segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Diogo Khan, o vegano

Pois é; Diogo Khan - aquele meu amigo, sabe? -  recentemente fez essa descoberta: apesar de curtir um bom churrasco, um bom bifezinho - de preferência mal-passado, sangraaanndo mesmo (claro, como bom VERMELHO que é!) - não é que o cara esses dias se descobriu... VEGANO??...
Mas, claro, Diogo Khan não descobriu sozinho isso sobre si mesmo; não, ele não teria condições cognitivas para tanto... ele foi levado a esse auto-conhecimento graças à sabedoria, à iluminação, ao poder supremo e clarividente, de um ser superior: nosso infalível e mítico presidente da república, o qual Diogo Khan dia desses viu explicando didaticamente que "só quem se importa com a questão do Meio Ambiente são os veganos, que comem vegetais"...

Caramba, mas é claro; como Diogo Khan ainda não havia se dado conta disso??

Diogo Khan é mesmo um burro, um jumento, não tem a inteligência suprema de nosso líder; Diogo Khan acredita em aquecimento global, em vacinas, em terra redonda girando ao redor do sol e outros absurdos do gênero... enfim, Diogo Khan, se importa também com a questão do Meio Ambiente. Vegano. Diogo Khan COMUNISTA e VEGANO.
Seja como for, dia desses, um pensamento leva a outro pensamento que leva a outro pensamento, e, enquanto comia, como bom vegano, um bifezinho à parmegiana, Diogo Khan ficou pensando em seus amigos e familiares que seguem de maneira inconteste o líder máximo da nação, o abençoado pela inteligência superior que graças a sua iluminação divina lhe esclareceu a respeito do seu veganismo, e não conseguiu, no entanto, compreender algumas outras "questõezinhas", levando em conta a clara preocupação sempre demonstrada por esses conhecidos com questões de cunho humanista e de respeito ao próximo (muitos deles cristãos atuantes) e aos animais e à natureza como um todo, que destoavam, porém (talvez se pudesse dizer que eram mesmo diametralmente opostas?) de certas manifestações (de caráter um tanto quanto duvidoso?) do ilibado gênio ao qual hoje dirigem suas energias, preces e louvações... D.K. (abreviatura de Diogo Khan a partir de agora - para facilitar) começou a lembrar, e então logo elencar tantas outras declarações do A.S.N.O. (abreviatura de Abençoado Supremo, Nosso Oráculo, como ele começou a chamá-lo - para ser mais preciso) e estas não lhe traziam a iluminação que aquela sobre o veganismo havia trazido. Mas por quê? POR QUE com ele não acontece essa iluminação que com a maioria ao seu redor acontece?? (Além, claro, do fato de ele ser COMUNISTA... e vegano) Ele queria tanto ter também um ídolo do gênero, infalível, e que o tocasse forte no coração, transmitindo toda sua sabedoria e que o inspirasse com suas frases de incentivo que nos levam a um novo patamar na história da humanidade!!
Mas não adiantava... D.K. olhava para aquelas declarações e não compreendia (é, D.K. é meio limitado mesmo - precisa ler e refletir bastante, a respeito de tudo, antes de afirmar suas posições categoricamente... cara chato, não?)...

Seja como for, D.K. prosseguiu então com seu experimento - resolveu pois elencá-las, as tais afirmações, por escrito, e entrevistar esses seus chegados (com duas perguntas, simplesmente, a respeito de cada uma: "O que você acha dessa declaração?" e "Isso representa o que você pensa (das coisas, das pessoas, do mundo), isto é, você CONCORDA com tal afirmação?", rogando aos entrevistados que por gentileza deixassem de lado contextos políticos e se ativessem ao simples e direto conteúdo das duas questões, sem usar subterfúgios, tergiversando por terrenos periféricos e clicheísticos como "ameaça comunista" ou citando alguma espécime de molusco, que estaria enclausurado em algum OUTRO experimento, pelo sul do país... - sim, todos bem sabemos disso, mas não tem relação com a questão proposta aqui, ok? Foco... Foco!) para entender como eles haviam sido iluminados por aquelas sábias e benevolentes palavras, as quais costumavam chancelar com sua defesa intransigente diante de qualquer questionamento (e com as quais D.K. supunha que eles considerariam iluminar por consequência, através do exemplo, as novas gerações - seus filhos, e, enfim, as crianças como um todo... D.K., curioso como sempre - com sua mania absurda de pensar, de imaginar possibilidades - ao vislumbrar isso, já cogita imediatamente um novo experimento, no qual estudaria como, em pleno 2019, seria passada essa nova filosofia em termos humanistas  para as crianças... mas isso fica para outra hora - ou, bem, esperamos que não - , vamos por partes).
Ei-las, pois, algumas (esclarecendo que D.K. fez uma espécie de seleção, um top 8, por questões de espaço) pérolas de sabedoria, em termos humanitários, do atual líder da nação (a propósito de iluminismo e novas gerações, uma advertência: não queremos ser preconceituosos aqui, mas, só por precaução, por ora, tirem as crianças da sala, talkey?):

