quinta-feira, 13 de julho de 2017

O último Rei do Rock (por Diego T. Hahn)


(Para comemorar o Dia Mundial do Rock, que se celebra hoje, 13 de julho, libero em primeira mão especialmente para você, um dos cinco fiéis leitores do "De Letra", este meu texto, inédito para o grande pequeno público em geral, premiado no ano de 2014 na categoria Conto do Concurso Literário Felippe D´Oliveira. Espero que curta - de preferência ao som de um Ozzy ou Led!...)


-                   - ONE-TWO-THREE-FOUR!!!...
É, naquele tempo havia ainda uma meia dúzia deles vagando por aí. Estavam confinados em botecos fuleiros, onde tocavam para minúsculas plateias, que se concentravam especialmente no balcão do bar e eram formadas por uns tiozões de olhos caídos e alguns outros esquisitões. A pista, vazia. Nos cantos dela, ao lado dos pilares, ainda havia umas três ou quatro meninas, cabelos coloridos, piercing e tatuagem em alguma parte da anatomia, vagos resquícios das antigas gruppies. Mas elas não emprestavam sua beleza ao lugar por muito tempo e, assim que terminava o show, partiam para alguma outra casa de espetáculos, para assistir geralmente algum pagode ou sertanejo da vida. Ninguém conseguia mais tirar uma casquinha e restavam lá realmente só os malucos. O rock estava definhando. A cada dia que passava um roqueiro sumia e ressurgia no dia seguinte de chapelão de caubói, formando geralmente uma nova dupla sertaneja. Mas uma meia dúzia ainda resistia.
E, entre eles, Otávio, a lenda.
Pagodeiros e sertanejos não eram vistos exatamente como inimigos. Era “cada um na sua”, simplesmente. Os pagodeiros eram uma realidade com a qual se convivia já há tempos, era algo estabelecido. Mas o fenômeno sertanejo era algo relativamente novo e estava no seu auge, praticamente monopolizando as atenções do grande público. E assim Otávio os via à distância com seus salões e pistas abarrotados e não podia deixar de sentir uma pontada de inveja.
- Lembro sempre daquela vez que toquei pra 30 mil pessoas... – era uma história recorrente sua, de uma ocasião na qual, segundo ele, junto com outras bandas, tocara em um festival musical para um grande público numa cidadezinha do Mato Grosso, em meio a uma tour que fazia pelo país – veja você, no Mato Grosso!, um tradicional reduto deles... – dava ares épicos ao nostálgico relato na mesa do bar quase vazio após o show, rodeado por três bêbados e pelo barman, que aguardava impaciente a partida do derradeiro grupo.
Não havia nenhum registro impresso ou em áudio ou vídeo do tal evento. Ninguém lembrava de ter ouvido falar dele, também. “Era lá pelos anos 70”, tentava situar Otávio. Muitos suspeitavam da veracidade do fato.  Anos 70, ainda por cima... Otávio podia estar doidão e ter imaginado tudo... enfim..
Mas, no fim das contas, vai saber: nos contos de rock, assim como nos de fadas, tudo é possível.
Já nos tempos nos quais se passa esta nossa história, Otávio costumava tocar para públicos de trinta ou quarenta pessoas. Em um outro recente festival no litoral, conseguira a fantástica audiência de 300 cabeças.
Mas Otávio não desistia, seguia na estrada. Ia já para os seus sessenta anos de idade. Via-se como uma referência para os roqueiros mais jovens que ainda tentavam. “Dinossauro do rock”, imaginava sempre, orgulhoso, que se referissem a ele por aí. “O rei do rock”, era mais frequente, que, entre realmente reverente e ao mesmo tempo um tanto quanto sarcástico, voltasse sua atenção a ele o pessoal da geração mais nova. “O último rei do rock”.
E pensar que um personagem folclórico daqueles parecia extinguir-se pouco a pouco no escuro daqueles bares e ninguém percebia aquela perda! – àquelas alturas, ninguém lembrava a trajetória de Otávio; era como se ele tivesse começado nos dias de então, era como se fosse apenas mais um novato, ninguém tinha noção de tudo pelo que passara, as loucuras, aventuras e desventuras da sua vida de roqueiro... parecia que havia começado já no ocaso... era praticamente uma lenda perdida.
Ninguém, exceto, contudo, um estranho nerd estudante de jornalismo com ideais revolucionário-contraculturais - ou algo assim - já na casa dos seus quarenta e poucos, em um outro ponto distante da cidade, um sujeito que tinha há tempos um projeto de um documentário a respeito da vida de Otávio, embora este não conhecesse o cara e nem nunca tivesse ficado sabendo da ideia. O projeto, porém, por motivos dos mais variados, nunca saía do papel e, até o fechamento deste texto não se tem notícia que tenha acontecido e, o mais provável, é imaginar que ele tenha ficado engavetado para todo o sempre, condenando assim a história de Otávio a se perder nas brumas do tempo, entre resquícios de memórias bêbadas e “Aquela vez, no Mato Grosso...”, como seguia ele com aquela história. Parecia que era o que lhe dava forças para seguir adiante, aquela simples lembrança, e o passado um dia viraria futuro.
Mas a verdade é que o rock minguava nos bares e nos clubes. Mesmo os esquisitões, com suas camisas do Led, do Motorhead, do Nirvana, do Pink, e, claro, dos Ramones, pareciam estar desaparecendo. Bem, talvez alguns, que eram mais velhos – realmente, alguns eram até bem mais velhos que Otávio – tivessem mesmo passado desta para a melhor, cogitavam os barmen e as bartenders atrás dos balcões e os músicos em cima do palco, o que os angustiava ainda mais, pois aquelas camisas, pendendo no escuro enquanto o local vibrava com a distorção das guitarras, aquelas camisas eram como estandartes de guerra, eram como um símbolo da resistência, eram como uma fonte de energia e inspiração para os caras em cima do palco, assim como a lembrança do Mato Grosso talvez fosse particularmente para Otávio.
Eis que um belo dia, quando já não havia talvez mais do que três ou quatro bandas de rock na cidade, Otávio foi convidado para tocar novamente em um festival.
- Cara, demais! Lembro, inclusive, daquela vez, no Mato Grosso...
A coisa seria grande. Vários estilos misturados – revezados, contudo, em palcos distintos: seriam dois, um menor, onde tocaria Otávio, entre outros da antiga e iniciantes, e o maior, onde se apresentariam os artistas em evidência no momento. Não seriam trinta mil, como supostamente no Mato Grosso aquela vez, mas previa-se um público de cerca de cinco mil pessoas, o que já era um público e tanto para a cidade, coisa que há tempos não se via mesmo nas imediações.
