sexta-feira, 20 de março de 2015

A importância da leitura e de sonhar acordado (por Neil Gaiman)


Este fantástico (não podia deixar de usar um trocadilho assim justo num texto destes, não é mesmo!?) discurso encontrei ao acaso recentemente lá no ótimo site Papo de Homem (link da matéria do site:http://www.papodehomem.com.br/neil-gaiman-e-o-poder-da-leitura ; só o do vídeo, com a palestra de Gaiman: https://www.youtube.com/watch?v=yNIUWv9_ZH0 ; e um pouco mais abaixo nesta página, a fala transcrita - que, como mencionado no PDH, é grande, mas, se você tem  algum  apreço pela leitura, vale a pena).


Para quem não sabe, Neil Gaiman é mais conhecido como roteirista de quadrinhos (é o "pai" do clássico Sandman), mas também é autor de romances e roteirista de cinema e televisão.
 
* * *
 
"É importante para as pessoas dizerem de que lado elas estão e porque, e se elas podem ou não ser tendenciosas. Um tipo de declaração de interesse dos membros. Então eu estarei conversando com vocês sobre leitura. Direi à vocês que as bibliotecas são importantes. Vou sugerir que ler ficção, que ler por prazer, é uma das coisas mais importantes que alguém pode fazer. Vou fazer um apelo apaixonado para que as pessoas entendam o que as bibliotecas e os bibliotecários são e para que preservem ambos.
E eu sou óbvia e enormemente tendencioso: eu sou um escritor, muitas vezes um autor de ficção. Escrevo para crianças e adultos. Por cerca de 30 anos eu tenho ganhado a minha vida através das minhas palavras, principalmente por inventar as coisas e escrevê-las. Obviamente está em meu interesse que as pessoas leiam, que elas leiam ficção, que bibliotecas e bibliotecários existam para nutrir amor pela leitura e lugares onde a leitura possa ocorrer.
Então sou tendencioso como escritor. Mas eu sou muito, muito mais tendencioso como leitor. E eu sou ainda mais tendencioso enquanto cidadão britânico.
E estou aqui dando essa palestra hoje a noite sob os auspícios da Reading Agency: uma instituição filantrópica cuja missão é dar a todos as mesmas oportunidades na vida, ajudando as pessoas a se tornarem leitores entusiasmados e confiantes. Que apoia programas de alfabetização, bibliotecas e indivíduos e arbitrária e abertamente incentiva o ato da leitura. Porque, eles nos dizem, tudo muda quando lemos.
E é sobre essa mudança e este ato de leitura que quero falar hoje a noite. Eu quero falar sobre o que a leitura faz. O porquê de ela ser boa.
Uma vez eu estava em Nova York e ouvi uma palestra sobre a construção de prisões particulares – uma ampla indústria em crescimento nos Estados Unidos. A indústria de prisões precisa planejar o seu futuro crescimento – quantas celas precisarão? Quantos prisioneiros teremos daqui 15 anos? E eles descobriram que poderiam prever isso muito facilmente, usando um algoritmo bastante simples, baseado em perguntar a porcentagem de crianças de 10 e 11 anos que não conseguiam ler. E certamente não conseguiam ler por prazer.
Não é um pra um: você não pode dizer que uma sociedade alfabetizada não tenha criminalidade. Mas existem correlações bastante reais.
E eu acho que algumas destas correlações, a mais simples, vem de algo muito simples. As pessoas alfabetizadas leem ficção.
A ficção tem duas utilidades. Primeiramente, é uma droga que é uma porta para leituras. O desejo de saber o que acontece em seguida, de querer virar a página, a necessidade de continuar, mesmo que seja difícil, porque alguém está em perigo e você precisa saber como tudo vai acabar… Este é um desejo muito real. E te força a aprender novos mundos, a pensar novos pensamentos, a continuar. Descobrir que a leitura por si é prazerosa. Uma vez que você aprende isso, você está no caminho para ler de tudo. E a leitura é a chave. Houve um burburinho brevemente há alguns anos atrás sobre a ideia de que estávamos vivendo em um mundo pós-alfabetizado, no qual a habilidade de fazer sentido através de palavras escritas estava de alguma forma redundante, mas esses dias acabaram: as palavras são mais importantes do que jamais foram: nós navegamos o mundo com palavras, e uma vez que o mundo desliza para a web, precisamos seguir, comunicar e compreender o que estamos lendo. As pessoas que não podem entender umas às outras não podem trocar ideias, não podem se comunicar e apenas programas de tradução vão tão longe.
A forma mais simples de ter certeza de que educamos crianças alfabetizadas é ensiná-los a ler, e mostrarmos a eles que a leitura é uma atividade prazerosa. E isso significa, na sua forma mais simples, encontrar livros que eles gostem, dar a eles acesso a estes livros e deixar que eles os leiam.
Eu não acho que exista algo como um livro ruim para crianças. Vez e outra se torna moda entre alguns adultos escolher um subconjunto de livros para crianças, um gênero, talvez, ou um autor e declará-los livros ruins, livros que as crianças devem parar de ler. Eu já vi isso acontecer repetidamente; Enid Blyton foi declarado um autor ruim, RL Stine também, assim como dúzias de outros. Quadrinhos tem sido acusados de promover o analfabetismo.
É tosco. É arrogante e é burro. Não existem autores ruins para crianças, que as crianças gostem e querem ler e buscar, por que cada criança é diferente. Eles podem encontrar as histórias que eles precisam, e eles levam a si mesmos nas histórias. Uma ideia banal e desgastada não é banal nem desgastada para eles. Esta é a primeira vez que a criança a encontrou. Não desencoraje uma criança de ler porque você acha que o que eles estão lendo é errado. A ficção que você não gosta é uma rota para outros livros que você pode preferir. E nem todo mundo tem o mesmo gosto que você.
Adultos bem intencionados podem facilmente destruir o amor de uma criança pela leitura: parar de ler pra eles o que eles gostam, ou dar a eles livros ‘chatos mas que valem a pena’ que você gosta, os equivalentes “melhorados” da literatura Vitoriana do século XXI. Você acabará com uma geração convencida de que ler não é legal e pior ainda, desagradável.
Precisamos que nossas crianças entrem na escada da leitura: qualquer coisa que eles gostarem de ler irá movê-las, degrau por degrau, à alfabetização. (Além disso, não faça o que eu fiz quando a minha filha de 11 anos estava gostando de ler RL Stine, que foi pegar uma cópia de Carrie do Stephen King e dizer que se você gosta deste, adorará isto! Holly não leu nada além de histórias seguras de colonos em pradarias pelo resto de sua adolescência e até hoje me dá olhares tortos quando o nome de Stephen King é mencionado).
E a segunda coisa que a ficção faz é construir empatia. Quando você assiste TV ou vê um filme, você está olhando para coisas acontecendo a outras pessoas. Ficção de prosa é algo que você constrói a partir de 26 letras e um punhado de sinais de pontuação, e você, você sozinho, usando a sua imaginação, cria um mundo e o povoa e olha através dos olhos de outros. Você sente coisas, visita lugares e mundos que você jamais conheceria de outro modo. Você aprende que qualquer outra pessoa lá fora é um eu, também. Você está sendo outra pessoa e quando você volta ao seu próprio mundo, você estará levemente transformado.
Empatia é uma ferramenta para tornar pessoas em grupos, que nos permite que funcionemos como mais do que indivíduos auto-obcecados.
Você também está descobrindo algo enquanto lê que é de vital importância para fazer o seu caminho no mundo. E é isto:
O mundo não precisa ser assim. As coisas podem ser diferentes.