"Quilombolas não servem nem para procriar..." (Bem, o A.S.N.O., homem muito atento aos critérios científicos e aos números, certamente deve ter dados a respeito - já D.K. admite que não, não tem... então vamos respeitar o método racional do homem, certo? Ele tem experiência de 30 anos de vida pública - pode admitir não saber nada de economia e de leis (ninguém pode saber tudo, né?), mas certamente deve saber algo de "biologia étnica". Passemos à questão seguinte, desmembramento desta primeira)
                                        "E aí; vai procriar ou não?... Tem que procriar, tá ok?"

"Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada." (Respeitando ainda toda a sociologia do A.S.N.O. e grande parte de seus seguidores, que costumam reproduzir tal afirmação, esta D.K. teve que humildemente contestar: no município onde trabalha há uma comunidade quilombola - e, embora como em qualquer situação haja os que trabalham e os que não trabalham (como, por exemplo, na própria Câmara dos Deputados - há parlamentares que passam décadas e décadas sem apresentar nada de útil à sociedade, e mesmo sem aprender sobre questões básicas concernentes ao cargo... e consumindo beeeem mais do dinheiro público do que os duzentos ou trezentos reais do auxílio que eventuais quilombolas desocupados consomem), D.K. confirma que naquela comunidade muitos dos homens trabalham, sim, e bastante, em geral nas lavouras da região; e muitas de suas mulheres também, em geral como empregadas domésticas - mas também em outros afazeres, como numa agroindústria local...)

"Seria incapaz de amar um filho homossexual. Não vou dar uma de hipócrita aqui: prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí. Para mim ele vai ter morrido mesmo" (Bem, D.K. ainda não tem condição de afirmar se sua filha será gay ou não, mas afirma desde já que não preferiria ela morta em um acidente - de qualquer maneira, gostaria de passar a palavra para pais que perderam filhos assim para saber a opinião deles...)
"Se um casal homossexual vier morar do meu lado, isso vai desvalorizar a minha casa! Se eles andarem de mão dada e derem beijinho, desvaloriza". (D.K. mais uma vez admite sua ignorância - desta vez sobre o mercado de imóveis relacionado à sexualidade da vizinhança - , mas promete contatar alguns amigos corretores para verificar a afirmação do J.U.M.E.N.T.O....ôps, digo, do A.S.N.O.) 

"...haitianos, senegaleses, bolivianos e tudo que é escória do mundo que, agora, está chegando os sírios também. A escória do mundo está chegando ao Brasil como se nós não tivéssemos problema demais para resolver" (Ôpa, um salve aí para quem chorou por aquela imagem do menininho sírio, imigrante, morto afogado em uma praia quando chegava na Turquia, talkey!?...)
"Em memória do (torturador) Brilhante Ustra..." (Bem, D.K. não vai dar uma de hipócrita aqui: confessa ser fã também do filme "O Albergue", por exemplo... e quem nunca, certo? - só talvez ter um livro do Ustra de cabeceira seja meio que demais... quem sabe alguma coisa do Orwell - 1984?... - , ou simplesmente de História, também, presidente?...)
Sobre o massacre de cerca de 60 detentos no Pará: "Pergunta para as vítimas dos que morreram lá o que eles acham... depois vem perguntar pra mim" (Claro, por que perguntar a opinião do presidente numa bobagem dessas, né? Deixa que as facções mais fortes eliminem as mais fracas, e os ladrões de galinha no meio disso, e se fortaleçam cada vez mais - assim pelo menos haverá somente uma forte organização e não um meio difuso, tá entendendo?... crime organizado? Aaahh... bobagem, né!?... E banalização do crime de homicídio, que extravasa para fora das cadeias? Ah, mais "bobagem sociológica"...  Bandido bom é bandido morto, e ponto final - tá com peninha, leva pra casa!!)