Pois chegara o grande dia e Otávio apareceu com antecedência ao local onde aconteceria o espetáculo. Não havia ainda ninguém além dele lá. O sol ainda brilhava no céu, o que acentuava as rugas e olheiras do roqueiro, seu longo cabelo desgrenhado em contraste com suas ligeiras entradas no topo da testa, as tatuagens desbotadas no braço. Ele caminhava devagar. Estava cansado. Havia dormido mal. Sentia-se realmente velho então. Sentia, certo, um desgaste físico de uma vida. De uma vida de rock. Mas, mais do que físico também, sentiu-se velho mentalmente ao olhar para aquele palco onde se apresentariam os bambambans e imaginou toda aquela gente ali, aquela juventude gritando, pulando, os caras sorrindo seus sorrisos perfeitos e jovens também no palco, com suas camisas bem passadas e seus chapelões na cabeça. Sentiu-se, mais do que velho, pela primeira vez deslocado, em um ambiente daqueles. Sentiu que sua carreira estava realmente no fim – se é que já não havia acabado. “Dinossauro do rock”. Ora bolas, os dinossauros estavam extintos há eras!...
Entrou no espaço dos camarins, deslocou-se até o seu, uma simples salinha sete por cinco com paredes de madeira, uma mesa e quatro cadeiras no meio, um sofá no canto. Jogou-se no sofá e apagou.
Acordou com os rapazes da banda invadindo o recinto e, empolgados, chamando-o. Dormira. Dormira por horas. Acordava então zonzo. Custou a princípio a dar-se conta de onde estava. Bocejou. Havia agora águas e cervejas em cima da mesa. Puxou uma mineral no gut-gut, enquanto esfregava os olhos. Os rapazes o olhavam, rindo, e um pouco constrangidos.
- Pô, tá com sono, Otávio?
- Logo hoje, cara?
Otávio olhou para eles. Pareceu voltar então a real; voltar ao seu velho mundo.
- Não... – balbuciou, e, em seguida, firmando a voz, complementou, já mais confiante – Não... Não! vamos dar um show do c#%(¨&* pra eles lá embaixo, rapaziada!! – e, após respirar fundo e pegar fôlego, urrou um urro gutural, olhos esbugalhados, como algum guerreiro celta diante da possibilidade de uma boa morte em batalha diante do império romano que avançava imponente.
Os rapazes vibraram, o abraçaram, e foram acabar de se vestir e afinar os instrumentos.
“Se vai começar, vá fundo, vá até o fim...”, pensava consigo mesmo, parafraseando certo velho poeta roqueiro que lhe vinha à mente então.
Desceram ao seu palco e fizeram um baita show. Tocaram para minguadas cinquenta pessoas, mas não importava. Lá embaixo a galera curtia, sim, o show, via-se: balançavam as cabeças, e sorriam contentes, e um que outro levantava o mindinho e o indicador, segurando os outros dedos, e erguia o braço, como a aprovar o som e fazer uma solitária ode ao rock´n roll, e a certa altura uns cinco ou seis começaram a se bater amigavelmente uns contra os outros no meio da pista naquela outra espécie de curioso ritual roqueiro. Em seguida, um inclusive sobe ao palco e joga-se de peito lá embaixo, sendo seguro por outros três, e começando a surfar sobre a galera, não obstante a falta de maiores ondas, enquanto o baixista bradava “Sertanejos não surfam! Sertanejos não surfam!!” – e tudo aquilo era a verdadeira felicidade para Otávio.
Mas parecia faltar algo ainda.
Sim, haviam feito mesmo um ótimo show. Sim, a galera jogou junto. Mas faltava algo para o velho roqueiro. Faltava cruzar alguma fronteira.
Brindaram no camarim, tomaram algumas bebidas e ficaram papeando e rindo juntos e foi divertido, mas depois que os rapazes foram embora, Otávio permaneceu lá, jogado no sofá, pensando na vida. Ou, simplesmente, não pensando.
Voltou sua atenção à realidade quando, no palco maior, uma dupla de sertanejos despedia-se do ruidoso público. Os tais cinco mil deviam estar lá. Aqui somos os trezentos de Esparta, pensou, rindo. Começou a ouvir o som da banda que se apresentava então no palco pequeno. Mais alguns integrantes da resistência. Alguns garotos roqueiros. Idealistas. Tsc, tsc, tsc. Não durarão muito. Ninguém dura muito hoje em dia, pensava Otávio. Mas sentia um extremo orgulho deles ali naquele momento. Sentia um orgulho paternal. Sim, sentia-se mesmo como uma espécie de pai deles.
E, como pai deles, precisava oferecer-lhes proteção. Estava velho, sim, mas, não, não estava acabado. Recém havia mostrado aquilo, exatamente naquele mesmo palco, alguns minutos atrás.
Foi então que vislumbrou tudo. Havia um intervalo no palco maior. O público, ensandecido, permanecia lá, em pé, vibrando, gritando, chamando pela próxima atração – sertaneja, provavelmente; ele não sabia ao certo, mas, sim, devia ser...
Cinco mil pessoas. Aquele enorme palco. Sim, agora ele entendia:
Aquela era a fronteira a cruzar.
Ajeitou-se no sofá. Suas energias se renovavam. Viu-se saindo do camarim, guitarra em punho, cruzando o corredor escuro e entrando, solitariamente, naquele palco iluminado.
Aquele mar de chapéus de caubói lá embaixo. Olhares petrificados nele. Era como o forasteiro cavaleiro solitário invadindo o saloon nos faroestes de antigamente. Mas, gostem ou não gostem, eu estou aqui. Essa era a mensagem.
Arrancaria um solo distorcido de sua velha parceira – não, não tocaria No rancho fundo em homenagem aos “inimigos” da sua época, bradando “Vocês querem sertanejo? Pois ISTO é sertanejo, meus amigos!!”, como você pensou  –  e, olhos fechados, dedicaria aquele seu sacrifício aos deuses do rock. Haveria, a princípio, um silêncio respeitoso na plateia. Depois a mesma se dividiria. Alguns reclamariam, talvez, que não era o que esperavam, não haviam pagado por aquilo, por aquele ritual quase pagão...
Outros, contudo, começariam, no fundo, no fundo, para suas próprias surpresas, a pouco a pouco se sentir bem com aquela vibração, com aquela energia...
Logo ele visualizaria, entre surpreso e divertido, uma meia dúzia de chapéus de caubói se chocando amistosamente no meio da pista, algumas mãos erguidas aqui e ali com seus mindinhos e indicadores imponente e desafiadoramente eretos, alguém levantaria também a camisa xadrez e mostraria embaixo dela a camisa preta do Metallica, e, enquanto ele ainda solava como hipnotizado, o ápice, com um sertanejo subindo ao palco e voando para ser seguro pela multidão e contrariar o baixista da banda de Otávio.
Você sabe, nos contos de rock tudo pode acontecer...
Ou, claro, podia dar tudo errado e ele ser implacavelmente vaiado, a maior vaia de sua vida, e ter garrafinhas de plástico de água jogadas aos montes na sua cabeça... fazia parte correr os riscos...
Fosse como fosse, Otávio, elétrico, como num choque, levantou-se do sofá e catou sua velha guitarra vermelha.
Era sua tão aguardada cruzada final – e, no fim das contas, depois de todo sofrimento, todas as privações, será como roubar o fogo dos deuses, e é a única boa briga que existe, disse para si mesmo, novamente parafraseando aquele velho poeta roqueiro de outrora, que insistia em lhe vir à mente naquele momento.
Afinal, como se diz, rock não é só um estilo musical... rock não é só pancadaria na batera e guitarras distorcidas...
Rock, meu amigo... Rock é atitude!