Eu estive na China em 2007 na primeira convenção de ficção científica e fantasia aprovada pelo partido na história da China. E em algum momento eu tomei um alto oficial de lado e perguntei a ele “Por que? A ficção científica foi reprovada por tanto tempo. Por que isso mudou?”. É simples, ele me disse. Os chineses eram brilhantes em fazer coisas se outras pessoas trouxessem os planos para eles. Mas eles não inovavam e não inventavam. Eles não imaginavam. Então eles mandaram uma delegação para os Estados Unidos, para a Apple, para a Microsoft, para o Google, e eles perguntaram às pessoas de lá que estavam inventando seu próprio futuro. E eles descobriram que todos eles leram ficção científica quando eram meninos e meninas. A ficção pode te mostrar um outro mundo. Pode te levar para um lugar que você nunca esteve. E uma vez que você tenha visitado outros mundos, como aqueles que comeram a fruta da fada, você pode nunca mais ficar completamente satisfeito com o mundo no qual você cresceu. Descontentamento é uma coisa boa: pessoas descontentes podem modificar e melhorar o mundo, deixá-lo melhor, deixá-lo diferente.E enquanto ainda estamos nesse assunto, eu gostaria de dizer algumas palavras sobre escapismo. Eu ouço o termo utilizado por aí como se fosse uma coisa ruim. Como se ficção “escapista” fosse um ópio barato utilizado pelos confusos e pelos tolos e pelos desiludidos e a única ficção que seja válida, para adultos ou crianças é a ficção mimética, espelhando o pior do mundo em que o leitor ou a leitora se encontra.
Se você estivesse preso em uma situação impossível, em um lugar desagradável, com pessoas que te quisessem mal, e alguém te oferecesse um escape temporário, por que você não ia aceitar isso? E ficção escapista é apenas isso: ficção que abre uma porta, mostra o sol lá fora, te dá um lugar para ir onde você esteja no controle, esteja com pessoas com quem você queira estar (e livros são lugares reais, não se enganem sobre isso); e mais importante, durante o seu escape, livros também podem te dar conhecimento sobre o mundo e o seu predicamento, te dar armas, te dar armaduras: coisas reais que você pode levar de volta para a sua prisão. Habilidades e conhecimento e ferramentas que você pode utilizar para escapar de verdade.
Como JRR Tolkien nos lembrou, as únicas pessoas que fazem injúrias contra o escape são prisioneiros.
Outra forma de destruir o amor de uma criança pela leitura, claro, é se assegurar de que não existam livros de nenhum tipo por perto. E não dar a elas nenhum lugar para que leiam estes livros. Eu tive sorte. Eu tive uma biblioteca local excelente enquanto eu cresci. Eu tive o tipo de pais que podiam ser persuadidos a me deixar na biblioteca no caminho do trabalho deles nas férias de verão, e o tipo de bibliotecários que não se importavam que um menino pequeno e desacompanhado ficasse na biblioteca das crianças todas as manhãs e ficasse mexendo no catálogo de cartões, procurando por livros com fantasmas ou mágica ou foguetes neles, procurando por vampiros ou detetives ou bruxas ou fantasias. E quando eu terminei de ler a biblioteca de crianças eu comecei a de adultos.
Eles eram ótimos bibliotecários. Eles gostavam de livros e eles gostavam dos livros que estavam sendo lidos. Eles me ensinaram como pedir livros das outras bibliotecas em empréstimo inter-bibliotecas. Eles não eram arrogantes em relação a nada que eu lesse. Eles pareciam apenas gostar do fato de existir esse menininho de olhos arregalados que amava ler, e conversariam comigo sobre os livros que eu estava lendo, achariam pra mim outros livros em uma série, eles ajudariam. Eles me tratavam como outro leitor – nem mais, nem menos – o que significa que eles me tratavam com respeito. Eu não estava acostumado a ser tratado com respeito aos oito anos de idade.
Mas as bibliotecas tem a ver com liberdade. A liberdade de ler, a liberdade de ideias, a liberdade de comunicação. Elas tem a ver com educação (que não é um processo que termina no dia que deixamos a escola ou a universidade), com entretenimento, tem a ver com criar espaços seguros e com o acesso à informação.
Eu me preocupo que no século XXI as pessoas entendam errado o que são bibliotecas e qual é o propósito delas. Se você perceber uma biblioteca como estantes com livros, pode parecer antiquado e datado em um mundo no qual a maioria, mas não todos, os livros impressos existem digitalmente. Mas pensar assim é errar o ponto fundamentalmente.
Eu acho que tem a ver com a natureza da informação. A informação tem valor, e a informação certa tem um enorme valor. Por toda a história humana, nós vivemos em escassez de informação e ter a informação desejada era sempre importante, e sempre valia alguma coisa: quando plantar sementes, onde achar as coisas, mapas e histórias e estórias – eles eram sempre bons para uma refeição e companhia. Informação era uma coisa valorosa, e aqueles que a tinham ou podiam obtê-la podiam cobrar por este serviço.
Nos últimos anos, nos mudamos de uma economia de escassez da informação para uma dirigida por um excesso de informação. De acordo com o Eric Schmidt do Google, a cada dois dias agora a raça humana cria tanta informação quanto criávamos desde o início da civilização até 2003. Isto é cerca de cinco exobytes de dados por dia, para vocês que mantém a contagem. O desafio se torna não encontrar aquela planta escassa crescendo no deserto, mas encontrar uma planta específica crescendo em uma floresta. Precisaremos de ajuda para navegar nesta informação e achar a coisa que precisamos de verdade.
Bibliotecas são lugares que pessoas vão para obter informação. Livros são apenas a ponta do iceberg da informação: eles estão lá, e bibliotecas podem fornecer livros gratuitamente e legalmente. Crianças estão emprestando livros de bibliotecas hoje mais do que nunca – livros de todos os tipos: de papel e digital e em áudio. Mas as bibliotecas também são, por exemplo, lugares onde pessoas que não tem computadores, que podem não ter conexão à internet, podem ficar online sem pagar nada: o que é imensamente importante quando a forma que você procura empregos, se candidata para entrevistas ou aplica para benefícios está cada vez mais migrando para o ambiente exclusivamente online. Bibliotecários podem ajudar estas pessoas a navegar neste mundo.
Eu não acredito que todos os livros irão ou devam migrar para as telas: como Douglas Adams uma vez me falou, mais de 20 anos antes do Kindle aparecer, um livro físico é como um tubarão. Tubarões são velhos: existiam tubarões nos oceanos antes dos dinossauros. E a razão de ainda existirem tubarões é que tubarões são melhores em serem tubarões do que qualquer outra coisa que exista. Livros físicos são durões, difíceis de destruir, resistentes à banhos, operam a luz do sol, ficam bem na sua mão: eles são bons em serem livros, e sempre existirá um lugar para eles. Eles pertencem às bibliotecas, bem como as bibliotecas já se tornaram lugares que você pode ir para ter acesso à ebooks, e audio-livros e DVDs e conteúdo na web.
Uma biblioteca é um lugar que é um repositório de informação e dá a cada cidadão acesso igualitário a ele. Isso inclui informação sobre saúde. E informação sobre saúde mental. É um espaço comunitário. É um lugar de segurança, um refúgio do mundo. É um lugar com bibliotecários. Como as bibliotecas do futuro serão é algo que deveríamos estar imaginando agora.