E, claro, a cereja no bolo: "Se o presidente da OAB quiser saber como o pai dele morreu, um dia eu conto pra ele..." (Bem, essa não precisa comentário, certo?... - aliás, melhor guardá-la para um outro texto aí, que fala de um estudo que está sendo realizado pelo D.K. sobre falta de empatia/psicopatia em cargos públicos importantes).
Enquanto mastigava seu bife à parmegiana, D.K., o vegano, ao reler tudo isso acima, ficou  ainda mais intrigado pensando a respeito e analisando as reações dos entrevistados e suas respostas...

(Continua - é, mesmo considerando que provavelmente já estamos desatualizados com essa lista, de qualquer forma, dolorosamente, continua...)


segunda-feira, 3 de junho de 2019

Seção "Mais valem algumas palavras do próprio autor - quando este é fera, claro - do que mil resenhas": "Na pior em Paris e em Londres", de George Orwell (por Diego T. Hahn) - Parte 2


Seguindo com o nosso engodinho (mas, veja bem, um de catega, ok?...) aqui no De Letra, separamos mais um trecho da referida obra do referido autor do título desta nossa nova e fantástica (pois, quer coisa melhor nesta vida de escritor do que colocar caras como George Orwell a escrever pra mim? - caramba, não sei como eu não tinha pensado nisso antes!) seção do blog - este trecho, no caso, que trata de um dos raros momentos de diversão na vida de Orwell naqueles tempos de penúria da juventude, vai também, transposto aqui, de bônus como uma espécie de "tributo" particular do blogueiro bodegueiro a velhas noitadas com velhos camaradas nos velhos tempos da juventude (bem, na verdade, nem tão velhos para alguns que ainda resistimos bravamente...), com algumas das nuances e dos marcantes e nostálgicos/divertidos "ciclos" pelos quais se passa(va) ao longo de algumas dessas aventuras noturnas (pois, guardadas todas as devidas proporções, contextos históricos e situações sócio-econômicas, no fim das contas às vezes a noite é sempre a velha noite, com todos seus clássicos personagens, e eternos comédias e dramas...):


Com trinta francos por semana para gastar em bebida, eu podia participar da vida social do bairro. Tínhamos algumas noites animadas, aos sábados, no pequeno bistrô do térreo do Hôtel des Trois Moineaux.

O salão de piso de tijolo, de uns cinco metros quadrados, estava apinhado, com vinte pessoas e um ar turvo de fumaça. O barulho era ensurdecedor, pois todos ou falavam aos gritos ou cantavam. Às vezes, era apenas um vozerio confuso; outras vezes, todos
irrompiam a cantar a mesma canção — a “Marselhesa”, a “Internacional” ou “Madelon”, ou “Les fraises et les framboises”. Azaya, uma jovem camponesa robusta e pesada, que trabalhava catorze horas por dia numa fábrica de vidros, cantava uma canção sobre “Elle a perdu son pantalon, tout en dansant le Charleston”.

 Sua amiga Marinette, uma garota magra e morena da Córsega, de uma virtude obstinada, amarrava os joelhos juntos e dançava a danse du ventre. O casal Rougier entrava e saía, filando drinques e
tentando contar uma longa e complicada história sobre alguém que certa vez os havia enganado sobre uma armação de cama. R., cadavérico e silencioso, estava sentado em seu canto,  embebedando-se quieto. 

Charlie, bêbado, meio que dançava e cambaleava com um copo de absinto falsificado em uma das mãos gordas, beliscando os seios das mulheres e declamando poesia. Havia gente jogando dardos e dados por bebida. O espanhol Manuel arrastava as garotas até o bar e esfregava o copo de dados na barriga delas para ter sorte. 