Oh, yeeeeeaaah!


quarta-feira, 21 de junho de 2017

Pelos sebos da vida: "Mantenha o sistema/ A flor da Inglaterra/ O vil metal/ Moinhos de vento", de George Orwell (por Diego T.Hahn)


Buenas; após uma pequena pausa de férias (de cerca de o quê, meio aninho só!??...), graças a insistentes manifestações de nossos ardorosos 3 ou 4 (milhões de) fiéis leitores we´re back, man! (Prometendo inclusive manter essa fantástica e frenética frequência, com UM POST POR SEMESTRE!! Que tal??? Hein? Hein??) "Eles" não vão conseguir nos calar! (Essa é boa para instigar a "audiência", criar uma polemicazinha, sabe como é... "eles" quem? Quem são "eles"?? Naquelas...) Mas é, como diria o velho filósofo aquele, vocês vão ter que nos engolir! (Embora meu sócio aqui do blog, J., provavelmente nem esteja a par - seja da nossa parada como desta retomada, como creio mesmo que esteja é cagando para isso aqui e nem lembre mais do velho "De Letra" em si... - pronto, aproveitado o momento também para uma pequena e indireta - quase subliminar - D.R. - da qual provavelmente ele também não ficará a par, a propósito! - , vamos em frente!...)


E, pois bem, já na volta, voltamos com uma espécie de "a volta dos que não foram", com essa resenhita de uma obra que podia ter feito parte tanto da sessão "Em busca do livro perdido" aqui do blog (quando era um livro que, por curiosidade, este que aqui escreve o buscava incessantemente por aí há tempos atrás, em livrarias, sebos, etc, sem nunca encontrá-lo) como, posteriormente, daquela intitulada "Leituras em stand-by" (esta destinada a fazer menção a alguma outra obra cuja leitura houvéssemos começado e, por algum motivo - que também tentaríamos eventualmente explicar no texto - , parado). "Mantenha o sistema", de George Orwell, foi difícil de achar, mas, em tempos pós-revolução digital, você pode fugir, mas não pode se esconder, e, enfim foi adquirido, através de um sebo virtual. Depois da sua chegada via correio, contudo, foi também uma leitura meio percalçada em seu início (neste ponto, embora com conteúdos diversos, chego a compará-lo à primeira parte do mcewano "Reparação", um senhor livro, mas o qual requer uma boa "remada" nas primeiras cerca de oitenta arrastadas páginas - portanto, vale sim persistir e vencer a primeira etapa, "a da livraria" - a qual, devo confessar, cheguei mesmo a pular, num expediente pseudo-literário que não me é muito comum mesmo nessas empreitadas aparentemente mais difíceis (isto é, se for o caso, embora também não muito comumente, simplesmente mandamos o produto para a "geladeira" das "Leituras em stand-by") - em "Mantenha o sistema", pois é um bom livro, um legítimo Orwell, embora mesmo o resultado final esteja muito longe do impacto do Mc Iewan mencionado acima, e, numa comparação mais adequada, bastante distante também dos clássicos "1984" e "A revolução dos bichos" - "Mantenha o sistema" seria, aproveitando também a deixa do trocadilho com a situação do protagonista, uma espécie de primo mais pobre - e mais velho, é de 1936 - daqueles...).


Devo dizer, a propósito da tal parte inicial "da livraria", que o que colaborou também para a decisão desse texto sobre o livro aqui foi o fato de ter começado a lê-lo juntamente com uma obra de Calvino, "Se um viajante numa noite de inverno" (este, por sinal, após duas tentativas de engrenada na leitura ao longo de meses de intervalo, acabou novamente voltando para as tais "Leituras em stand-by"!), o qual tem em seu trecho inicial uma curiosa coincidência com este Orwell que aqui destrinchamos.


No livro de Calvino, o narrador, num lance de "metalinguagem" e procurando divulgar a própria obra que se tem em mãos, descreve o leitor adentrando uma livraria e se deparando com inúmeras "classes" de livros a "tentá-lo" antes de chegar ao seu objetivo já definido (que é o próprio livro que se está lendo): a densa barreira dos "Livros Que Você Não Leu", em sub-divisões tais quais a dos "Livros Cuja Leitura é Dispensável", tendo ao lado os "Livros Para Outros Usos Que Não a Leitura", mais adiante os "Livros Já Lidos Sem Que Seja Necessário Abri-los", e na sequência a pesada infantaria dos "Livros Que, Se Você Tivesse Mais Vidas Para Viver, Certamente Leria De Boa Vontade, Mas Infelizmente Os Dias Que Lhe Restam Para Viver Não São Tantos Assim", seguidos dos "Livros Demasiado Caros Que Podem Esperar Para Ser Comprados Quando Forem Revendidos Pela Metade do Preço", os "Livros Que Poderia Pedir Emprestados a Alguém", os "Livros Que Todo Mundo Leu E É Como Se Você Também Os Tivesse Lido", os "Livros Que Deseja Adquirir Para Ter Por Perto Em Qualquer Circunstância", os "Livros Que Você Leu Há Muito Tempo E Que Já Seria Hora De Reler", os "Livros Que Sempre Fingiu Ter Lido E Que Já Seria Hora De Decidir-se A Lê-los Realmente", e por aí vai... 
Pois no livro de Orwell, o protagonista, que na ocasião trabalha numa livraria (e não gosta nem um pouco do trabalho), se refere também aos livros classificando-os em categorias jocosas (ou mesmo sarcásticas) - "Os dorsos polidos e sem manchas suspiravam das estantes: 'Compre-me, compre-me!' ", tais quais as novelas recém-editadas como "noivas ainda virgens a desejar ardentemente que o corta-papel as deflorasse", novelas já criticadas como "viúvas recentes, ainda viçosas, não mais virgens porém", e, "aqui e ali, em grupos de meia dúzia, aquelas coisas patéticas como solteironas, os chamados 'remanescentes', guardando ainda esperançosamente a sua virgindade por tanto tempo preservada"... e segue: "Acima, à direita, ficavam as estantes destinadas à poesia. As que estavam à sua frente continham prosa, uma miscelânea. Para cima e para baixo os livros eram escolhidos entre os baratos e encardidos, enquanto à altura da visão de qualquer cliente ficavam os limpos e caros (Em todas as livrarias se observa uma feroz luta darwiniana entre as obras de autores ainda vivos, colocados sempre à altura da visão do freguês, e as de autores já falecidos, postas acima ou abaixo desse nível - para baixo, para o Gehena, ou para cima, para o trono, mas sempre fora de qualquer local onde possam ser notadas)".


