma pequena standing ovation. Ali percebi que não estava diante tão somente de uma ótima professora de língua portuguesa e literatura, mas de uma verdadeira artista (nem sabia então - e na verdade só soube mesmo recentemente - que ela tinha mesmo também no seu vasto currículo incursões de atriz no teatro e no cinema).
 
Só não precisávamos dessa última arte, claro...
 
Lamento, portanto, além de pela óbvia perda gigantesca da pessoa e da profissional, egoisticamente também, por não poder mais trocar impressões literárias com a Professora Ruth, não poder mais ter o prazer de ler novos textos seus ou saber que ela leu alguns dos meus, num intercâmbio literário intergeracional que muito me honrava...
 
                      A Professora prestigiando o lançamento do meu primeiro livro, na Feira do Livro de Santa Maria de 2012
 
Mas, como sempre acontece nesses casos, ainda nos restará sempre um consolo "mágico": o de poder "reencontrá-la" na estante de casa, onde seguirá, com seu jeito amável e carismático, dando uns toques pra gente.

 
Clareiras
 
Se, depois de tanto tempo,
depois dos desgastes da rotina,
depois do rosto vincado,
do corpo transformado,
das penosas asperezas do caminho,
ainda se abrem clareiras
de ternura
e sopram doces aragens
de paixão,
ah!
é assim que
Deus me mostra
uma certa visão
do paraíso.
 

--------------------------

Assim como

 

Assim como assinalo
no livro do poeta
os poemas que mais me encantam,
os versos que mais me arrebatam,
 
quisera marcar
no livro da vida
cada momento de êxtase,
cada fulgor de grandeza,
cada minuto de comunhão e amor.
 
E ler de novo.
E ler de novo.
E ler de novo.
 
 

sexta-feira, 20 de março de 2015

A importância da leitura e de sonhar acordado (por Neil Gaiman)


Este fantástico (não podia deixar de usar um trocadilho assim justo num texto destes, não é mesmo!?) discurso encontrei ao acaso recentemente lá no ótimo site Papo de Homem (link da matéria do site:http://www.papodehomem.com.br/neil-gaiman-e-o-poder-da-leitura ; só o do vídeo, com a palestra de Gaiman: https://www.youtube.com/watch?v=yNIUWv9_ZH0 ; e um pouco mais abaixo nesta página, a fala transcrita - que, como mencionado no PDH, é grande, mas, se você tem  algum  apreço pela leitura, vale a pena).


Para quem não sabe, Neil Gaiman é mais conhecido como roteirista de quadrinhos (é o "pai" do clássico Sandman), mas também é autor de romances e roteirista de cinema e televisão.
 