Madame F. ficava no bar e enchia rapidamente chopines de vinho
pelo funil de peltre, com um pano de prato úmido sempre à mão, porque todos os homens do salão tentavam arrastar a asa para ela. Duas crianças, filhas bastardas do pedreiro Louis, ficavam sentadas no canto bebendo juntas um copo de sirop. Todos estavam muito felizes, cheios da certeza de que o mundo era um bom lugar, e nós, um grupo notável de pessoas.

Durante uma hora, o barulho dificilmente diminuía. Então, por volta da meia-noite, ouvia-se um grito penetrante de “Citoyens!”, e o som de uma cadeira que caía. Um operário loiro, de faces vermelhas, erguera-se e batia com uma garrafa na mesa. Todos
paravam de cantar e a notícia corria pelo bistrô: “Sshh! Fureux está começando!”. 

Fureux era uma criatura estranha, um canteiro limusino que trabalhava sem parar durante toda a semana e caía numa espécie de paroxismo bêbado aos sábados. Havia perdido a memória e não conseguia se lembrar de nada anterior à guerra, e a bebida o teria destruído se Madame F. não tivesse cuidado dele. Nas tardes de sábado, por volta das cinco horas, ela dizia para alguém: “Ache Fureux antes que ele gaste seu salário”, e depois que o capturavam ela pegava o dinheiro dele, deixando o suficiente apenas para
uma boa bebedeira. Uma vez, ele escapou e, andando cego de bebida pela Place Monge, foi atropelado por um carro, ficando seriamente ferido.

A coisa esquisita em relação a Fureux era que, embora fosse comunista quando sóbrio, ficava violentamente patriota quando bêbado. Começava a noite com bons princípios comunistas, mas depois de quatro ou cinco litros se tornava um chauvinista feroz,
denunciava espiões, desafiava os estrangeiros para a briga e, se não o impedissem, jogava garrafas. Era nesse ponto que fazia seu discurso — pois fazia um discurso patriótico todos os sábados à noite. E ele era sempre o mesmo, palavra por palavra:

“Cidadãos da República, há algum francês aqui? Se há franceses aqui, ergo-me para lembrá-los — para lembrá-los, na verdade, dos dias gloriosos da guerra. Quando olhamos para aquele tempo de camaradagem e heroísmo — olhamos, na verdade, para aquele tempo de camaradagem e heroísmo. Quando lembramos dos heróis que estão mortos — lembramos, na verdade, dos heróis que estão mortos. Cidadãos da República, fui ferido em Verdun...”
Nesse ponto, tirava uma parte da roupa e mostrava o ferimento adquirido em Verdun.

Ouviam-se gritos de aplauso. Achávamos que nada no mundo poderia ser mais engraçado do que esse discurso de Fureux. Ele era um espetáculo bem conhecido no bairro; as pessoas costumavam vir de outros bistrôs para vê-lo iniciar seu ataque.
Formava-se um conluio para atormentar Fureux. Com uma piscadela para os outros, alguém pedia silêncio e sugeria que ele cantasse a “Marselhesa”. Ele cantava bem, com uma bela voz de baixo e patrióticos ruídos gorgolejantes no fundo do peito quando
chegava ao “Aux armes, citoyens! Formez vos bataillons!”. 

Lágrimas sinceras rolavam por suas faces; bêbado demais, não percebia que todos riam dele. Então, antes que terminasse, dois operários fortes o pegavam pelos braços e o seguravam, enquanto
Azaya, fora do alcance dele, gritava “Vive l’Allemagne!”. O rosto de Fureux ficava roxo diante dessa infâmia. Todos no bistrô começavam a gritar juntos “Vive l’Allemagne! À bas la France!”, enquanto Fureux lutava para pegá-los. Mas de repente ele estragava a diversão. Seu rosto ficava pálido e lúgubre, seus membros claudicavam e, antes que alguém pudesse impedir, vomitava sobre a mesa. Então Madame F. o levantava como um
saco e o carregava para a cama. De manhã, ele reaparecia, quieto e civilizado, e comprava um exemplar de L’Humanité.