Alfabetização é mais importante do que nunca, nesse mundo de mensagens e e-mail, um mundo de informação escrita. Precisamos ler e escrever, precisamos de cidadãos globais que possam ler confortavelmente, compreender o que estão lendo, entender as nuances e se fazer entender.
As bibliotecas realmente são os portais para o futuro. É tão lamentável que, ao redor do mundo, nós observemos autoridades locais apropriarem-se da oportunidade de fechar bibliotecas como uma maneira fácil de poupar dinheiro, sem perceber que eles estão roubando do futuro para serem pagos hoje. Eles estão fechando os portões que deveriam ser abertos.
De acordo com um estudo recente feito pela Organisation for Economic Cooperation and Development, a Ingaterra é o “único país onde o grupo de mais idade tem mais proficiência tanto em alfabetização quanto em capacidade de usar ou entender as técnicas numéricas da matemática do que o grupo mais jovem, depois de outros fatores, tais como gênero, perfis sócio-econômicos e tipo de ocupações levados em consideração”.
Colocando de outro modo, nossas crianças e netos são menos alfabetizados e menos capazes de utilizar técnicas de matemática do que nós. Eles são menos capazes de navegar o mundo, de entendê-lo e de resolver problemas. Eles podem ser mais facilmente enganados e iludidos, serão menos capazes de mudar o mundo em que se encontram, ser menos empregáveis. Todas essas coisas. E como um país, a Inglaterra ficará para trás em relação a outras nações desenvolvidas porque faltará mão de obra especializada.
Livros são a forma com a qual nós nos comunicamos com os mortos. A forma que aprendemos lições com aqueles que não estão mais entre nós, que a humanidade se construiu, progrediu, fez com que o conhecimento fosse incremental ao invés de algo que precise ser reaprendido, de novo e de novo. Existem contos que são mais velhos que alguns países, contos que sobreviveram às culturas e aos prédios nos quais eles foram contados pela primeira vez.
Eu acho que nós temos responsabilidades com o futuro. Responsabilidades e obrigações com as crianças, com os adultos que essas crianças se tornarão, com o mundo que eles habitarão. Todos nós – enquanto leitores, escritores, cidadãos – temos obrigações. Pensei em tentar explicitar algumas dessas obrigações aqui.
Eu acredito que temos uma obrigação de ler por prazer, em lugares públicos e privados. Se lermos por prazer, se outros nos verem lendo, então nós aprendemos, exercitamos nossas imaginações. Mostramos aos outros que ler é uma coisa boa.
Temos a obrigação de apoiar bibliotecas. De usar bibliotecas, de encorajar outras pessoas a utilizarem bibliotecas, de protestar contra o fechamento de bibliotecas. Se você não valoriza bibliotecas então você não valoriza informação ou cultura ou sabedoria. Você está silenciando as vozes do passado e você está prejudicando o futuro.
Temos a obrigação de ler em voz alta para nossas crianças. De ler pra elas coisas que elas gostem. De ler pra elas histórias das quais já estamos cansados. Fazer as vozes, fazer com que seja interessante e não parar de ler pra elas apenas porque elas já aprenderam a ler sozinhas. Use o tempo de leitura em voz alta para um momento de aproximação, como um tempo onde não se fique checando o telefone, quando as distrações do mundo são postas de lado.
Temos a obrigação de usar a linguagem. De nos esforçarmos: descobrir o que as palavras significam e como empregá-las, nos comunicarmos claramente, de dizer o que estamos querendo dizer. Não devemos tentar congelar a linguagem, ou fingir que é uma coisa morta que deve ser reverenciada, mas devemos usá-la como algo vivo, que flui, que empresta palavras, que permite que significados e pronúncias mudem com o tempo.
Nós escritores – e especialmente escritores para crianças, mas todos os escritores – temos uma obrigação com nossos leitores: é a obrigação de escrever coisas verdadeiras, especialmente importantes quando estamos criando contos de pessoas que não existem em lugares que nunca existiram – entender que a verdade não está no que acontece mas no que ela nos diz sobre quem somos. A ficção é a mentira que diz a verdade, afinal. Temos a obrigação de não entediar nossos leitores, mas fazê-los sentir a necessidade de virar as páginas. Uma das melhores curas para um leitor relutante, afinal, é uma estória que eles não são capazes de parar de ler. E enquanto nós precisamos contar a nossos leitores coisas verdadeiras e dar a ele armas e dar a eles armaduras e passar a eles qualquer sabedoria que recolhemos em nossa curta estadia nesse mundo verde, nós temos a obrigação de não pregar, não ensinar, não forçar mensagens e morais pré-digeridas goela abaixo em nossos leitores como pássaros adultos alimentando seus bebês com vermes pré-mastigados; e nós temos a obrigação de nunca, em nenhuma circunstância, escrever nada para crianças que nós mesmos não gostaríamos de ler.
Temos a obrigação de entender e reconhecer que enquanto escritores para crianças nós estamos fazendo um trabalho importante, porque se nós estragarmos isso e escrevermos livros chatos que distanciam as crianças da leitura e de livros, nós estaremos menosprezando o nosso próprio futuro e diminuindo o deles.
Todos nós – adultos e crianças, escritores e leitores – temos a obrigação de sonhar acordados. Temos a obrigação de imaginar. É fácil fingir que ninguém pode mudar coisa alguma, que estamos num mundo no qual a sociedade é enorme e que o indivíduo é menos que nada: um átomo numa parede, um grão de arroz num arrozal. Mas a verdade é que indivíduos mudam o seu próprio mundo de novo e de novo, indivíduos fazem o futuro e eles fazem isso porque imaginam que as coisas podem ser diferentes.
Olhe à sua volta: eu falo sério. Pare por um momento e olhe em volta da sala em que você está. Eu vou dizer algo tão óbvio que a tendência é que seja esquecido. É isto: que tudo o que você vê, incluindo as paredes, foi, em algum momento, imaginado. Alguém decidiu que era mais fácil sentar numa cadeira do que no chão e imaginou a cadeira. Alguém tinha que imaginar uma forma que eu pudesse falar com vocês em Londres agora mesmo sem que todos ficássemos tomando uma chuva. Este quarto e as coisas nele, e todas as outras coisas nesse prédio, esta cidade, existem porque, de novo e de novo e de novo as pessoas imaginaram coisas.
Temos a obrigação de fazer com que as coisas sejam belas. Não de deixar o mundo mais feio do que já encontramos, não de esvaziar os oceanos, não de deixar nossos problemas para a próxima geração. Temos a obrigação de limpar tudo o que sujamos, e não deixar nossas crianças com um mundo que nós desarrumamos, vilipendiamos e aleijamos de forma míope.
Temos a obrigação de dizer aos nossos políticos o que queremos, votar contra políticos ou quaisquer partidos que não compreendem o valor da leitura na criação de cidadãos decentes, que não querem agir para preservar e proteger o conhecimento e encorajar a alfabetização. Esta não é uma questão de partidos políticos. Esta é uma questão de humanidade em comum.
Uma vez perguntaram a Albert Einstein como ele poderia tornar nossas crianças inteligentes. A resposta dele foi simples e sábia. “Se você quer que crianças sejam inteligentes”, ele disse, “leiam contos de fadas para elas. Se você quer que elas sejam mais inteligentes, leia mais contos de fadas para elas”. Ele entendeu o valor da leitura e da imaginação. Eu espero que possamos dar às nossas crianças um mundo no qual elas possam ler, e que leiam para elas, e imaginar e compreender."
 