* * *
 
"É importante para as pessoas dizerem de que lado elas estão e porque, e se elas podem ou não ser tendenciosas. Um tipo de declaração de interesse dos membros. Então eu estarei conversando com vocês sobre leitura. Direi à vocês que as bibliotecas são importantes. Vou sugerir que ler ficção, que ler por prazer, é uma das coisas mais importantes que alguém pode fazer. Vou fazer um apelo apaixonado para que as pessoas entendam o que as bibliotecas e os bibliotecários são e para que preservem ambos.
E eu sou óbvia e enormemente tendencioso: eu sou um escritor, muitas vezes um autor de ficção. Escrevo para crianças e adultos. Por cerca de 30 anos eu tenho ganhado a minha vida através das minhas palavras, principalmente por inventar as coisas e escrevê-las. Obviamente está em meu interesse que as pessoas leiam, que elas leiam ficção, que bibliotecas e bibliotecários existam para nutrir amor pela leitura e lugares onde a leitura possa ocorrer.
Então sou tendencioso como escritor. Mas eu sou muito, muito mais tendencioso como leitor. E eu sou ainda mais tendencioso enquanto cidadão britânico.
E estou aqui dando essa palestra hoje a noite sob os auspícios da Reading Agency: uma instituição filantrópica cuja missão é dar a todos as mesmas oportunidades na vida, ajudando as pessoas a se tornarem leitores entusiasmados e confiantes. Que apoia programas de alfabetização, bibliotecas e indivíduos e arbitrária e abertamente incentiva o ato da leitura. Porque, eles nos dizem, tudo muda quando lemos.
E é sobre essa mudança e este ato de leitura que quero falar hoje a noite. Eu quero falar sobre o que a leitura faz. O porquê de ela ser boa.
Uma vez eu estava em Nova York e ouvi uma palestra sobre a construção de prisões particulares – uma ampla indústria em crescimento nos Estados Unidos. A indústria de prisões precisa planejar o seu futuro crescimento – quantas celas precisarão? Quantos prisioneiros teremos daqui 15 anos? E eles descobriram que poderiam prever isso muito facilmente, usando um algoritmo bastante simples, baseado em perguntar a porcentagem de crianças de 10 e 11 anos que não conseguiam ler. E certamente não conseguiam ler por prazer.
Não é um pra um: você não pode dizer que uma sociedade alfabetizada não tenha criminalidade. Mas existem correlações bastante reais.
E eu acho que algumas destas correlações, a mais simples, vem de algo muito simples. As pessoas alfabetizadas leem ficção.
A ficção tem duas utilidades. Primeiramente, é uma droga que é uma porta para leituras. O desejo de saber o que acontece em seguida, de querer virar a página, a necessidade de continuar, mesmo que seja difícil, porque alguém está em perigo e você precisa saber como tudo vai acabar… Este é um desejo muito real. E te força a aprender novos mundos, a pensar novos pensamentos, a continuar. Descobrir que a leitura por si é prazerosa. Uma vez que você aprende isso, você está no caminho para ler de tudo. E a leitura é a chave. Houve um burburinho brevemente há alguns anos atrás sobre a ideia de que estávamos vivendo em um mundo pós-alfabetizado, no qual a habilidade de fazer sentido através de palavras escritas estava de alguma forma redundante, mas esses dias acabaram: as palavras são mais importantes do que jamais foram: nós navegamos o mundo com palavras, e uma vez que o mundo desliza para a web, precisamos seguir, comunicar e compreender o que estamos lendo. As pessoas que não podem entender umas às outras não podem trocar ideias, não podem se comunicar e apenas programas de tradução vão tão longe.
A forma mais simples de ter certeza de que educamos crianças alfabetizadas é ensiná-los a ler, e mostrarmos a eles que a leitura é uma atividade prazerosa. E isso significa, na sua forma mais simples, encontrar livros que eles gostem, dar a eles acesso a estes livros e deixar que eles os leiam.
Eu não acho que exista algo como um livro ruim para crianças. Vez e outra se torna moda entre alguns adultos escolher um subconjunto de livros para crianças, um gênero, talvez, ou um autor e declará-los livros ruins, livros que as crianças devem parar de ler. Eu já vi isso acontecer repetidamente; Enid Blyton foi declarado um autor ruim, RL Stine também, assim como dúzias de outros. Quadrinhos tem sido acusados de promover o analfabetismo.
É tosco. É arrogante e é burro. Não existem autores ruins para crianças, que as crianças gostem e querem ler e buscar, por que cada criança é diferente. Eles podem encontrar as histórias que eles precisam, e eles levam a si mesmos nas histórias. Uma ideia banal e desgastada não é banal nem desgastada para eles. Esta é a primeira vez que a criança a encontrou. Não desencoraje uma criança de ler porque você acha que o que eles estão lendo é errado. A ficção que você não gosta é uma rota para outros livros que você pode preferir. E nem todo mundo tem o mesmo gosto que você.
Adultos bem intencionados podem facilmente destruir o amor de uma criança pela leitura: parar de ler pra eles o que eles gostam, ou dar a eles livros ‘chatos mas que valem a pena’ que você gosta, os equivalentes “melhorados” da literatura Vitoriana do século XXI. Você acabará com uma geração convencida de que ler não é legal e pior ainda, desagradável.
Precisamos que nossas crianças entrem na escada da leitura: qualquer coisa que eles gostarem de ler irá movê-las, degrau por degrau, à alfabetização. (Além disso, não faça o que eu fiz quando a minha filha de 11 anos estava gostando de ler RL Stine, que foi pegar uma cópia de Carrie do Stephen King e dizer que se você gosta deste, adorará isto! Holly não leu nada além de histórias seguras de colonos em pradarias pelo resto de sua adolescência e até hoje me dá olhares tortos quando o nome de Stephen King é mencionado).
E a segunda coisa que a ficção faz é construir empatia. Quando você assiste TV ou vê um filme, você está olhando para coisas acontecendo a outras pessoas. Ficção de prosa é algo que você constrói a partir de 26 letras e um punhado de sinais de pontuação, e você, você sozinho, usando a sua imaginação, cria um mundo e o povoa e olha através dos olhos de outros. Você sente coisas, visita lugares e mundos que você jamais conheceria de outro modo. Você aprende que qualquer outra pessoa lá fora é um eu, também. Você está sendo outra pessoa e quando você volta ao seu próprio mundo, você estará levemente transformado.
Empatia é uma ferramenta para tornar pessoas em grupos, que nos permite que funcionemos como mais do que indivíduos auto-obcecados.
Você também está descobrindo algo enquanto lê que é de vital importância para fazer o seu caminho no mundo. E é isto:
O mundo não precisa ser assim. As coisas podem ser diferentes.