Creio que todo mundo passa vez ou outra por essa situação das tais "coincidências da vida", e isso já aconteceu a este que aqui rabisca em outras ocasiões "literárias", como, por exemplo, quando comecei a ler meu primeiro Bukowski há alguns anos atrás e num daqueles dias locara dois filmes, o famoso musical "Hair" e uma comédia do Jerry Lewis, que continham coincidentemente algo em comum com aquele livro que eu lia do velho safado - no caso de "Hair", o protagonista, como se sabe (e para minha surpresa então, pois eu ainda não sabia) se chama exatamente Bukowski (supostamente numa homenagem ao escritor...); e quanto ao filme de J.L., a certa altura, numa rápida ponta, aparecia um sujeito chamado Milton Berle, que eu não sabia quem era e de quem nunca tinha ouvido falar até um pouco antes (e que já não lembro mais quem é/era também), quando surrealmente lera esse mesmo nome também momentos antes numa curta passagem num dos textos do velho Buk, "trinca" de coincidências interligadas que acabaria jogando-me então num vórtex de elucubrações místicas internas por alguns dias... 
Ou então quando lia a genialmente doida HQ "Shade - o Homem Mutável" em paralelo a um livro sobre relações internacionais (supostamente estudando para um concurso...) e lá pelas tantas em ambas as leituras me salta à vista o termo, até então desconhecido para mim, pluribus unum (expressão latina que significa "de muitos, um" e que seria natural na segunda leitura, mas me pareceu então surpreendente e quase "mágica" na primeira naquele momento - e, portanto, claro, no contexto das duas leituras simultâneas)...
Poderia citar tantas outras situações parecidas (certa vez, ao embarcar num ônibus rumo à capital, começava a ler uma revista que trazia uma grande reportagem sobre inconsciente e subconsciente, quando em seguida espoca na telinha da condução mister Di Caprio invadindo sonhos no nolaniano "A origem", ou ainda, mais recentemente, o fato de ter decidido enfim puxar para ler um livro que zanzava há tempos pela minha estante chamado "Binladenistão", do jornalista Luiz Antônio Araújo - a coincidência, no caso, vem do fato de ter decidido fazê-lo, (supostamente?) ao acaso, nos mesmos dias em que assistia a 4ª temporada da série "Homeland", que, a essa altura, tratava exatamente do tema destrinchado no início do livro, que eram as relações entre o serviço secreto paquistanês e os talibãs - ajudando-me, inclusive, tal leitura, a compreender melhor certas questões a respeito das quais havia boiado um pouco diante da tela...), mas, enfim, o que importa é que no creo en las brujas, pero que las hay, las hay, o que sem dúvida ajudou a me levar a esboçar este texto sobre este obscuro livro de Mr. Blair (o verdadeiro nome de Orwell - Eric Blair) aqui.
Para completar o quadro, poderia citar ainda que a obra que comecei a ler em seguida ao término de "Mantenha o sistema", que foi o kafkiano "O processo" (que, por sinal, lá pela metade acabou indo parar também nas "Leituras em stand-by"... - podem preparar o meu apedrejamento intelectual e tal, mas, pô, o Sr. Homem-Barata é chato bagarai, cara!), tinha o mesmo número de páginas do livro de Orwell: 265. Sim, DU-ZEN-TAS E SES-SEN-TA E CIN-CO!! 
Sabe o que isso quer dizer? Sabe?? 
Bem, como diria aquele outro filósofo, fora a mera coincidência, acho que nada.


Antes de mais nada, porém (embora isso não seja verdade, já que já veio bastante coisa antes, como acima escrito), muito justo é esclarecer que talvez algumas dessas leituras mencionadas não sejam abandonadas simplesmente por seres "ruins" (como obviamente não é o caso do Kafka acima mencionado - aquilo é mais uma "provocaçãozinha" para tentar angariar ibope para o blog... - embora chato sim, de ruim eu não poderia chegar a me atrever a taxá-lo!).
"Mantenha o sistema", por exemplo, quase foi para a geladeira, acho que muito em função de ser uma edição antiga (Editora Hemus), com uma tradução aparentemente meio tosca, erros de digitação, fonte pequena, etc...



   Mas, enfim, vamos a um panorama geral da obra: na capa desta edição (o seu título original, "Keep the aspdistra flying", teve algumas diferentes traduções, ou, melhor até, versões, em português, tais quais, além da aqui já mencionada - que, embora não sendo a mais literal, a que é, ao meu ver, a mais legal - , também as acima ilustradas "O vil metal", "Moinhos de vento" - estas duas, bastante bregas, na minha concepção - , e  "A flor da Inglaterra" - há uma edição mais moderna da obra, se não me engano da Cia das Letras, com esse título, que, ainda que distante, de todos esses seria o mais próximo do original, por mencionar a tal flor - a aspidistra - que o protagonista julga o símbolo maior do seu "inimigo", o deus-dinheiro, por ornar a tal planta quase todos os lares das famílias inglesas de classe média, as quais aspirariam unânimes, conforme a visão do mesmo, por uma vidinha tradicional, com sua casa, um casamento, filhos e um trabalho "decente" - estando este último no cerne da sua cruzada, já que se recusa, por mais bem remunerado que possa ser, a exercer um trabalho qualquer só em função exatamente do dinheiro e deseja, um tanto quanto quixotescamente, viver de literatura, já que é um suposto poeta), temos, no centro de um fundo preto o rosto de uma moça ruiva de olhos azuis, que lembra uma mistura entre a Gina dos palitos de dente e a Julianne Moore (não sei qual o sentido dessa capa, a propósito, já que não há uma mulher de grande destaque na história - o mais próximo disso é a namorada do protagonista, mas que não justificaria também essa ilustração... mas, enfim...). 


Ecco: la Gina Moore orwelliana.