A mesa era limpa com um pano, Madame F. trazia mais garrafas de litro e pães e nos dedicávamos a beber a sério. Ouviam-se mais canções. Um cantor itinerante chegava com seu banjo e cantava canções em troca de cinco soldos. Um árabe e uma garota do
bistrô mais adiante na rua executavam uma dança em que ele brandia um falo de madeira pintada do tamanho de um pau de macarrão. Havia agora intervalos na algazarra. As pessoas começavam a falar de seus casos de amor, da guerra, da pesca de
barbo no Sena, sobre a melhor maneira de faire la révolution, e a contar histórias.

Charlie, novamente sóbrio, monopolizava a conversa e falava sobre sua alma durante cinco minutos. As portas e janelas eram abertas para refrescar o salão. A rua esvaziava-se e, ao longe, podia-se escutar o solitário carrinho do leite descendo o Boulevard St.
Michel. O ar lançava um golpe gelado em nossa testa e o vinho africano grosseiro ainda tinha um gosto bom; ainda estávamos felizes, mas reflexivos, e o clima de gritaria e hilaridade tinha acabado.

Por volta da uma da manhã não estávamos mais felizes. Sentíamos que a alegria da noite definhava e pedíamos apressadamente mais garrafas, mas Madame F. já estava pondo água no vinho e o gosto já não era o mesmo. Os homens ficavam agressivos. As garotas eram violentamente beijadas, mãos eram enfiadas em seus peitos e elas iam embora antes que o pior acontecesse. O pedreiro Louis estava bêbado e latia enquanto engatinhava pelo chão, fingindo ser um cachorro. Os outros se cansavam dele e o chutavam quando passava. As pessoas agarravam os braços umas das outras e começavam longas confissões desconexas, e ficavam bravas quando não lhes davam atenção. 

O grupo se reduzia. Manuel e um outro homem, ambos jogadores, iam para o bistrô árabe do outro lado da rua, onde o carteado continuava até o dia claro. Charlie tomava emprestados trinta francos de Madame F. e desaparecia, provavelmente para um bordel. Os homens começavam a esvaziar os copos, diziam rapidamente “’sieurs, dames!”, e iam dormir.

Por volta da uma e meia, a última gota de prazer já havia evaporado, deixando apenas dores de cabeça. Percebíamos que não éramos habitantes esplêndidos de um mundo esplêndido, mas um bando de trabalhadores mal pagos, miseráveis e tristemente
bêbados. Continuávamos a beber vinho, mas apenas por hábito, e a coisa parecia subitamente nauseante. A cabeça inchava como um balão, o chão balançava, a língua e os lábios estavam manchados de roxo. Por fim, não fazia mais sentido continuar com aquilo. Vários homens saíam para o quintal atrás do bistrô e vomitavam. 

Arrastávamo-nos para a cama, caíamos meio vestidos e ficávamos ali por dez horas. Quase todas as minhas noites de sábado eram assim. No total, as duas horas em que nos sentíamos perfeita e freneticamente felizes pareciam valer a dor de cabeça subsequente. Para muitos homens do bairro, solteiros e sem um futuro em que pensar, a bebedeira semanal era a única coisa que fazia a vida valer a pena.

terça-feira, 14 de maio de 2019

Seção "Mais valem algumas palavras do próprio autor - quando este é fera, claro - do que mil resenhas": "Na pior em Paris e em Londres", de George Orwell (por Diego T. Hahn)


Algumas considerações:

1) Primeiramente uma errata retroativa: humildemente, creio que erramos (ou, errei) em outras "seções" do blog, ao chamá-las de "sessão" (ah, a bela última flor do Lácio!)... mas, enfim, antes tarde do que nunca (embora, procurando agora nos arquivos, eu não tenha achado a palavra, nem de um jeito nem de outro... então, talvez fosse só impressão - mas, que seja, corrijamos também nossas impressões e até mesmo, o suprassumo da humildade e do perfeccionismo, erros que talvez nunca tenhamos cometido!)