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Pelos sebos da vida: "Antes de Adão", de Jack London (por Diego T. Hahn)



Achei este pequeno (no sentido de tamanho mesmo, já que é um pocket) e inacreditavelmente não tão propalado tesouro na Feira do Livro de SM do ano passado (ou retrasado?) e confesso que não esperava lá grandes coisas do mesmo, foi mais um impulso (pelo precinho camarada, é verdade, mas também) de pela primeira vez ler algo do “outro Jack”, o London (não, nunca li nem assisti “Caninos brancos”).


          Talvez o único ponto negativo da obra: capinha cafonaça da edição que adquiri.


O narrador começa a história contando sobre o “poder”, supostamente contido no seu DNA, de, em sonhos, lembrar de fatos acontecidos com um pré-histórico parente seu, memórias transmitidas através das gerações de descendente para descendente na teoria do narrador. E assim, ao pegar no sono, ele revive as aventuras e desventuras desse tatatatatatatatatatatatatatatatatatatatatatatatatatatatatatataravô naqueles tempos inóspitos.
Essa sim é paulada! - com o perdão de algum possível e costumeiro - mas desta vez involuntário - trocadilho infame...


O tal antecessor pertencia à Tribo, que, embora mais evoluída que o Povo das Árvores (quase macacos ainda), estava abaixo do Povo do Fogo (cujo principal carta na manga era exatamente ter o domínio do mesmo, além de uma comunicação mais sofisticada) nessa escala, e vivia nas cavernas.


E, segundo ele, eram tempos realmente difíceis: as tribos quebravam o pau – literalmente – entre si.


Segue contando as recordações que tem em sonhos de perrengues e diversões divididas com aliados, como Orelha-de-Abano, seu grande amigo de fé, irmão, camarada, e outros nem tanto, como Olho-Vermelho, o “atavismo”, que, embora vivesse com a Tribo, reunia características que o remetiam mais ao Povo das Árvores (que, como dito antes, seria uma espécie de tribo menos desenvolvida, evolutivamente falando), características não só físicas (era muito maior que os outros integrantes da Tribo, mais peludo, muito mais forte), como comportamentais, e assim sendo – especialmente pelo costume de matar esposas e eventuais desafetos do grupo sem fazer muito esforço e com uma grande frequência – era temido pelo resto da Tribo. Entre os personagens mais marcantes nessas memórias do narrador há também Ligeira, por quem o Dentuço (como denomina seu antecedente primitivo o narrador) viria a se apaixonar. E o temor às feras da época, especialmente o velho Dente-de-Sabre (obviamente todos esses apelidos são dados pelo narrador com a sua consciência contemporânea, a partir da análise dessas imagens de seus sonhos, pois, à época dos acontecidos, a comunicação era muito rudimentar, à base de grunhidos, e eles evidentemente ainda não conseguiam elaborar nomes).


Coincidentemente, há poucos dias reencontrei (no ótimo acervo da CESMA - Cooperativa dos Estudantes de Santa Maria) um outro pequeno tesouro, dessa vez cinematográfico, que é “A guerra do fogo”, do francês Jean-Jacques Annaud. Havia visto esse filme há uns duzentos e oitenta e quatro anos, provavelmente numa sessão corujão de alguma das nossas emissoras abertas e desde então o procurava incessantemente por tudo que era lugar sem jamais encontrá-lo (nem na internet para, criminosamente, baixar).



Pois o filme gira mais ou menos na mesma época do livro e a história é até bastante parecida (fez-me inclusive suspeitar de uma “inspiração” na obra de London...). 
Embora não se trate de uma comédia (tratar-se-ia de uma aventura épica!?), não poderia deixar de destacar aqui um dos meus trechos favoritos, diante do qual dei até mesmo boas risadas e que, além disso, considero bastante significativo na obra, que é aquele no qual três dos nossos ancestrais encontram uma ancestral menos ancestral, digamos assim, uma menos primitiva (seria o equivalente, provavelmente, a uma integrante do Povo do Fogo do livro, enquanto os três primeiros pertenceriam à Tribo). Estes, não conheciam, e não tinham o costume do riso ainda, e a princípio se assustam e ficam curiosos quando essa garota começa a rir de um acontecimento supostamente engraçado; na sequência, algumas cenas depois, uma enorme pedra cai na cabeça de um deles (quase causando neste um traumatismo craniano!) e ela volta a gargalhar... após um novo estranhamento inicial, os três pouco a pouco então passam a acompanhá-la naquele riso, inclusive aquele que levou a porrada na cabeça, enquanto o sangue empapa seus cabelos e escorre da sua cabeça pelo seu rosto, fazendo-o misturar uma feição de dor com a daquela nova sensação...