Eu estive na China em 2007 na primeira convenção de ficção científica e fantasia aprovada pelo partido na história da China. E em algum momento eu tomei um alto oficial de lado e perguntei a ele “Por que? A ficção científica foi reprovada por tanto tempo. Por que isso mudou?”. É simples, ele me disse. Os chineses eram brilhantes em fazer coisas se outras pessoas trouxessem os planos para eles. Mas eles não inovavam e não inventavam. Eles não imaginavam. Então eles mandaram uma delegação para os Estados Unidos, para a Apple, para a Microsoft, para o Google, e eles perguntaram às pessoas de lá que estavam inventando seu próprio futuro. E eles descobriram que todos eles leram ficção científica quando eram meninos e meninas. A ficção pode te mostrar um outro mundo. Pode te levar para um lugar que você nunca esteve. E uma vez que você tenha visitado outros mundos, como aqueles que comeram a fruta da fada, você pode nunca mais ficar completamente satisfeito com o mundo no qual você cresceu. Descontentamento é uma coisa boa: pessoas descontentes podem modificar e melhorar o mundo, deixá-lo melhor, deixá-lo diferente.E enquanto ainda estamos nesse assunto, eu gostaria de dizer algumas palavras sobre escapismo. Eu ouço o termo utilizado por aí como se fosse uma coisa ruim. Como se ficção “escapista” fosse um ópio barato utilizado pelos confusos e pelos tolos e pelos desiludidos e a única ficção que seja válida, para adultos ou crianças é a ficção mimética, espelhando o pior do mundo em que o leitor ou a leitora se encontra.
Se você estivesse preso em uma situação impossível, em um lugar desagradável, com pessoas que te quisessem mal, e alguém te oferecesse um escape temporário, por que você não ia aceitar isso? E ficção escapista é apenas isso: ficção que abre uma porta, mostra o sol lá fora, te dá um lugar para ir onde você esteja no controle, esteja com pessoas com quem você queira estar (e livros são lugares reais, não se enganem sobre isso); e mais importante, durante o seu escape, livros também podem te dar conhecimento sobre o mundo e o seu predicamento, te dar armas, te dar armaduras: coisas reais que você pode levar de volta para a sua prisão. Habilidades e conhecimento e ferramentas que você pode utilizar para escapar de verdade.
Como JRR Tolkien nos lembrou, as únicas pessoas que fazem injúrias contra o escape são prisioneiros.
Outra forma de destruir o amor de uma criança pela leitura, claro, é se assegurar de que não existam livros de nenhum tipo por perto. E não dar a elas nenhum lugar para que leiam estes livros. Eu tive sorte. Eu tive uma biblioteca local excelente enquanto eu cresci. Eu tive o tipo de pais que podiam ser persuadidos a me deixar na biblioteca no caminho do trabalho deles nas férias de verão, e o tipo de bibliotecários que não se importavam que um menino pequeno e desacompanhado ficasse na biblioteca das crianças todas as manhãs e ficasse mexendo no catálogo de cartões, procurando por livros com fantasmas ou mágica ou foguetes neles, procurando por vampiros ou detetives ou bruxas ou fantasias. E quando eu terminei de ler a biblioteca de crianças eu comecei a de adultos.
Eles eram ótimos bibliotecários. Eles gostavam de livros e eles gostavam dos livros que estavam sendo lidos. Eles me ensinaram como pedir livros das outras bibliotecas em empréstimo inter-bibliotecas. Eles não eram arrogantes em relação a nada que eu lesse. Eles pareciam apenas gostar do fato de existir esse menininho de olhos arregalados que amava ler, e conversariam comigo sobre os livros que eu estava lendo, achariam pra mim outros livros em uma série, eles ajudariam. Eles me tratavam como outro leitor – nem mais, nem menos – o que significa que eles me tratavam com respeito. Eu não estava acostumado a ser tratado com respeito aos oito anos de idade.
Mas as bibliotecas tem a ver com liberdade. A liberdade de ler, a liberdade de ideias, a liberdade de comunicação. Elas tem a ver com educação (que não é um processo que termina no dia que deixamos a escola ou a universidade), com entretenimento, tem a ver com criar espaços seguros e com o acesso à informação.
Eu me preocupo que no século XXI as pessoas entendam errado o que são bibliotecas e qual é o propósito delas. Se você perceber uma biblioteca como estantes com livros, pode parecer antiquado e datado em um mundo no qual a maioria, mas não todos, os livros impressos existem digitalmente. Mas pensar assim é errar o ponto fundamentalmente.
Eu acho que tem a ver com a natureza da informação. A informação tem valor, e a informação certa tem um enorme valor. Por toda a história humana, nós vivemos em escassez de informação e ter a informação desejada era sempre importante, e sempre valia alguma coisa: quando plantar sementes, onde achar as coisas, mapas e histórias e estórias – eles eram sempre bons para uma refeição e companhia. Informação era uma coisa valorosa, e aqueles que a tinham ou podiam obtê-la podiam cobrar por este serviço.
Nos últimos anos, nos mudamos de uma economia de escassez da informação para uma dirigida por um excesso de informação. De acordo com o Eric Schmidt do Google, a cada dois dias agora a raça humana cria tanta informação quanto criávamos desde o início da civilização até 2003. Isto é cerca de cinco exobytes de dados por dia, para vocês que mantém a contagem. O desafio se torna não encontrar aquela planta escassa crescendo no deserto, mas encontrar uma planta específica crescendo em uma floresta. Precisaremos de ajuda para navegar nesta informação e achar a coisa que precisamos de verdade.
Bibliotecas são lugares que pessoas vão para obter informação. Livros são apenas a ponta do iceberg da informação: eles estão lá, e bibliotecas podem fornecer livros gratuitamente e legalmente. Crianças estão emprestando livros de bibliotecas hoje mais do que nunca – livros de todos os tipos: de papel e digital e em áudio. Mas as bibliotecas também são, por exemplo, lugares onde pessoas que não tem computadores, que podem não ter conexão à internet, podem ficar online sem pagar nada: o que é imensamente importante quando a forma que você procura empregos, se candidata para entrevistas ou aplica para benefícios está cada vez mais migrando para o ambiente exclusivamente online. Bibliotecários podem ajudar estas pessoas a navegar neste mundo.
Eu não acredito que todos os livros irão ou devam migrar para as telas: como Douglas Adams uma vez me falou, mais de 20 anos antes do Kindle aparecer, um livro físico é como um tubarão. Tubarões são velhos: existiam tubarões nos oceanos antes dos dinossauros. E a razão de ainda existirem tubarões é que tubarões são melhores em serem tubarões do que qualquer outra coisa que exista. Livros físicos são durões, difíceis de destruir, resistentes à banhos, operam a luz do sol, ficam bem na sua mão: eles são bons em serem livros, e sempre existirá um lugar para eles. Eles pertencem às bibliotecas, bem como as bibliotecas já se tornaram lugares que você pode ir para ter acesso à ebooks, e audio-livros e DVDs e conteúdo na web.
Uma biblioteca é um lugar que é um repositório de informação e dá a cada cidadão acesso igualitário a ele. Isso inclui informação sobre saúde. E informação sobre saúde mental. É um espaço comunitário. É um lugar de segurança, um refúgio do mundo. É um lugar com bibliotecários. Como as bibliotecas do futuro serão é algo que deveríamos estar imaginando agora.
Alfabetização é mais importante do que nunca, nesse mundo de mensagens e e-mail, um mundo de informação escrita. Precisamos ler e escrever, precisamos de cidadãos globais que possam ler confortavelmente, compreender o que estão lendo, entender as nuances e se fazer entender.