Quanto à história, resumidamente se trata do personagem central, Gordon Comstock, decidindo, como mencionado um pouco acima, travar uma guerra ao deus-dinheiro, ao procurar viver sem se submeter aos caprichos do capitalismo: ele foge de "bons empregos" (que lhe são ofertados e poderiam fazê-lo viver com mais conforto - sua revolta maior é com a área da publicidade, por já ter trabalhado em uma agência e considerar aquele tipo de ocupação o mais cinicamente representativo de tudo o que há de podre no sistema capitalista), enquanto vive com um salário suficiente somente para a moradia em um pequeno quarto de pensão, vestindo roupas esfarrapadas, e sem poder "curtir" a vida com sua amada Rosemary (características que me fizeram lembrar um pouco tanto o triste falecimento recente do músico Belchior como o Harry Haller, de "O lobo da estepe", de Herman Hesse - e ainda, pelo espírito ranzinza, o Ferdinand Bardamu do hipnótico "Viagem ao fim da noite", de Louis-Ferdinand Céline - caramba, este, por sinal, merece faz horas uma homenagem por aqui!). Ainda que de certa forma voluntariamente nessa situação ("Mantenha o sistema" muito provavelmente  deve ter sido inspirado também nos "tempos de mendigo" de Orwell, na década de 20, ainda antes da fama, quando o escritor ainda não exatamente escritor decidiu submeter-se à extrema pobreza, exercendo empregos precários, passando fome, e chegando a morar mesmo na rua, tudo isso um pouco pelas circunstâncias e um pouco pelo voluntário intuito de "observar - e vivenciar - a realidade nua e crua" - o que resultaria, alguns anos depois, na obra semi-autobiográfica "Na pior em Paris e Londres"), Gordon passa o livro reclamando e bradando contra a dominação do dinheiro e de como é humilhado e passa dificuldade por não tê-lo, o que acaba trazendo ocasionalmente toques ligeiramente cômicos à trama, especialmente em suas discussões travadas com o amigo Ravelston, um editor literário e socialista caviar (isto é, rico, mas que procurava infligir-se voluntariamente algumas privações, para viver de acordo com seus ideais - mas não tanto a ponto de não poder comer um bom bife e tomar um bom vinho em um bom restaurante com sua garota) e com a própria Rosemary (impossível também não comparar o passeio do casal pelo campo num dia de domingo com o giro feito por Winston e Júlia no mais famoso orwelliano "1984"- por sinal, a irmã de Gordon se chama também Júlia...), quando imprime sempre seu melodrama em tons exagerados de autopiedade e ácida ironia (sendo que refuta veementemente o socialismo ao qual o amigo tenta convertê-lo, mas vocifera constantemente contra o deus-dinheiro e, em especial, contra o efeito que eles têm sobre as mulheres e essa equação sobre caras sem dinheiro como ele - concordando indiretamente então com a tese de Marx de que a opressão feminina é resultado do capitalismo) - e a obra se esbalda também exatamente (como não poderia deixar de ser num bom Orwell - e aqui ele dava já mostras do que viria cerca de dez anos depois nas suas duas principais obras) em irônicas - e contundentes - críticas à crueza e indiferença do capitalismo e às incoerências e hipocrisia do socialismo - e, claro, do próprio Gordon Comstock, que, na primeira ocasião a receber uma boa remuneração por um trabalho literário, por exemplo, manda as favas boa parte de seus princípios e chuta o pau da barraca em grande estilo, talvez na melhor passagem do livro, sem culpa pelas libras a lhe pesarem no bolso, e as quais ele gasta selvagemente numa noitada divertidamente destruidora na linha "Se beber, não case". 



"Keep the aspidistra flying" foi adaptado também para o cinema, em 1997, tendo Richard E. Grant e Helena Bonham Carter no elenco (com um título alternativo também de "A merry war" - e, incrivelmente, sem tradução do título para o português). 

Para concluir, segue um elucidativo trecho da obra:


"...Continuaram a discutir sobre o socialismo.

            - Sabe, Gordon, já é realmente tempo de você começar a ler Marx - disse Ravelston em tom menos apologético do que de costume, porque o gosto vil da cerveja deixara-o irritado.
           - Com mais facilidade lerei os livros da sra. Humphry Ward - disse Gordon.
           - Mas não compreende que a sua atitude não é razoável? Você está sempre a invectivar o capitalismo e no entanto não aceita a única alternativa possível. Ninguém pode resolver as coisas de modo secreto, clandestino. Temos de aceitar ou o socialismo ou o capitalismo. Não existem outros caminhos.
          - Pois eu lhe digo que não me quero preocupar com o socialismo. Só de pensar nele começo a bocejar.
          - Mas, afinal, quais são suas objeções ao socialismo? 
          - Existe uma única objeção ao socialismo: que ninguém o deseja.
          - Ah, mas certamente é um absurdo dizer uma coisa destas!
          - Isto é, ninguém que possa ver o que o socialismo realmente é.
          - Mas o que o socialismo significa, de acordo com as suas ideias?
          - Ah, alguma coisa assim no estilo de Aldous Huxley em 'Brave New World' ('Admirável Mundo Novo') - só que não tão divertido. Quatro horas por dia em uma fábrica modelo, devidamente rotulado com o número 6003. Rações servidas em papel aluminizado, em cozinhas comunitárias.  Marchas da comunidade inteira, partindo do Hotel Max para o Hotel Lenin e vice-versa. Clínicas para o aborto oficialmente adotado em todas as esquinas. Tudo muito bem dentro do seu sistema, naturalmente. Só que não o desejamos.
            Ravelston suspirou. Em 'Anticristo', uma vez por mês ele repudiava tal versão do socialismo. 
           - Bem, então o que é mesmo que nós desejamos?
           - Só Deus sabe. Tudo o que sabemos é o que não queremos. E isto é o que está errado nos dias de hoje. Estamos encravados, grudados, como o asno de Buridan. Existem três alternativas ao invés de duas e todas as três nos deixam nauseados. O socialismo é uma delas.
           - E quais são as outras duas?
           - Oh, acho que são o suicídio e a Igreja Católica.
           - A Igreja Católica! - exclamou Ravelston com um sorriso anticlerical afrontado - Você considera isto como uma alternativa?
           - Bem, é uma posição tentadora para a classe culta do país, não é mesmo?
           - Não para o que eu chamo de classe culta, de eruditos. Embora exista Eliot, naturalmente - admitiu Ravelston.
           - E haverá muitos outros, você pode apostar. Ouso mesmo dizer que é um bocado confortável sob as asas da Mamãe Igreja. Talvez um pouco insalubre, naturalmente, mas você ali sente-se seguro, de qualquer forma.
           - A mim me parece que isto é apenas uma outra forma de suicídio - disse Ravelston, coçando o nariz.
           - E é, de certa forma. Mas o socialismo também. Pelo menos é uma opção de desespero. Mas não posso cometer suicídio, não o real suicídio. É muito brando, muito suave. Não vou desistir do pedaço que me cabe nesta terra para ninguém. Antes disso prefiro matar uns poucos dos meus inimigos. 
           - E quem são seus inimigos? - perguntou Ravelston, sorrindo novamente.
           - Ah, qualquer um que tenha uma renda acima de quinhentas libras por ano.

(...)     - É tudo besteira, isto que estivemos falando.

