quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Recuos e avanços (por Celina Fleig Mayer)


Em mais uma participação especial no "De Letra", temos a honra de apresentar esta mordaz crônica nos enviada pela amiga e ilustre escritora, integrante da Academia Santa-Mariense de Letras, Celina Fleig Mayer:

                O casamento é uma espécie de sociedade “mista” em que seus componentes precisam fazer concessões... Quando as coisas – essa palavrinha é muito abrangente, então diremos, quando a relação não vai muito bem, é preciso marcar uma reunião. Geralmente as pessoas chamam isso de “discutir a relação”, mas não é bem assim, até porque já começar com discussão pode levar a rupturas. Reunião é melhor, e ela, para um casal, pode surgir “do nada”, de uma paisagem, de um gramado cheio de orvalho, qualquer acontecimento. Aliás, fatos novos sempre ensejam uma “reunião”, sejam eles proporcionados por amigos, parentes ou entre o casal. Nasceu o filho, a mulher anda tresnoitada e resmungona? Reunião presidida pelo excelentíssimo “sócio” que está de cabeça fria. E, especialmente, deve se mostrar cheio de compreensão e amor para dar. Isso rende juros e “correção” de comportamento.

            Dia desses recebi um emeil de um amigo que dizia nos invejar, marido e eu, porque íamos para a praia, por uns dez dias, quase mensalmente. Menos, lógico, naqueles meses bem frios, porque os pisos  dos apartamentos de praia dão uma sensação térmica além da realidade. Aí ficamos aqui sobre o piso de madeira, aconchegados junto a lareira. Mas, voltando à “santa inveja” do amigo, que ele é uma pessoa muito legal, se explicava que a Madalena dele não gostava de praia.  Desde o começo dos tempos, isto é, da longa união de mais de 30 anos. Faltou um acordo inicial para resolver essa pendenga,tipo: “Como assim, Madá? Que é que tem de ruim na praia? Vai ver que nunca gostaste por causa da companhia, vindo comigo vai ser diferente. Prometo! A gente fica lá, longe desse calorão, guarda-sol armado  junto ao mar, aquela brisa”...Acredito que agora, já é um tanto tarde, a mulher não terá vontade de exibir  curvas passadas e perdidas, por pior que seja o verão na sua cidade. Não vai se deixar convencer. Essa reunião nem deve acontecer mais, por falta de quorum...

Tão acostumada ela a ser do contra que, na ocasião de comemorarem com os ex-colegas do marido o aniversário de 35 anos de formatura da Faculdade, onde ele estudou, o cara chegou sem sua Madalena. Todo mundo compareceu acompanhado da antiga ou da atual consorte. E aí? Perguntavam. Estás viúvo? Ele explicou que a Madá não gostava de viajar...

            Constatei, então, o quanto um casamento pode amofinar uma pessoa, abafar até, se ela não tenta um acordo em tempo hábil, bem no início das primeiras “manifestações” contrárias da outra parte. Esse amigo devia vir informando suas vontades, negociando suas preferências para caberem nos contras da parte da mulher. Cedendo aqui, avançando ali. Fico imaginando como deve ser a “função” de mesa e cama, (ou o inverso), desse casal. Ele amanhece “todo-todo”, e ela vai ficando uma “arara”, só repetindo: “para com isso, homem!” No mínimo, a Madalena é daquelas mulheres que sofre de dor de cabeça persistente...

            Um autor, numa crônica inspirada, escreveu uma frase genial: “Os casamentos longos acontecem muito mais pelos recuos do que pelos avanços...” Pelo jeito, a mulher do meu amigo tem se aproveitado muito dos recuos dele. E, enquanto os dois vêm avançando em idade, ela vai aumentando seu território.a de campo.u territdade  Não sei o que é que vai sobrar, no fim de contas, para o pobre...


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