As bibliotecas realmente são os portais para o futuro. É tão lamentável que, ao redor do mundo, nós observemos autoridades locais apropriarem-se da oportunidade de fechar bibliotecas como uma maneira fácil de poupar dinheiro, sem perceber que eles estão roubando do futuro para serem pagos hoje. Eles estão fechando os portões que deveriam ser abertos.
De acordo com um estudo recente feito pela Organisation for Economic Cooperation and Development, a Ingaterra é o “único país onde o grupo de mais idade tem mais proficiência tanto em alfabetização quanto em capacidade de usar ou entender as técnicas numéricas da matemática do que o grupo mais jovem, depois de outros fatores, tais como gênero, perfis sócio-econômicos e tipo de ocupações levados em consideração”.
Colocando de outro modo, nossas crianças e netos são menos alfabetizados e menos capazes de utilizar técnicas de matemática do que nós. Eles são menos capazes de navegar o mundo, de entendê-lo e de resolver problemas. Eles podem ser mais facilmente enganados e iludidos, serão menos capazes de mudar o mundo em que se encontram, ser menos empregáveis. Todas essas coisas. E como um país, a Inglaterra ficará para trás em relação a outras nações desenvolvidas porque faltará mão de obra especializada.
Livros são a forma com a qual nós nos comunicamos com os mortos. A forma que aprendemos lições com aqueles que não estão mais entre nós, que a humanidade se construiu, progrediu, fez com que o conhecimento fosse incremental ao invés de algo que precise ser reaprendido, de novo e de novo. Existem contos que são mais velhos que alguns países, contos que sobreviveram às culturas e aos prédios nos quais eles foram contados pela primeira vez.
Eu acho que nós temos responsabilidades com o futuro. Responsabilidades e obrigações com as crianças, com os adultos que essas crianças se tornarão, com o mundo que eles habitarão. Todos nós – enquanto leitores, escritores, cidadãos – temos obrigações. Pensei em tentar explicitar algumas dessas obrigações aqui.
Eu acredito que temos uma obrigação de ler por prazer, em lugares públicos e privados. Se lermos por prazer, se outros nos verem lendo, então nós aprendemos, exercitamos nossas imaginações. Mostramos aos outros que ler é uma coisa boa.
Temos a obrigação de apoiar bibliotecas. De usar bibliotecas, de encorajar outras pessoas a utilizarem bibliotecas, de protestar contra o fechamento de bibliotecas. Se você não valoriza bibliotecas então você não valoriza informação ou cultura ou sabedoria. Você está silenciando as vozes do passado e você está prejudicando o futuro.
Temos a obrigação de ler em voz alta para nossas crianças. De ler pra elas coisas que elas gostem. De ler pra elas histórias das quais já estamos cansados. Fazer as vozes, fazer com que seja interessante e não parar de ler pra elas apenas porque elas já aprenderam a ler sozinhas. Use o tempo de leitura em voz alta para um momento de aproximação, como um tempo onde não se fique checando o telefone, quando as distrações do mundo são postas de lado.
Temos a obrigação de usar a linguagem. De nos esforçarmos: descobrir o que as palavras significam e como empregá-las, nos comunicarmos claramente, de dizer o que estamos querendo dizer. Não devemos tentar congelar a linguagem, ou fingir que é uma coisa morta que deve ser reverenciada, mas devemos usá-la como algo vivo, que flui, que empresta palavras, que permite que significados e pronúncias mudem com o tempo.
Nós escritores – e especialmente escritores para crianças, mas todos os escritores – temos uma obrigação com nossos leitores: é a obrigação de escrever coisas verdadeiras, especialmente importantes quando estamos criando contos de pessoas que não existem em lugares que nunca existiram – entender que a verdade não está no que acontece mas no que ela nos diz sobre quem somos. A ficção é a mentira que diz a verdade, afinal. Temos a obrigação de não entediar nossos leitores, mas fazê-los sentir a necessidade de virar as páginas. Uma das melhores curas para um leitor relutante, afinal, é uma estória que eles não são capazes de parar de ler. E enquanto nós precisamos contar a nossos leitores coisas verdadeiras e dar a ele armas e dar a eles armaduras e passar a eles qualquer sabedoria que recolhemos em nossa curta estadia nesse mundo verde, nós temos a obrigação de não pregar, não ensinar, não forçar mensagens e morais pré-digeridas goela abaixo em nossos leitores como pássaros adultos alimentando seus bebês com vermes pré-mastigados; e nós temos a obrigação de nunca, em nenhuma circunstância, escrever nada para crianças que nós mesmos não gostaríamos de ler.
Temos a obrigação de entender e reconhecer que enquanto escritores para crianças nós estamos fazendo um trabalho importante, porque se nós estragarmos isso e escrevermos livros chatos que distanciam as crianças da leitura e de livros, nós estaremos menosprezando o nosso próprio futuro e diminuindo o deles.
Todos nós – adultos e crianças, escritores e leitores – temos a obrigação de sonhar acordados. Temos a obrigação de imaginar. É fácil fingir que ninguém pode mudar coisa alguma, que estamos num mundo no qual a sociedade é enorme e que o indivíduo é menos que nada: um átomo numa parede, um grão de arroz num arrozal. Mas a verdade é que indivíduos mudam o seu próprio mundo de novo e de novo, indivíduos fazem o futuro e eles fazem isso porque imaginam que as coisas podem ser diferentes.
Olhe à sua volta: eu falo sério. Pare por um momento e olhe em volta da sala em que você está. Eu vou dizer algo tão óbvio que a tendência é que seja esquecido. É isto: que tudo o que você vê, incluindo as paredes, foi, em algum momento, imaginado. Alguém decidiu que era mais fácil sentar numa cadeira do que no chão e imaginou a cadeira. Alguém tinha que imaginar uma forma que eu pudesse falar com vocês em Londres agora mesmo sem que todos ficássemos tomando uma chuva. Este quarto e as coisas nele, e todas as outras coisas nesse prédio, esta cidade, existem porque, de novo e de novo e de novo as pessoas imaginaram coisas.
Temos a obrigação de fazer com que as coisas sejam belas. Não de deixar o mundo mais feio do que já encontramos, não de esvaziar os oceanos, não de deixar nossos problemas para a próxima geração. Temos a obrigação de limpar tudo o que sujamos, e não deixar nossas crianças com um mundo que nós desarrumamos, vilipendiamos e aleijamos de forma míope.
Temos a obrigação de dizer aos nossos políticos o que queremos, votar contra políticos ou quaisquer partidos que não compreendem o valor da leitura na criação de cidadãos decentes, que não querem agir para preservar e proteger o conhecimento e encorajar a alfabetização. Esta não é uma questão de partidos políticos. Esta é uma questão de humanidade em comum.
Uma vez perguntaram a Albert Einstein como ele poderia tornar nossas crianças inteligentes. A resposta dele foi simples e sábia. “Se você quer que crianças sejam inteligentes”, ele disse, “leiam contos de fadas para elas. Se você quer que elas sejam mais inteligentes, leia mais contos de fadas para elas”. Ele entendeu o valor da leitura e da imaginação. Eu espero que possamos dar às nossas crianças um mundo no qual elas possam ler, e que leiam para elas, e imaginar e compreender."
 