           - O que é que é besteira?
           - Tudo isto a respeito de socialismo, capitalismo, o estado do mundo moderno e só Deus sabe o quê. Não dou um figo pelo que acontece ao mundo atual. Se toda a Inglaterra estivesse morrendo de fome com exceção de mim mesmo e das pessoas que me são caras, pouco se me dava.
           - Você não acha que exagera um pouco?
           - Toda esta nossa conversa não passa de um reflexo dos nossos próprios sentimentos. Tudo ditado pelo que temos em nossos bolsos. Posso andar por toda Londres, para cima e para baixo, a dizer que esta é uma cidade de mortos, que nossa civilização está morrendo, que desejo que a guerra seja declarada e mais coisas deste jaez - mas tudo isto apenas significa que meu salário é de duas libras por semana, quando eu gostaria que fosse de cinco.
          Mais uma vez Ravelston lembrou-se, levado por indireta comparação, da enormidade da sua renda pessoal. Coçou o nariz, vagarosamente, com a junta do seu dedo indicador esquerdo. 
          - Naturalmente concordo com você até certo ponto. Afinal de contas é apenas o que Marx disse. Toda ideologia é um reflexo das circunstâncias econômicas.
          - Ah, mas você só entende isto através de Marx! Você não sabe o que significa arrastar-se nesta vida com apenas duas libras por semana. Não se trata de passar privações, pois não é algo assim tão decente como a penúria. É a maldita, a vil, a sórdida mesquinhez da coisa. Viver sozinho durante semanas a fio porque você não tem dinheiro, não tem amigos. Qualificar-se de escritor e nunca chegar a produzir alguma coisa porque você já se desgastou demais para conseguir escrever. Vive-se numa espécie de submundo torpe. Numa espécie de esgoto mental.
          Agora havia começado .Nunca ficavam juntos por muito tempo sem que Gordon começasse a falar naquele estilo. Sabia que as suas maneiras eram as mais vis e que deixava Ravelston horrivelmente embaraçado. Mas ainda assim não se podia conter. Tinha de contar os seus problemas a alguém e Ravelston era a única pessoa que o entendia. A pobreza, como qualquer outra ferida asquerosa, só deve ser exposta ocasionalmente. Começou então a falar, com detalhes obscenos, da sua vida em Willowbed Road. Estendeu-se sobre o cheiro da água servida e do repolho, sobre as garrafas de molhos já cheios de coágulos na sala de jantar sobre a comida miserável e as aspidistras. Descreveu o preparo das suas furtivas xícaras de chá (no seu quarto da pensão, proibidas pela proprietária) e como tinha de proceder para livrar-se das folhas já usadas, jogando-as na privada. Ravelston, sentindo-se terrivelmente culpado, ali estava sentado a revolver o copo entre as mãos, vagarosamente. Contra seu peito, do lado direito, podia sentir a forma quadrada e acusadora da sua carteira, na qual, ele sabia, aninhavam-se notas no total de oito libras e mais duas notas de dez xelins, ao lado do seu gordo e vigoroso talão de cheques. Como eram horríveis os detalhes da pobreza! Não que o que Gordon estivesse descrevendo fosse realmente pobreza - quando muito tratava-se da sua orla. Mas, e quanto aos verdadeiros pobres? Que dizer dos desempregados de Middlesbrough, sete em um quarto, a cinco xelins por semana? Quando existem pessoas que vivem deste modo, como pode alguém ousar sair neste mundo com notas de libras e talões de cheques no bolso?"




(PS: Uma solicitação, amigo(a) deletrista que por ventura ouse ler isso tudo acima: como ficou realmente grande esse texto e não estou disposto a revisá-lo mais uma vez só para verificar esse detalhe, se por acaso encontrar algum "Mantenha o respeito" aí por cima, por favor, nos dê o toque - que não, não é um dos tradicionais trocadilhos infames do blog, mas também não consegui não ouvir martelando o refrão do D2 de trilha de fundo na minha cabeça a cada vez que dava uma fuçada neste post e, portanto, não duvido que possa ter acontecido algum lapso do tipo!... Obrigado pela compreensão)


domingo, 6 de novembro de 2016

1ª Feira do Livro de São João do Polêsine (por Diego T. Hahn)



Pois no início do recém concluído mês de outubro, este carinha que aqui escreve teve o prazer e a honra de participar da 1ª Feira do Livro de São João do Polêsine (RS).


Convidado a bater um papo com a gurizadinha das escolas locais na faixa dos 6 aos 9 anos, fui surpreendido com uma bela participação dessa galerinha, com boas colocações e desconcertantes questionamentos a respeito da minha obra infantil "Todas as crianças do mundo", a qual eles haviam lido e trabalhado previamente na escola.


Mas talvez mais surpreendente ainda tenha sido dar de cara após o bate-papo com o "varal" exposto na praça da cidade com desenhos que as crianças haviam feito também inspiradas em passagens do livro!


Agora, portanto, com licença que eu vou me gavar! - pois, apesar dos milhões que ganho com as vendas dos livros - rá - , não há dinheiro que pague uma espécie de "homenagem" dessas (e eu que já tava achando que, tal qual qual algum Van Gogh da vida, só ia ter meu talento reconhecido depois que batesse as botas!...). Então, seguem algumas (várias! - pois fotografei um por um dos desenhos, claro) fotos abaixo:

























Em suma: não resta que mais uma vez agradecer pelo convite, pela oportunidade, por essa parceria, enfim, e parabenizar a Prefeitura de Polêsine (especialmente pela "ousadia" de arriscar investir ainda em cultura em tempos tão bicudos!) e todo o pessoal da organização, por, apesar de todas as eventuais dificuldades - aquelas de ordem logística, que (apesar de não as ter percebido - do que presenciei, a Feira saiu "redondinha"!) seriam naturais de uma "primeira vez", além das já sabidas financeiras (e onde não?, não é mesmo!?) e, ao mesmo tempo, até da tradicional resistência de parcela da população ao uso de recursos para eventos do gênero - , ter feito uma Feira tão legal, mostrando que, quando há vontade, não é tão difícil assim e dá sim para se fazer!


 
 

É isso aí: Parabéns, Maria Claci, Thayse, e turma!


quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Allez, Xiru!



Temos a honra de divulgar também aqui no De Letra esta fantástica empreitada transoceânica do Xiru Lautério: o personagem guasca de Mestre Byrata circula a cavalo a essas alturas pelas Xâmps Elisê da vida, participando do 4º Festival do Rio Grande do Sul em Paris, para o qual foram ambos, criador e criatura, convidados a dar um chego!



Lá, entre outras atividades nas quais o Mestre estará envolvido, ocorrerá o lançamento da aventura trilinguística do Xiru: a edição de Xiru e os Dinossauros nas versões em francês, espanhol e italiano (esta última, fruto de orgulhosa - e assaz desafiadora! - missão tradutória para este que aqui escreve) - em breve à mão também aqui por estas bandas, claro, aguarde!

Félicitations e bonne chance, Byrratá!

(por Diego T. Hahn)

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Sobre textos e berinjelas (de Juliano Lanius)


Depois de mil anos... (não, não era ressaca de três meses pós-lançamento - ver post anterior - , mas vida que segue - ou, que ferve - mesmo, mil empenhos profissionais, aquela velha história - já devemos ter escrito isso aqui no blog algumas vezes - observação que creio que nos dê algum crédito, se não por motivos de criatividade, ao menos por evitarmos - ainda - nessas circunstâncias o - sempre tentador - uso do famigerado "control c, contro v").

E, enfim, bem em consonância com essa retomada aqui, eis esta singela ode à escrita, do camarada Juliano.


Quando lá pela sexta série, eu estudava em uma escola estadual, situada no bairro onde morava. Uma escola antiga, necessitada de reformas, que hoje já são realidade. Em uma das aulas de português da professora Hilda*, nos foi dado como tarefa uma redação. Ou melhor, a tarefa era justamente escrever uma. Não recordo do tema e, para ser sincero, nem sei se havia um. Mas, lembro que a professora requisitou algo bem “elaborado”. Como se todos os alunos soubessem o que significava aquela palavra. Pois bem, fomos para nossas casas com a missão de entregar o texto “elaborado” na próxima aula.