Mas o filme vale sem dúvida também para algumas outras interessantes reflexões, como por exemplo, fazendo o caminho inverso, sobre o fato de, mesmo cerca 80 mil anos depois, com toda nossa tecnologia, carros, aviões, computadores, celulares, e nossa suposta evolução comportamental, revoluções dos mais variados gêneros e tudo o mais, essencialmente a humanidade girar ainda em torno da mesma busca dos nossos ancestrais pelo trinômio básico comida, abrigo e, a cereja sobre o bolo, o combustível (que equivaleria também ao poder!?) – no caso deles, o fogo – do qual somos ainda tão dependentes e pelo qual continuamos fazendo guerra (ou, por uma espécie de procuração implícita, alguém por nós; só que de um jeito supostamente mais "elegante" - embora também mais eficiente...), como nos primórdios (saque um daqueles itens da sua vida e veja de que servem efetivamente então todos esses tão preciosos aplicativos de hoje em dia nas nossas telinhas mágicas...). Sob esse aspecto, me parece cômico - e até um pouco patético - nos vermos como criaturas supostamente tão evoluídas e eventualmente ironizarmos aqueles nossos costumes ancestrais...



Ah, uma outra curiosidade a respeito do filme é que o cara que criou o sistema de comunicação, as “línguas” (ou, os sons, os grunhidos) das tribos, foi o mesmo dos “druguinhos”, Antony Burgess (sim, o autor de “Laranja Mecânica”).


No fim do filme (pequeno spoiler, não tão decisivo no contexto geral da obra), um casal primitivo se aconchega um nos braços do outro numa colina à noite olhando com um olhar brilhante para a Lua lá no alto – o que irremediavelmente me remeteu a cena clássica do osso que, jogado ao alto pelo primata, se transforma na sequência, num salto de alguns séculos na edição, numa nave no espaço sideral em “2001 – Uma odisseia no espaço”.


Coincidentemente, meu amigo Ronaldo dia desses me falou muito bem de um livro que havia lido há alguns dias, “Uma breve história do mundo” (não aquele que virou um best-seller recente, o do Geoffrey Blainey, mas o do H.G. Wells, autor também de, entre outros, "A Ilha do Dr. Moreau", "A máquina do tempo" e "A guerra dos mundos" - aquele da transmissão radiofônica de Orson Welles em 1938 que causou pânico em grande parte da população americana por esta acreditar se tratar de uma notícia verídica a narrativa fictícia de um trecho da obra na qual alienígenas invadem o planeta Terra), e, diante da minha curiosidade, me emprestou o mesmo. 


                                                  Este.

Fugindo do gênero costumeiro do autor, o fictício, o livro perpassa, resumidamente, como anunciado no título, toda a história do mundo (entenda-se por mundo, no caso, “tudo” - ou quase: não de todo o Universo, mas do Planeta Terra, desde os primórdios, formação do planeta, primeiras formas de vida, numa escala cronológica, até os dias de hoje, ou melhor, de ontem, até 1922, quando o autor escreveu a obra). E não é que em determinado capítulo, ele narra a história do Neanderthal e do seu provável extermínio por um outro ser mais evoluído, o chamado Homem Verdadeiro, do qual o homem seria um descendente direto, o que me fez pensar que talvez a Tribo do Dentuço descrita na obra de London fosse formada exatamente por Neanderthais (eles são caçados e quase todos eliminados por uma tribo mais “humanizada” - como dito antes, o Povo do Fogo, que seria, na minha hipótese, o equivalente à tribo do Homem Verdadeiro).


Uma raça de seres assemelhados, mais inteligentes, que conheciam mais coisas e que falavam e cooperavam uns com os outros, veio se deslocando para o sul e entrou no mundo dos Neandertais. Eles desalojaram os Neandertais de suas cavernas e de seus locais de descanso; caçavam a mesma comida; provavelmente entraram em guerra com seus medonhos antecessores e os mataram em definitivo”, descreve Wells, como se descrevesse com precisão parte da obra de London, já que a Tribo do Dentuço vivia em cavernas e fora desalojada de lá pelo Povo do Fogo, que dominava uma comunicação mais evoluída e cujos integrantes tinham a faculdade de colaborar entre si, articulando, por exemplo, planos de ataque, ao contrário daquele outro bando, cuja comunicação se resumia a alguns grunhidos indistintos e não tinha o poder de colaboração, sendo que cada um acabava agindo por conta própria, dificultando assim a própria defesa da Tribo.
Mas, enfim, devaneios à parte, para concluir fica uma curiosa reflexão (na verdade, ainda um novo e derradeiro devaneio, poder-se-ia dizer, ou até mesmo um insight, derivado de um eventual antepassado pré-histórico meu, o qual, pelas possíveis características físicas - algumas das quais teria deixado, inclusive, decisivamente como herança genética para a sequência dos descendentes na árvore genealógica - poderia ser chamado de o Tripé), que me veio também de lambuja ao analisar essa fantástica obra de London:
E, no fim das contas, o que haverá ainda hoje em dia de resquício dos nossos primitivos ancestrais ao fecharmos os olhos à noite no aconchego do lar?

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

UFC MMA MMS YMCA (por Diego T. Hahn)


(Em homenagem ao retorno do Anderson Silva - lembra dele? Aquele da propaganda de seguro... - ao batente - e batente talvez seja mesmo o termo mais adequado para designar o ofício em questão - no próximo sábado, não poderíamos deixar de reprisar esta adorável crônica, publicada originalmente no "De Letra" - com alguns tons premonitórios, ou não!? - em 16 de julho de 2013, após a derrota do lutador - a primeira das duas contra o americano aquele - na defesa do cinturão)

Pra começar, confesso que nunca entendi bem esse esquema dessas siglas todas aí, quais as diferenças entre elas, se são categorias diversas ou se são todas a mesma coisa (dizem as más línguas que MMA, por exemplo, é a abreviatura de Muito Macho Agarrado, ou algo assim... não sei, não me prestei a ir pesquisar, mas creio que seja só intriga da oposição).
Mas, enfim... por falar em intriga, o que me intriga mesmo é todo esse fascínio que as tais lutas livres (ou como quer que se chamem) passaram a exercer no público nos últimos tempos.
 

Acho curioso, por exemplo, esse “surto” de artistas que viraram fãs do “esporte”  (por “coincidência”, quase todos vinculados – em bom português, têm contrato  – à rede que transmite as lutas por aqui)...