2) Esta seção, pois, não é sacanagem com nenhum "resenhador" - profissa ou amador - , porque é legal mesmo treinar a própria escrita, exercitá-la em textos "comentativos" (e tem mesmo gente muito boa por aí), mas, porra, quer coisa melhor que algumas linhas, por exemplo, do próprio Orwell, ao invés do meu blá blá blá pseudo-literário sobre o livro do cara? (Além do que, aaaaahh... a velha preguiça, né!?...)

3) Então, vamos lá - resumidamente, o livro, o primeiro lançado por Orwell, narra suas peripécias após largar um emprego na Polícia Imperial Britânica na Birmânia (antiga colônia inglesa) e, desempregado e antes de se dar bem como escritor, viver por um tempo nas capitais francesa e inglesa em situação de quase miséria total, entre mendigos, dormindo de albergue em albergue e se alimentando por dias só de pão e chá. Vamos publicar nos próximos dias então alguns fragmentos dessa obra, que, segundo reza a lenda, só veio à luz do sol, graças ao apoio de uma gaúcha, Mabel Fierz, crítica literária filha de ingleses, com a qual Orwell (ou, Arthur Blair, o nome verdadeiro do cara) se envolveu na juventude, e a qual se encantou com o talento do bicho. Neste excerto aqui, Orwell faz uma análise sobre a vida dos mendigos (mais especificamente uma reflexão sobre o que a sociedade em geral pensa dos mendigos - e como eles são, ou eram - naqueles tempos, anos 30 - , na realidade):

"Vale a pena dizer alguma coisa sobre a posição social que os mendigos ocupam, pois quando se convive com eles e se descobre que são seres humanos comuns, não se pode deixar de ficar admirado com a curiosa atitude da sociedade com relação a eles.

 As pessoas parecem achar que existe uma diferença essencial entre mendigos e “trabalhadores” comuns. Acham que eles constituem uma raça à parte: a dos vagabundos, como os criminosos e as prostitutas. Os trabalhadores “trabalham”, os mendigos não “trabalham”; são parasitas, inúteis por natureza. 

Dá-se por certo que um mendigo não ganha a vida do modo como um pedreiro ou um crítico literário ganham as suas. Ele não passa de uma excrescência social, só tolerada porque vivemos numa época humana, mas ele é essencialmente desprezível.

Contudo, se observarmos de perto, vemos que não há uma diferença essencial entre o modo de vida de um mendigo e o de inúmeras pessoas respeitáveis. Os mendigos não trabalham, diz-se. Mas, então, o que é trabalho? Um operário braçal trabalha brandindo uma picareta. Um contador trabalha somando números. Um mendigo trabalha ficando ao relento em qualquer tempo, ganhando varizes, bronquite crônica etc. É um ofício como outro qualquer, bastante inútil, é verdade — mas muitos ofícios respeitáveis também são inúteis. E, como tipo social, o mendigo se sai bem na comparação com muitos outros. Ele é honesto, se comparado com os vendedores da maioria dos medicamentos patenteados; de altos princípios, se comparado com o dono de um jornal dominical; amável, se comparado com um comerciante que vende a crédito com preços extorsivos. Em resumo, é um parasita, mas um parasita razoavelmente inofensivo.

Raramente extrai mais da comunidade do que uma vida indigente, e paga por isso com um sofrimento incessante, o que poderia justificá-lo, de acordo com nossos padrões éticos. Não creio que exista algo num mendigo que o coloque numa categoria diferente
da das outras pessoas ou que dê à maioria dos homens modernos o direito de desprezá-lo.

Surge então a questão: por que os mendigos são desprezados? Pois o são, universalmente. Acredito que seja pela simples razão de que não conseguem ganhar o suficiente para levar uma vida decente. Na prática, ninguém se importa se o trabalho é útil ou inútil, produtivo ou parasita; a única exigência é que seja lucrativo. Afinal, em toda a conversa moderna sobre energia, eficiência, serviço social e coisas assim, o sentido não é senão “ganhe dinheiro, ganhe-o legalmente e ganhe muito”? O dinheiro se transformou na grande prova de virtude. Nessa prova, os mendigos são reprovados e, por isso, são desprezados. Se fosse possível ganhar dez libras por semana mendigando, a mendicância se transformaria imediatamente numa profissão respeitável. 