Sempre gostei muito de música. Escrevia as letras das minhas favoritas e ficava cantando, junto com a fita cassete que tocava no meu “Dois em Um” – na época, meu aparelho de som tinha somente as funções de rádio e toca-fitas. Recordo-me de um rap que chamou a minha atenção. Nos meus sonhos, queria fazer letras iguais àquela. Eureka! Era isso! Eu tinha descoberto a maneira ideal de receber uma nota dez na redação e ainda ser elogiado pela escrita bem “elaborada”. Até aquele momento, eu não desconfiava que as professoras escutassem rap. Pois, a minha, escutava. No dia da devolução do texto corrigido pela professora, aprendi o significado da palavra plágio. E nunca mais esqueci. Ainda bem que a professora teve a sensatez de não me apontar o dedo perante os meus colegas. Ela somente disse que o aluno que tinha tentando enganá-la – no caso, eu – deixasse outro texto em sua mesa na próxima aula. Mas, desta vez, de autoria própria. Foi o que fiz.

Naquela época, eu achava muito difícil escrever. Quase nunca sabia por onde começar. Quando o tema era livre, sem assunto pré-determinado, sem, ao menos, uma dica para incitar a inspiração, ficava imaginando mil coisas. Contudo, não possuía a destreza de colocá-las no papel. Pensava que o título deveria ser o começo de tudo, sendo que não havia a necessidade de se ter uma ordem específica. E aquele negócio de introdução-desenvolvimento-conclusão não entrava de jeito nenhum na minha cabeça. Apesar de que ainda não entrou totalmente. Por que a conclusão tem que ser a última? Por que não posso concluir alguma coisa antes do fim do texto? O que impede que o desenvolvimento se desenvolva na parte introdutória?

Hoje, entendo que escrever é tentar transmitir a uma caneta – no meu caso, uma lapiseira – e um papel toda ânsia que me rói as unhas. Contudo, para um aluno da sexta série, isso era quase impossível. Crianças desta idade geralmente não roem as unhas. A ansiedade delas somente aparece nos dias de entregar aos pais o boletim. Este era um dos únicos momentos em que eu lavava a louça e limpava o meu quarto com prazer. Claro, qualquer coisa que amenizasse o impacto da minha mãe ao ver minhas notas já era uma vantagem. Em verdade, nunca fui mau aluno. Executava as tarefas até antes dos meus colegas. Mas ficava azucrinando a todos quando não tinha mais o que fazer. Hiperativo, como sempre.
Quando nos dispomos a escrever, o fazemos com base nas lembranças, nas ideias e nas crenças que possuímos. Tudo o que escrevemos vai ter, nem que seja, uma pontinha do nosso nariz a aparecer. E acredito que é exatamente deste jeito que deve ser. Devemos nos mostrar, mesmo. Afinal de contas, se fosse para escrever o que os outros já escreveram, com a imparcialidade que não caracteriza os escritores, bastaria tirar um xerox. Eis aqui um dos motivos do meu gosto pela escrita. Sou eu aqui, posso falar de tudo um pouco, e mais um pouco, e mais um pouco...

De uns tempos para cá, quando escrevo, apesar do tempo que me mantive afastado das letras, os temas têm me surgido mais facilmente. Qualquer fato, objeto ou situação que possa parecer propícia a um relato vira texto. Não me considero um escritor assíduo, pois não escrevo todos os dias. Talvez, um dia, escreva mais. Por enquanto, só estou me divertindo. Às vezes, enquanto escrevo, algumas gargalhadas são inevitáveis. Meus vizinhos provavelmente pensam que não passo de um retardado ou de um bêbado que ri sozinho dentro de casa. O que posso fazer? Os motivos da escrita muitas vezes são tão absurdos e inesperados que não seguro uma boa risada.

Espero que a escrita me acompanhe ainda por um bom tempo, para não dizer para sempre. Que todos aqueles que leem estas linhas consigam, também, escrever alguma coisa qualquer sobre qualquer coisa. Se não gostarem do exercício é só não fazer de novo. Nunca tinha comido berinjela e sempre dizia que não gostava. Até o dia em que experimentei as berinjelas empanadas da minha mãe. Maravilhosas! Escrever é isso. Experimentar e saber decidir se te agrada ou não. Arriscar, sem ter medo de errar. Errar, e saber que pode consertar. Consertar, e aprender que é bom errar. Sem medo, sem culpa, só escrevendo.


* O nome verdadeiro da professora foi preservado. ... Tá bom, eu confesso. Não lembro.



sábado, 16 de abril de 2016

Fragmentos de reflexões (por Diego T. Hahn - citando "vários")


Bom, talvez por preguiça - ou medo! (Brincadeirinha) - de emitir aos quatro ventos virtuais uma posição pessoal escrita (e já que, também, considero que esta vale ouro e procuro então não desperdiçá-la assim no mais) pública, oficial e definitiva (como alguns conseguem com tanta facilidade??, na verdade me pergunto...) a respeito de "tudo isso que está rolando aí" (e principalmente para não soar repetitivo, até porque quase tudo já foi escrito e reescrito por todos especialistas ou pseudo-especialistas ou meros reprodutores de notícias, opiniões e mesmo boatos...), vou fazer também eu, meio calhordamente, exatamente isso: simplesmente citar aqui resumex de algumas passagens (de textos, entrevistas, notícias, etc, algumas de umas figuras que pensam mais ou menos como eu, mas que analisam e escrevem bem melhor! - Ok, tem também uma - genial (e internacional) - intervenção direta minha...) que li ou ouvi aqui e ali recentemente e que julgo interessantes para uma reflexão mais ponderada de todos nós (correndo o risco de chegar atrasado, é verdade, pois talvez você só venha a ler isto pós-fatídica-votação-do-impeachment mesmo, mas, enfim, que sirva ao menos um tantinho para que futuramente não nos demos conta, com um sorriso meio amarelo, que "Putz, me enganaram...", ou, pior, "Putz, ME ENGANEI!..."):


Antonio Prata, escritor, sobre dúvidas:

"...'Eu realmente não consigo tomar nenhum lado', confessei. 'Eu também não', disse a Marina. 'Mas será que tem lado? Talvez achar que tem um único lado a ser defendido seja o que justifica as barbaridades de todo mundo. É errado o Lula frequentar um sítio reformado de graça por empreiteiras. É errado a Justiça fazer a condução coercitiva do Lula enquanto investiga o sítio. É errado colocar o Lula de ministro pra fugir da Justiça que o submete a coisas como a condução coercitiva. É errado vazar os grampos do Lula pra imprensa porque ele virou ministro. É um erro alimentando o outro. Enquanto isso, o país sangra e as pessoas piram. Aonde é que vai parar?'
'Você pensa em fazer o quê, Marina?'. 'Já disse que eu não sei. Mas eu tô assustada. Eu não quero que, tipo, daqui a uns seis meses, um ano, aconteça uma desgraça e eu olhe pra trás e veja que eu tava de braços cruzados. Tá meio fevereiro de 1964'. 'Meio Venezuela'. 'Total Venezuela'. 'Cê acha que vai rolar alguma desgraça? Cê acha que vai ter golpe militar? Guerra civil?' Sei lá! Mas o clima tá péssimo e só piora. Teve um pau no WhatsApp da família. Meu tio petista brigou comigo porque eu disse que a Dilma afundou o país e meio tio tucano brigou comigo porque eu disse que os anos Lula foram os melhores da história do Brasil. Ele disse: 'Mas isso não justifica a corrupção do PT!'. Eu disse: 'Claro que não! E o Fernando Henrique estabilizar a moeda também não justifica comprar a emenda da reeleição! E a emenda da reeleição não cancela tudo de bom que o Fernando Henrique fez. Ninguém é santo, ninguém é monstro. Nada é tão preto no branco, nada é tão vermelho ou amarelo."