Acho engraçado também pessoas que antes condenavam, digamos, o boxe, pela sua violência agora terem virado igualmente fãs ardorosos dessa nova modalidade de combate.
Ah, e por falar em boxe: para garantir a integridade física, por assim dizer, dos lutadores, seja do boxe, como também das artes marciais, sempre foi exigido um mínimo de equipamentos de proteção, como luvas, capacetes, peiteiras, saqueiras (aqueles protetores anti-vasectomia traumática), etc...
E por que cargas d´água nos MMAS da vida não há esse cuidado e permite-se que os caras se arrebentem a pau sem proteção alguma?? (Cadê a Polícia Civil? A Federal? Direitos Humanos? ONU?? OTAN? ANVISA???)
Huuuuummm... aaaaaahh, sim... aham... percebo, percebo...
Olha, também assisto vez em quando, quando tô meio à toa na vida, mas a verdade é que sou um hipócrita assumido: não curto. O que me faz ver provavelmente é aquela curiosidade pelo grotesco, que nos faz seguir vendo um filme trash ou até mesmo algum reality show da vida... mas não curto. Por dois motivos principais:
Primeiro porque na realidade a maior parte do tempo da luta acho o negócio um tanto quanto chato... muita ensebação, como costumamos dizer por aqui: rola pra um lado, rola pro outro, se agarra, se solta, se agarra, se solta, rola pra um lado, rola pro outro... e nada.
E segundo, ainda que contraditoriamente em relação ao primeiro motivo, porque quando não estão naquele rala-e-rola sem graça, ao mesmo tempo não consigo compactuar com aquela porradaria extrema ali, caras com a cara arrebentada, sangue jorrando pra todo lado, e tudo aquilo exposto como algo “legal”, como só mais uma modalidade esportiva, pra todo mundo ver na tv, com patrocínios, propaganda, cachorro-quente, pipoca, e tudo...
Aliás, creio que a maioria hoje em dia no fundo continua a se chocar com toda aquela coisa insana ali dentro daquele ringue, mas não admite isso de forma alguma; pelo contrário: jura que acha o máximo!... parece mesmo que admitir que você não goste daquilo possa lhe fazer parecer fraco ou algo assim perante os olhos do resto do mundo...
Não, você tem que babar, gritar, esganar-se, clamando por porrada, por sangue! Isso sim é sinal de força!
Isso sim é sinal de virilidade, de masculinidade! (Ou de feminilidade, conforme o gênero do/da fã)...
Outra coisa interessante: curiosamente também até alguns dias atrás todo mundo babava pelo tal Anderson “Spider” Silva. Agora, dum dia pro outro, só pelo fato de ele ter levado umas bifas na orelha, todo mundo bombardeia o sujeito, chamando-o de arrogante, palhaço, mercenário, vendido, patife, canalha, sem-vergonha, bobo, feio, chato, entre outros tantos impropérios... parece mesmo uma espécie de ciúme:
“Ai, Spider, que óóóódio; beijou a lona e não a mim!...”
Pois vejam só: já eu, que não gostava do cara, agora passei a gostar – talvez exatamente por ele ter perdido. E acho que se é pra existir, tem que haver mesmo um pouco de arte no meio desse troço, um pouco de zoação – como nos velhos e bons telecatchs, por exemplo...
Uma das poucas coisas divertidas, aliás, desse negócio todo, que ao meu ver são as declarações do verdadeiro showman do ramo, o fanfarrão Chael Sonnen, ah!, disso a maioria dos fãs do “esporte” surpreendentemente parecem não gostar, criticam até mesmo, falam em “falta de respeito” e blá blá blá...
Mas isso talvez só seja um sintoma do nosso mundo: as pessoas preferem ver sangue a dar uma boa risada.
Ou levam realmente a sério todo esse circo.
E além do mais, lá vem os teóricos da conspiração de novo: ah, porque o cara entregou, assim como a Espanha entregou pro Brasil na Copa das Confederações e o Brasil pra França na Copa de 98 e...
Tudo bem, eu como um notório teórico das conspirações, respeito as teorias das conspirações alheias, mas essas aí confesso que já me parecem demais.
Uma coisa é dar a cara a tapa, outra a um puta soco que pode te matar.
Se bem que revendo o vídeo do nocaute agora, o Anderson Silva parece forçar bastante mesmo naquela frescura dele e quando ele está no chão o americano meio que “erra” alguns golpes, socando o ar e...

Para, para!! Para, se não eu já acabo me convencendo também!...
Já estou até começando a imaginar um retorno triunfal do Spider, tal qual Rocky Balboa em Rocky 2 diante do Apolo, o Doutrinador, tal qual Superman em Superman 2 diante dos vilões da zona fantasma, tal qual o Grêmio na Segundona diante do Náutico (felizmente não posso citar o meu time como exemplo, pois ele nunca teve um retorno triunfal desses), enfim, um retorno triunfal, reconquistando o cinturão em uma revanche es-pe-ta-cu-lar, épica ,história... afinal, quem não gosta de uma revanche es-pe-ta-cu-lar, épica, história??
Os humildes serão exaltados. E Anderson Silva voltará, depois de humilhado, mais humilde (embora com bem mais grana no bolso) e triunfará.
Anderson Silva é nosso pastor e nada nos faltará.
Porém...
Há teorias também que dão conta que Chris Weidman é um robô, fabricado pela NASA, sob encomenda da CIA, um protótipo de última geração, para botar ordem na casa e manter o imperialismo  ianque em dia. Que porra era essa de um negão do Mercosul mandar no octógono? Já não bastou o “barbudo das Arábia” ter detonado nosso pentágono?
Bom, mas voltando o foco da questão ao nosso estimado público:
E você, cara – sim, você aí, barbado – , não se envergonha, de convidar sua namorada para assistir às duas da madruga de um sábado a dois caras suados só de sunga se agarrando??
Já não bastam os vinte e dois correndo atrás da bola no sábado à tarde?
Até uma infame duma comédia romântica é preferível nesse caso, pô!...
Eu, como disse antes, até assisto também, mas isso se não houver duas moças se agarrando em algum outro canal. Preferência sempre delas, claro. Ladies first.
(Imagem proibida para menores de 18!)
E, para finalizar (tranquilamente, sem chave de braço ou de perna), não querendo dar uma de moralista – embora talvez já dando –, mas quanto a esse papo que as lutas não incentivam a violência, não são um mau exemplo porque é só um esporte e tudo deve ficar ali dentro do ringue e blá blá blá, fica a interrogação:
Se quando é fã de futebol, a gurizadinha mais nova vai pra rua imitar os jogadores chutando uma bola, agora com essa nova geração correndo o risco de virar fã dos MMAs e UFCs da vida, graças a todo esse destaque e propaganda em cima do relativamente novo esporte, vão imitá-los como? Indo para a rua chutar o quê, exatamente?
Enfim, são só conjecturas meio perdidas de mais um sujeito chato que às vezes parece mesmo não achar nada engraçado, macaco, praia, tobogã, UFC, MMA, eu acho tudo isso um saco, mas, bem, é isso, e depois de tudo isso, se você é um lutador esquentadinho e não gostou do que foi escrito aqui, não te faz de rogado, cara: pode vir! Vem! VEM! Vem, que eu encaro a bronca...
Não uso sunga nem pra tomar banho de mar, mas fiz judô no colégio até a faixa azul, porra!!! 