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Pelos sebos da vida: "Antes de Adão", de Jack London (por Diego T. Hahn)



Achei este pequeno (no sentido de tamanho mesmo, já que é um pocket) e inacreditavelmente não tão propalado tesouro na Feira do Livro de SM do ano passado (ou retrasado?) e confesso que não esperava lá grandes coisas do mesmo, foi mais um impulso (pelo precinho camarada, é verdade, mas também) de pela primeira vez ler algo do “outro Jack”, o London (não, nunca li nem assisti “Caninos brancos”).


          Talvez o único ponto negativo da obra: capinha cafonaça da edição que adquiri.


O narrador começa a história contando sobre o “poder”, supostamente contido no seu DNA, de, em sonhos, lembrar de fatos acontecidos com um pré-histórico parente seu, memórias transmitidas através das gerações de descendente para descendente na teoria do narrador. E assim, ao pegar no sono, ele revive as aventuras e desventuras desse tatatatatatatatatatatatatatatatatatatatatatatatatatatatatatataravô naqueles tempos inóspitos.
Essa sim é paulada! - com o perdão de algum possível e costumeiro - mas desta vez involuntário - trocadilho infame...


O tal antecessor pertencia à Tribo, que, embora mais evoluída que o Povo das Árvores (quase macacos ainda), estava abaixo do Povo do Fogo (cujo principal carta na manga era exatamente ter o domínio do mesmo, além de uma comunicação mais sofisticada) nessa escala, e vivia nas cavernas.


E, segundo ele, eram tempos realmente difíceis: as tribos quebravam o pau – literalmente – entre si.


Segue contando as recordações que tem em sonhos de perrengues e diversões divididas com aliados, como Orelha-de-Abano, seu grande amigo de fé, irmão, camarada, e outros nem tanto, como Olho-Vermelho, o “atavismo”, que, embora vivesse com a Tribo, reunia características que o remetiam mais ao Povo das Árvores (que, como dito antes, seria uma espécie de tribo menos desenvolvida, evolutivamente falando), características não só físicas (era muito maior que os outros integrantes da Tribo, mais peludo, muito mais forte), como comportamentais, e assim sendo – especialmente pelo costume de matar esposas e eventuais desafetos do grupo sem fazer muito esforço e com uma grande frequência – era temido pelo resto da Tribo. Entre os personagens mais marcantes nessas memórias do narrador há também Ligeira, por quem o Dentuço (como denomina seu antecedente primitivo o narrador) viria a se apaixonar. E o temor às feras da época, especialmente o velho Dente-de-Sabre (obviamente todos esses apelidos são dados pelo narrador com a sua consciência contemporânea, a partir da análise dessas imagens de seus sonhos, pois, à época dos acontecidos, a comunicação era muito rudimentar, à base de grunhidos, e eles evidentemente ainda não conseguiam elaborar nomes).