(Texto "Nada é tão vermelho ou amarelo" na íntegra: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/antonioprata/2016/03/1752017-nao-e-tao-vermelho-ou-amarelo.shtml)

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Cláudia Laitano, jornalista, sobre os "extremistas" ao nosso redor (aqui, ao nosso lado!) e a necessidade de a uma certa altura se tomar coragem e dizer para eles "Peraí; não é bem assim...":
 

"...Devo deixar que os outros façam os discursos mais delirantes até que esvaziem o pote até aqui de mágoa que trazem no estômago, evitando assim um bate-boca ou um mal-estar, ou sou moralmente obrigada a romper a ladainha com um singelo 'não é bem assim', 'isso seria crime', 'na democracia isso não é permitido'? A partir de que momento o silêncio deixa de ser neutro para tornar-se covarde ou cúmplice?
Nos últimos tempos, a violência verbal, dentro e fora dos táxis, deixou de mirar apenas os 'suspeitos de sempre' - bandidos, políticos, torcedores do time adversário - para se espalhar para um grupo maior e mais difuso: gente mais rica ou mais pobre, mais à direita ou à esquerda, vizinhos, conhecidos do Facebook. Em um contexto de insegurança e instabilidade, é fácil ceder à impressão de que estamos em guerra com o resto do mundo e que portanto todas as reações, mesmo as mais irracionais, se justificam. Afinal, estamos defendendo nossa cidadela - a família, o emprego, as ilusões.
Nesse ambiente, acalmar os ânimos mais exaltados e chamar o interlocutor, real ou virtual, à razão talvez tenha deixado de ser uma opção para tornar-se um imperativo ético."

 Texto "Pedras e Setas" na íntegra: http://www.scoopnest.com/es/out/?url=https://t.co/cGHnh3sSTa&id=708321805178642432 )

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Novamente Antonio Prata (fera), agora sobre autocrítica:

"Se aqueles que, como eu, se identificam com muitos ideias da esquerda fizermos vista grossa pros descalabros petistas, não teremos moral para acusar o Ministério Público de fazer vista grossa para os descalabros da oposição.
Outro dia, um amigo veio me dizer que a autocrítica da esquerda era fundamental, mas que agora não era o momento. Acho que ele se equivoca não só eticamente como taticamente. Eticamente, é claro, pois não existe nenhum momento em que possamos compactuar com o crime, a burrice e a incompetência. E taticamente, pois o silêncio da esquerda em relação aos crimes, burrices e incompetências durante o tempo em que o PT está no poder passa a ideia de que a esquerda compactua com a corrupção e o malfeito, de que a corrupção é um mal da esquerda, só da esquerda e que eliminar a esquerda, por meios legais ou ilegais, é o Emplasto Brás Cubas que sanará todos os males de nossa melancólica humanidade - é esse o pensamento que põe a classe média diante da Fiesp e o Bolsonaro nos ombros da multidão.
Sim, há um golpe em curso: um Congresso podre, capitaneado por sua figura mais nefasta, Eduardo Cunha, move um processo de impeachment, em nome da legalidade, para entregar o país nas mãos da Cosa Nostra tupiniquim, o PMDB. (E o PSDB, cujos escândalos de corrupção e citações nas delações, curiosamente, escapam como peixes ensaboados das mãos do Judiciário, já discute a participação no futuro governo.) Mas, diante do panorama de absurdos de todos os lados, o brado 'Não vai ter golpe!' parece não dar conta da complexidade da situação."

(Texto "Crítica e Autocrítica" na íntegra: http://nao.usem.xyz/7gf0)

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Fábio Prikladnick, jornalista, sobre a tal radicalização/polarização política no país (e a dificuldade de 80% da população de pensar por conta própria, acrescentaria eu):

"Sei que você não pode perder nem um minuto porque daqui a pouco já vai sair uma reviravolta no noticiário, mas vamos arranjar um tempinho para ler sobre história, filosofia, ciência política. Vamos testar nossas certezas."

(Texto "Calma, gente!" na íntegra: http://zh.clicrbs.com.br/rs/opiniao/colunistas/fabio-prikladnicki/noticia/2016/03/calma-gente-5202674.html)

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Raúl Castro, Presidente Cubano, respondendo a uma jornalista americana que o questionara sobre não-respeito aos Direitos Humanos (e, complementaria eu, fazendo ao mesmo tempo um mea culpa e um singelo ensaio sobre hipocrisia):

"Que país respeita todos os Direitos Humanos? Você sabe? Eu, sim... Nenhum!".

(https://www.youtube.com/watch?v=xdUH2uGpWQo )

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Eu, ao ver, surpreso, apresentadora de jornal da "grande mídia" tupiniquim citando quase com certa alegria o nome do presidente sírio Bashar al-Assad (quando normalmente ela e colegas costumam fechar o semblante e assumir um ar soturno ao se referir àquele ditador malvado, bobo, feio e chato) ao noticiar a libertação da cidade de Palmira pelo exército daquele país das mãos do Estado Islâmico:

"Caramba! Pra ver como são as coisas..."

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Eliane Brum, jornalista, sobre a o papel da imprensa nessa zoeira toda:

"... Ao mesmo tempo, com os sites dos jornais precisando ser abastecidos, há muita pressa. E é difícil fazer bom jornalismo com pressa. Assim, também podemos testemunhar jornais e noticiários de TV 'comprando', ou mesmo aderindo a versões, e apresentando-as como verdade. E, pior do que isso, apresentando-as como a verdade inteira. Acho que setores da imprensa brasileira terão que dar muitas explicações para a História sobre o seu papel na atual crise."

  (https://zerohora.atavist.com/em-pauta-zh)

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PS: Detalhe: alguns links levam a páginas onde se requer assinatura de jornal... então, se quiser MUITO lê-los na íntegra, talvez tenha que assinar a tal publicação - não é o que eu faço: simplesmente (ou não tão simplesmente assim) me prestei a transcrever das edições impressas que tinha em mãos mesmo... então, se quiser muito lê-las e não quiser assinar as tais publicações, posso também emprestar as matérias no papel (isto é, se já não foram pro lixo seco lá!...).

PS2: Ah, acho que essa notícia ("Notícias falsas são campeãs de compartilhamento na web") é pertinente também!: http://www.msn.com/pt-br/noticias/crise-politica/na-semana-do-impeachment-3-das-5-not%c3%adcias-mais-compartilhadas-no-facebook-s%c3%a3o-falsas/ar-BBrRgYh?li=AAggXC1&ocid=mailsignoutmd

PS3: E aí, deu pra sacar afinal se sou coxinha ou petralha??