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Vista da sacada (por Diogo Couto)

 
E fazendo sua surpreendente estreia na área da poesia aqui no De Letra nosso amigo de fé, irmão camarada, Diogo Couto, vulgo Diogão, piloto aéreo nas horas vagas, quando não está filosofando sobre a vida. Recebemos do nada um dia esse seu maravilhoso texto via e-mail (certamente inspirado pelo que vê lá de cima, mas provavelmente também por um de seus Hemingways ou Kerouacks que carrega invariavelmente embaixo do braço - mesmo quando está pilotando um avião!) dizendo lá nada além do que segue abaixo... ninguém sabe por onde anda a figura hoje em dia (últimas informações, embora um tanto quanto desencontradas, dão conta que pros lados do espaço aéreo goiano... outros dizem, porém, que foi abduzido por jupterianos anfetaminados e indecentes, que o recrutaram com o intuito de fazer experiências sexuais com um espécime terrestre e implantar-lhe um chip em um local do corpo que não podemos mencionar aqui), há tempos o sujeito não dá as caras (dá sinal de vida aí, seu porra!!), mas certamente esse filho da mãe abençoado com uma alma poeticamente conturbada está bem onde estiver e, além de para não escondermos do mundo essa preciosidade abaixo, também para matarmos um pouco da saudade do mesmo, não poderíamos deixar de publicar o que segue:
 
 
Por você eu deixo de ser coruja e viro cotovia
pra assim andar só de dia
por você
 
a temperatura caiu e o céu se encheu de um rubro pastoso
 
 
lânguidas nuvens que quase posso tocar
 
 
cheiro de almíscar e solidão
 
mórbido asfalto
 
 
sereno orvalho
 
secas gramíneas
 
multidões solitárias
 
poeira e fumaça
 
luzes ascendem paralelas, verticais
 
telhas do mais barato barro
 
borracha e carne
 
 
tô te dizendo tudo o que tô vendo
 
rostos cuidadosamente embelezados, inexpressivos
 
às vezes uma tímida lua me espreita pelo buraco da janela cinza de nuvens
 
o que ela quer?
 
 
tô na sacada da poesia e lá embaixo nada e tudo, mescla pastosa de dúvida
 
 
pode ser
 
afinal acho que nada é
 
não tem que haver pontos nem vírgulas,
apenas um rolo de papel higiênico
 
 
cheiro de café e sorriso
 
então pare
 
estático alvoroço
 
 
maravilhoso
 
cool feet
 
longa tarde, ciclo eterno de esperas
 
leve frio, denso ar, agressivo barulho do silêncio
 
 
vira o disco ou a página
ou vira louco,
artista quem sabe um lobo
 
vira lata, vira casaca,
vira o copo
 
 
tô na sacada da poesia
lá embaixo tudo e nada
mescla pastosa de dúvida
 

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Frase da semana (por André Gide)



E pra começar botando 2015:


"Acredite naqueles que buscam a verdade; 

duvide dos que já a encontraram".


(André Gide - 1869 - 1951 -, escritor francês, Nobel de Literatura). 



quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

O Poeta Incompreendido, partidas e fim de ano

(por Diego T. Hahn)

Dia desses fui surpreendido com a notícia na sessão das cartas do leitor de um jornal santa-mariense. Pelo que constava ali, não sei das circunstâncias (ainda busco mais informações a respeito), mas nosso Poeta Incompreendido, o Gilson, teria partido recentemente. Surpreendido, pois cruzava frequentemente com ele no centro de nossa cidade, mesmo nos últimos tempos, e, difícil arriscar sua idade (jeito jovem e descontraído; aspecto físico meio judiado), algo entre 35 e 50?, mas creio que não tivesse mesmo mais do que 50 anos de idade e seria capaz de apostar que ainda estivesse longe dessa "cifra", provavelmente por volta dos quarenta e poucos, e sem sinais de algum grave problema de saúde mais evidente... mas, enfim.

Conheci o Gilson ao trocar uma ideia com ele uma tarde no Café Cristal, enquanto adquiria um dos seus compêndios poéticos xerocados (impregnados com algumas rimas óbvias e de uma certa ingenuidade, é verdade - que curiosamente contrastavam com sua aparência "ameaçadora", jaqueta jeans surrada, olhos meio caídos, bochechas infladas, cabeleira caindo no rosto, que por vezes até assustava alguns cidadãos mais "tradicionais" e conservadores -, mas características poéticas essas que acabavam por só fazer se vislumbrar uma pureza e um bom coração que deviam haver ali debaixo daquelas camadas de incompreensão).
E, coincidentemente, na Feira do Livro deste ano em SM autografamos lado a lado nossos lançamentos (aqui o link de um comentário que fiz à época da obra dele em parceria com outros 2 escritores locais: http://deletradj.blogspot.com.br/2014/05/3-poetas-em-1-opusculo.html).

Uma simpática e já folclórica figura da "cultura de rua" da nossa cidade que estava sempre "por ali" e agora não está mais - quem conheceu, conheceu; quem não conheceu...
Bem, ainda pode conhecê-lo no seu legado escrito.

Num ano de tantas partidas - independente do nível de precocidade das mesmas e da proximidade com os que partiram, igualmente todas doídas para nós que ficamos (e para nós que ficamos quase sempre acabarão por soar precoces, não é mesmo?) - acho justo encerrarmos o mesmo no "De Letra" homenageando todos esses que se foram, independente das suas áreas de atuação, mas em consonância com a temática aqui do blog, na figura do Poeta Incompreendido (com um poema do mesmo e outro - tradicionalmente conhecido igualmente por sua referência a partidas, do qual gosto muito e que usei também na página das dedicatórias in memorian do meu "Histórias reais de amigos imaginários (e vice-versa)" - de John Donne).

Abraços e um melhor 2015 para todos nós!!

“Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.

("Meditação 17" - mais conhecido por "Por quem os sinos dobram" - John Donne)


"Flores desabrocham e fenecem
Frutos crescem e amadurecem
As pessoas nascem e envelhecem

Os sentimentos aparecem e vão
De trem ou de caminhão
Eu fico sozinho na estação
De repente alguém toca uma bola de canhão
Na nossa relação
Se eu passar por essa provação
Esvaído de sangue no chão
Olho para você e pergunto
Por que não?
Mesmo no último segundo
Só escuto um murmúrio
E fico sem entender nada!!!"