Coincidentemente, há poucos dias reencontrei (no ótimo acervo da CESMA - Cooperativa dos Estudantes de Santa Maria) um outro pequeno tesouro, dessa vez cinematográfico, que é “A guerra do fogo”, do francês Jean-Jacques Annaud. Havia visto esse filme há uns duzentos e oitenta e quatro anos, provavelmente numa sessão corujão de alguma das nossas emissoras abertas e desde então o procurava incessantemente por tudo que era lugar sem jamais encontrá-lo (nem na internet para, criminosamente, baixar).



Pois o filme gira mais ou menos na mesma época do livro e a história é até bastante parecida (fez-me inclusive suspeitar de uma “inspiração” na obra de London...). 
Embora não se trate de uma comédia (tratar-se-ia de uma aventura épica!?), não poderia deixar de destacar aqui um dos meus trechos favoritos, diante do qual dei até mesmo boas risadas e que, além disso, considero bastante significativo na obra, que é aquele no qual três dos nossos ancestrais encontram uma ancestral menos ancestral, digamos assim, uma menos primitiva (seria o equivalente, provavelmente, a uma integrante do Povo do Fogo do livro, enquanto os três primeiros pertenceriam à Tribo). Estes, não conheciam, e não tinham o costume do riso ainda, e a princípio se assustam e ficam curiosos quando essa garota começa a rir de um acontecimento supostamente engraçado; na sequência, algumas cenas depois, uma enorme pedra cai na cabeça de um deles (quase causando neste um traumatismo craniano!) e ela volta a gargalhar... após um novo estranhamento inicial, os três pouco a pouco então passam a acompanhá-la naquele riso, inclusive aquele que levou a porrada na cabeça, enquanto o sangue empapa seus cabelos e escorre da sua cabeça pelo seu rosto, fazendo-o misturar uma feição de dor com a daquela nova sensação...

Mas o filme vale sem dúvida também para algumas outras interessantes reflexões, como por exemplo, fazendo o caminho inverso, sobre o fato de, mesmo cerca 80 mil anos depois, com toda nossa tecnologia, carros, aviões, computadores, celulares, e nossa suposta evolução comportamental, revoluções dos mais variados gêneros e tudo o mais, essencialmente a humanidade girar ainda em torno da mesma busca dos nossos ancestrais pelo trinômio básico comida, abrigo e, a cereja sobre o bolo, o combustível (que equivaleria também ao poder!?) – no caso deles, o fogo – do qual somos ainda tão dependentes e pelo qual continuamos fazendo guerra (ou, por uma espécie de procuração implícita, alguém por nós; só que de um jeito supostamente mais "elegante" - embora também mais eficiente...), como nos primórdios (saque um daqueles itens da sua vida e veja de que servem efetivamente então todos esses tão preciosos aplicativos de hoje em dia nas nossas telinhas mágicas...). Sob esse aspecto, me parece cômico - e até um pouco patético - nos vermos como criaturas supostamente tão evoluídas e eventualmente ironizarmos aqueles nossos costumes ancestrais...



Ah, uma outra curiosidade a respeito do filme é que o cara que criou o sistema de comunicação, as “línguas” (ou, os sons, os grunhidos) das tribos, foi o mesmo dos “druguinhos”, Antony Burgess (sim, o autor de “Laranja Mecânica”).


No fim do filme (pequeno spoiler, não tão decisivo no contexto geral da obra), um casal primitivo se aconchega um nos braços do outro numa colina à noite olhando com um olhar brilhante para a Lua lá no alto – o que irremediavelmente me remeteu a cena clássica do osso que, jogado ao alto pelo primata, se transforma na sequência, num salto de alguns séculos na edição, numa nave no espaço sideral em “2001 – Uma odisseia no espaço”.


Coincidentemente, meu amigo Ronaldo dia desses me falou muito bem de um livro que havia lido há alguns dias, “Uma breve história do mundo” (não aquele que virou um best-seller recente, o do Geoffrey Blainey, mas o do H.G. Wells, autor também de, entre outros, "A Ilha do Dr. Moreau", "A máquina do tempo" e "A guerra dos mundos" - aquele da transmissão radiofônica de Orson Welles em 1938 que causou pânico em grande parte da população americana por esta acreditar se tratar de uma notícia verídica a narrativa fictícia de um trecho da obra na qual alienígenas invadem o planeta Terra), e, diante da minha curiosidade, me emprestou o mesmo. 


                                                  Este.

Fugindo do gênero costumeiro do autor, o fictício, o livro perpassa, resumidamente, como anunciado no título, toda a história do mundo (entenda-se por mundo, no caso, “tudo” - ou quase: não de todo o Universo, mas do Planeta Terra, desde os primórdios, formação do planeta, primeiras formas de vida, numa escala cronológica, até os dias de hoje, ou melhor, de ontem, até 1922, quando o autor escreveu a obra). E não é que em determinado capítulo, ele narra a história do Neanderthal e do seu provável extermínio por um outro ser mais evoluído, o chamado Homem Verdadeiro, do qual o homem seria um descendente direto, o que me fez pensar que talvez a Tribo do Dentuço descrita na obra de London fosse formada exatamente por Neanderthais (eles são caçados e quase todos eliminados por uma tribo mais “humanizada” - como dito antes, o Povo do Fogo, que seria, na minha hipótese, o equivalente à tribo do Homem Verdadeiro).