("Flores" - Gilson, o Poeta Incompreendido)



sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Lançamento do "Minha camisa vermelha"


Para os amigos colorados (e, por que não?, também os gremistas, afinal, como se diz, o que seria do azul sem o vermelho e do vermelho sem o azul?, e certamente, de um jeito ou de outro, o co-irmão também é mencionado lá na obra :) - e, bom, por que nos restringirmos?, estendido obviamente também aos torcedores do, sei lá, Guarani de Venâncio, Aimoré, Ferro Carril, Rondonópolis, Real Madrid, especialmente aos do Anapolina, Boca Juniors e Ajax, e, enfim, de todos os times do mundo, até mesmo aos do Mazembe!, já que, independentemente do time, os assuntos da obra giram em torno dessa paixão mundial que é o futebol e, no caso, o que vale é a diversão), vai aí o convite do lançamento pela Editora Movimento do livro de crônicas sobre o Inter, "Minha camisa vermelha", parceria dos 5 autores (santa-marienses de nascimento ou adoção, mas colorados de coração), elencados no convite abaixo, na próxima quarta, 17 de dezembroa partir das 17 horas, na Athena Livraria, em Santa Maria.


Quem estiver pela área, seja pra se gabar dos feitos do Colorado ou só pra trocar uma flauta mesmo, dê um pulo lá! 


terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Pelos sebos da vida: "Hulk na Encruzilhada" (por Diego T. Hahn)



"E lá vem ele com quadrinhos de novo..." (é, não adianta, cara, ando meio viciado mesmo, fazer o quê!? - mas, ok, na próxima intervenção com a sessão "Pelos sebos..." prometo resenhar - ou avacalhar - um livro "de verdade", "sério", e tals)


Mas o fato é que aí está, direto do túnel do tempo: Hulk na Encruzilhada.



Esta série (ou arco de histórias, como se costuma designar no mundo das hqs), assim como as outras duas (a do Sombra e a do Wolverine) resenhadas anteriormente aqui, saiu no Brasil lá pelo final dos anos 80 e é tão foda, mas tão foda, que foi a culpada por um dos dois únicos crimes que cometi nesta vida: o furto de uma revistinha, no antigo Supermercado Real - atual Big - , por volta dos 10 ou 12 anos, diante do fato de não ter um puto no bolso e os coroas não quererem colaborar com a minha voracidade literária de então (o outro delito foi da mesma tipologia e mais ou menos pela mesma época de delinquência mirim: dez pila surrupiados da carteira do meu velho). Posso confessar isso hoje sem medo de ter a porta arrombada pelos tiras e sair algemado diretamente para o camburão, pois, passados mais de 20 anos, tenho quase certeza que esses crimes já prescreveram (e meu pai também já não pode mais me botar de castigo nem nada do gênero), mas lembro bem da minha tensão durante a execução do plano no mercado (o que me deixou claro que definitivamente a carreira no crime não era a minha praia - e, que diabos de ladrão se especializa no furto de revistas em quadrinhos mesmo??)...



Mas, divagações legais e morais à parte, lembro também que a história que mais me marcou nessa série foi a dos cavaleiros de ferro num dos mundos alternativos da tal encruzilhada. Curiosamente, assim como aconteceu com o personagem principal em "Eu, Wolverine", no início dessa história o gigante esmeralda surpreendentemente toma uma sova daquelas! Obviamente é a deixa para toda uma reviravolta com a devida redenção, que incluía como aliada uma moça verde que chorava flores, mas, naquele primeiro momento é de realmente fazer sentir pena do monstrengo, que, após a surra, ainda é preso e usado pelos cavaleiros de ferro como escravo em algumas obras de, digamos, "construção civil" (por exemplo, acorrentado, girando as engrenagens de um imenso moedor de crânios destinados a serem usados na construção de castelos), com direito a chibatadas e tudo...



Foram várias revistinhas, do início ao fim da função do Hulk nesse universo paralelo. Ele fora enviado para lá pelo Dr. Estranho, após ficar fora de controle na Terra, perdendo o pouco de senso de humanidade que ainda lhe restava e transformando-se num puro monstro, destruindo tudo ao seu redor. 


                                     
Na tal Encruzilhada Interdimensional, o Dr Estranho, que era seu amigo, acreditava que ele poderia achar um mundo - entre os vários possíveis lá, acessáveis através de portais - onde poderia ser feliz (e, parte também de um feitiço implantado pelo Dr. Estranho, cada vez que o Gigante Esmeralda entrasse num portal e se sentisse infeliz naquele novo mundo, seria levado automaticamente de volta à Encruzilhada).

Assim, Hulk ia tentando, portal após portal, adentrando esses diversos mundos, com geografias e personagens diferentes, e, infelizmente, assim como no mundo dos cavaleiros de ferro, invariavelmente se dando mal neles - e, consequentemente, sempre voltando ao limbo da Encruzilhada.



Um capítulo épico também dessa sequência de histórias é o encontro de Hulk na Encruzilhada com o quarteto de inimigos chamado Os Alienígenas (Vetor, Encouraçado, Raio X e Vapor - imagem abaixo), episódio que tem uma das capas mais marcantes da série (era a única capa, inclusive, desse arco de histórias do Hulk da qual eu lembrava ainda nos dias de hoje, e capa que emulava um daqueles duelos dos faroestes, só que com todo um fundo surreal da Encruzilhada ao invés dos desertos do Texas ou algo assim, com os 4 vilões perfilados diante de Hulk).



Um grande personagem - se não o maior - a se destacar desse arco de histórias também é o "Pompons coletivos", que é exatamente isso, um agrupamento de pompons que vive na encruzilhada e com quem Hulk faz amizade. Dei risada da lembrança quando comecei a ler e apareceram os tais pompons. 



Mas não me lembrava que não havia motivo para risos (ATENÇÃO: SPOILERAÇO!): fiquei realmente chocado ao seguir lendo e deparar-me, algumas revistas de muito sofrimento do Hulk depois, com os malditos pompons tentando sacanear o gigante, revelando-se pois uma entidade do mal!!



PQP!!

Não dá pra confiar realmente em ninguém hoje em dia... nem nos pompons coletivos!!

Mas... fazer o quê?

                                   Hulk e os Pompons Coletivos

No fim das contas, depois de muito penar na tal Encruzilhada Interdimensional, o Gigante Esmeralda acabou voltando à Terra, e assim Hulk segue sua vida, verde como sempre, embora mais maduro depois dessa experiência traumática (essa foi péssima, eu sei - assim como as infames piadinhas das fotos acima e abaixo - , mas não podia perder a deixa!) e eu, de lambuja, matei mais uma saudade literária dos tempos de infância.                                      

Hulk na Encruzilhada