Uma raça de seres assemelhados, mais inteligentes, que conheciam mais coisas e que falavam e cooperavam uns com os outros, veio se deslocando para o sul e entrou no mundo dos Neandertais. Eles desalojaram os Neandertais de suas cavernas e de seus locais de descanso; caçavam a mesma comida; provavelmente entraram em guerra com seus medonhos antecessores e os mataram em definitivo”, descreve Wells, como se descrevesse com precisão parte da obra de London, já que a Tribo do Dentuço vivia em cavernas e fora desalojada de lá pelo Povo do Fogo, que dominava uma comunicação mais evoluída e cujos integrantes tinham a faculdade de colaborar entre si, articulando, por exemplo, planos de ataque, ao contrário daquele outro bando, cuja comunicação se resumia a alguns grunhidos indistintos e não tinha o poder de colaboração, sendo que cada um acabava agindo por conta própria, dificultando assim a própria defesa da Tribo.
Mas, enfim, devaneios à parte, para concluir fica uma curiosa reflexão (na verdade, ainda um novo e derradeiro devaneio, poder-se-ia dizer, ou até mesmo um insight, derivado de um eventual antepassado pré-histórico meu, o qual, pelas possíveis características físicas - algumas das quais teria deixado, inclusive, decisivamente como herança genética para a sequência dos descendentes na árvore genealógica - poderia ser chamado de o Tripé), que me veio também de lambuja ao analisar essa fantástica obra de London:
E, no fim das contas, o que haverá ainda hoje em dia de resquício dos nossos primitivos ancestrais ao fecharmos os olhos à noite no aconchego do lar?

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

UFC MMA MMS YMCA (por Diego T. Hahn)


(Em homenagem ao retorno do Anderson Silva - lembra dele? Aquele da propaganda de seguro... - ao batente - e batente talvez seja mesmo o termo mais adequado para designar o ofício em questão - no próximo sábado, não poderíamos deixar de reprisar esta adorável crônica, publicada originalmente no "De Letra" - com alguns tons premonitórios, ou não!? - em 16 de julho de 2013, após a derrota do lutador - a primeira das duas contra o americano aquele - na defesa do cinturão)

Pra começar, confesso que nunca entendi bem esse esquema dessas siglas todas aí, quais as diferenças entre elas, se são categorias diversas ou se são todas a mesma coisa (dizem as más línguas que MMA, por exemplo, é a abreviatura de Muito Macho Agarrado, ou algo assim... não sei, não me prestei a ir pesquisar, mas creio que seja só intriga da oposição).
Mas, enfim... por falar em intriga, o que me intriga mesmo é todo esse fascínio que as tais lutas livres (ou como quer que se chamem) passaram a exercer no público nos últimos tempos.
 

Acho curioso, por exemplo, esse “surto” de artistas que viraram fãs do “esporte”  (por “coincidência”, quase todos vinculados – em bom português, têm contrato  – à rede que transmite as lutas por aqui)...


Acho engraçado também pessoas que antes condenavam, digamos, o boxe, pela sua violência agora terem virado igualmente fãs ardorosos dessa nova modalidade de combate.
Ah, e por falar em boxe: para garantir a integridade física, por assim dizer, dos lutadores, seja do boxe, como também das artes marciais, sempre foi exigido um mínimo de equipamentos de proteção, como luvas, capacetes, peiteiras, saqueiras (aqueles protetores anti-vasectomia traumática), etc...
E por que cargas d´água nos MMAS da vida não há esse cuidado e permite-se que os caras se arrebentem a pau sem proteção alguma?? (Cadê a Polícia Civil? A Federal? Direitos Humanos? ONU?? OTAN? ANVISA???)
Huuuuummm... aaaaaahh, sim... aham... percebo, percebo...
Olha, também assisto vez em quando, quando tô meio à toa na vida, mas a verdade é que sou um hipócrita assumido: não curto. O que me faz ver provavelmente é aquela curiosidade pelo grotesco, que nos faz seguir vendo um filme trash ou até mesmo algum reality show da vida... mas não curto. Por dois motivos principais:
Primeiro porque na realidade a maior parte do tempo da luta acho o negócio um tanto quanto chato... muita ensebação, como costumamos dizer por aqui: rola pra um lado, rola pro outro, se agarra, se solta, se agarra, se solta, rola pra um lado, rola pro outro... e nada.
E segundo, ainda que contraditoriamente em relação ao primeiro motivo, porque quando não estão naquele rala-e-rola sem graça, ao mesmo tempo não consigo compactuar com aquela porradaria extrema ali, caras com a cara arrebentada, sangue jorrando pra todo lado, e tudo aquilo exposto como algo “legal”, como só mais uma modalidade esportiva, pra todo mundo ver na tv, com patrocínios, propaganda, cachorro-quente, pipoca, e tudo...
Aliás, creio que a maioria hoje em dia no fundo continua a se chocar com toda aquela coisa insana ali dentro daquele ringue, mas não admite isso de forma alguma; pelo contrário: jura que acha o máximo!... parece mesmo que admitir que você não goste daquilo possa lhe fazer parecer fraco ou algo assim perante os olhos do resto do mundo...
Não, você tem que babar, gritar, esganar-se, clamando por porrada, por sangue! Isso sim é sinal de força!
Isso sim é sinal de virilidade, de masculinidade! (Ou de feminilidade, conforme o gênero do/da fã)...
Outra coisa interessante: curiosamente também até alguns dias atrás todo mundo babava pelo tal Anderson “Spider” Silva. Agora, dum dia pro outro, só pelo fato de ele ter levado umas bifas na orelha, todo mundo bombardeia o sujeito, chamando-o de arrogante, palhaço, mercenário, vendido, patife, canalha, sem-vergonha, bobo, feio, chato, entre outros tantos impropérios... parece mesmo uma espécie de ciúme:
“Ai, Spider, que óóóódio; beijou a lona e não a mim!...”
Pois vejam só: já eu, que não gostava do cara, agora passei a gostar – talvez exatamente por ele ter perdido. E acho que se é pra existir, tem que haver mesmo um pouco de arte no meio desse troço, um pouco de zoação – como nos velhos e bons telecatchs, por exemplo...
Uma das poucas coisas divertidas, aliás, desse negócio todo, que ao meu ver são as declarações do verdadeiro showman do ramo, o fanfarrão Chael Sonnen, ah!, disso a maioria dos fãs do “esporte” surpreendentemente parecem não gostar, criticam até mesmo, falam em “falta de respeito” e blá blá blá...
Mas isso talvez só seja um sintoma do nosso mundo: as pessoas preferem ver sangue a dar uma boa risada.
Ou levam realmente a sério todo esse circo.
E além do mais, lá vem os teóricos da conspiração de novo: ah, porque o cara entregou, assim como a Espanha entregou pro Brasil na Copa das Confederações e o Brasil pra França na Copa de 98 e...
Tudo bem, eu como um notório teórico das conspirações, respeito as teorias das conspirações alheias, mas essas aí confesso que já me parecem demais.
Uma coisa é dar a cara a tapa, outra a um puta soco que pode te matar.
Se bem que revendo o vídeo do nocaute agora, o Anderson Silva parece forçar bastante mesmo naquela frescura dele e quando ele está no chão o americano meio que “erra” alguns golpes, socando o ar e...

Para, para!! Para, se não eu já acabo me convencendo também!...
Já estou até começando a imaginar um retorno triunfal do Spider, tal qual Rocky Balboa em Rocky 2 diante do Apolo, o Doutrinador, tal qual Superman em Superman 2 diante dos vilões da zona fantasma, tal qual o Grêmio na Segundona diante do Náutico (felizmente não posso citar o meu time como exemplo, pois ele nunca teve um retorno triunfal desses), enfim, um retorno triunfal, reconquistando o cinturão em uma revanche es-pe-ta-cu-lar, épica ,história... afinal, quem não gosta de uma revanche es-pe-ta-cu-lar, épica, história??
Os humildes serão exaltados. E Anderson Silva voltará, depois de humilhado, mais humilde (embora com bem mais grana no bolso) e triunfará.
Anderson Silva é nosso pastor e nada nos faltará.
Porém...
Há teorias também que dão conta que Chris Weidman é um robô, fabricado pela NASA, sob encomenda da CIA, um protótipo de última geração, para botar ordem na casa e manter o imperialismo  ianque em dia. Que porra era essa de um negão do Mercosul mandar no octógono? Já não bastou o “barbudo das Arábia” ter detonado nosso pentágono?
Bom, mas voltando o foco da questão ao nosso estimado público:
E você, cara – sim, você aí, barbado – , não se envergonha, de convidar sua namorada para assistir às duas da madruga de um sábado a dois caras suados só de sunga se agarrando??
Já não bastam os vinte e dois correndo atrás da bola no sábado à tarde?
Até uma infame duma comédia romântica é preferível nesse caso, pô!...
Eu, como disse antes, até assisto também, mas isso se não houver duas moças se agarrando em algum outro canal. Preferência sempre delas, claro. Ladies first.
(Imagem proibida para menores de 18!)
E, para finalizar (tranquilamente, sem chave de braço ou de perna), não querendo dar uma de moralista – embora talvez já dando –, mas quanto a esse papo que as lutas não incentivam a violência, não são um mau exemplo porque é só um esporte e tudo deve ficar ali dentro do ringue e blá blá blá, fica a interrogação:
Se quando é fã de futebol, a gurizadinha mais nova vai pra rua imitar os jogadores chutando uma bola, agora com essa nova geração correndo o risco de virar fã dos MMAs e UFCs da vida, graças a todo esse destaque e propaganda em cima do relativamente novo esporte, vão imitá-los como? Indo para a rua chutar o quê, exatamente?
Enfim, são só conjecturas meio perdidas de mais um sujeito chato que às vezes parece mesmo não achar nada engraçado, macaco, praia, tobogã, UFC, MMA, eu acho tudo isso um saco, mas, bem, é isso, e depois de tudo isso, se você é um lutador esquentadinho e não gostou do que foi escrito aqui, não te faz de rogado, cara: pode vir! Vem! VEM! Vem, que eu encaro a bronca...
Não uso sunga nem pra tomar banho de mar, mas fiz judô no colégio até a faixa azul, porra!!!