Observado de forma realista, um mendigo é apenas um homem de negócios que ganha a vida do jeito que dá, como outros homens de negócios. Não vendeu sua honra — não mais do que a maioria das pessoas modernas. Ele apenas cometeu o erro de escolher um negócio no qual é impossível enriquecer."


quinta-feira, 4 de abril de 2019

"Meu amigo Diogo Khan, vermelho, do contra, versus as milícias sociais" (por Diego T. Hahn)


Bem, pessoal, o caso é que eu tenho esse amigo, sabe, vamos chamá-lo, digamos, de, hum, Diogo Khan... é, isso, Diego, digo, Diogo Khan.

Pois bem, pois o Diogo Khan jura que, até para evitar mal-estar com familiares e amigos - e um pouco, é verdade, por medo das tais "milícias sociais" - , durante os últimos estranhos meses (e até anos) evitou falar em política mais “diretamente”, quando escrevia a respeito (porque o Diogo Khan é "metido a escritor", sabe; desses intelectualóides da vida, que dizem que valorizam a literatura e que, portanto, ainda têm costume de ler, se informar, pesquisar, e às vezes também escrever, procurando ser o mais ponderado possível) em meio a algum texto tentava sempre usar de metáforas e humor, e sem apontar muito diretamente dedo, sem nominar ou partidarizar a coisa... mas, como dizem, "para que os maus triunfem, basta que os bons não façam nada" (claro, como dizem também, isso é relativo, ninguém é totalmente bom ou totalmente mal, essa linha por vezes é tênue, e todos acreditamos ser os bons e que os maus são “os outros”; então, qual o critério do Diogo Khan para essa seleção? Simples, numa palavra, segundo ele: humanismo)

Olha, caras, o Diogo Khan, humanista, mas, antes de tudo, humano, confessa humildemente, então, que andou sendo um tanto quanto hipócrita esses últimos dias/semanas/meses... ele dizia que, embora não tivesse votado nele e fosse contrário à maioria de seus princípios, fazer o quê?, agora torcia para que esse novo governo desse certo, e tal... 

...mas, balela: é tudo mentira! - eu venho agora aqui desmascarar o Diogo Khan.

 Pois após começar a caminhar para uma espécie de depressão em função do que lê diariamente nos comentários dos leitores de sites de notícias e jornais (sim, ele também é meio masoquista), Diogo Khan decidiu ser sincero: claro que ele torce para que o Brasil melhore – e logo (amanhã; ou, ainda melhor, hoje!) – , que diminuam os crimes (especialmente os violentos), que a corrupção diminua, que a qualidade vida em geral melhore, torce sim para que o Brasil melhore, mas, ele sente muito, mas é impossível para ele torcer por esse governo.

Por quê?

Porque ele é comunista, claro! Só pode. Assim como a Globo, a ONU, a Veja, o Faustão, o Paulo Coelho, o Facebook, Marine Le Pen, o Roger Waters, o Bono Vox, a Alemanha, o Museu do Holocausto, em Israel (os dois últimos – com sua pouca experiência no ramo, não é mesmo –  por mencionarem o óbvio, apesar de que parte da sábia, culta e instruída população brasileira tenha repentinamente começado a discordar: que o nazismo foi uma ideologia de extrema direita - alguns "milicianos sociais" brasileiros, que, contraditoriamente defendem mudança de embaixada para Jerusalém, chegam a negar ainda o próprio Holocausto, quando cerca de 6 milhões de judeus foram mortos pelo agora também comunista Adolf Hitler)...

E, claro, também pela sua natureza do contra; "se hay gobierno, soy contra", recita Diogo Khan, que às vezes se sente mesmo uma espécie de "exército de um homem só" - por mais que no fundo as suas posições se inclinem ligeiramente, claro, para um lado - , um estranho perdido na "terra de ninguém" (aquela zona de guerra, cheia de arames farpados, entre as trincheiras, sabe?), entre as barricadas dos dois extremados lados (mas, como um dos lados parece atualmente mais extremado e extremista, e de lá as balas e bombas zunem à sua volta com mais violência, é contra este que D.K. se opõe mais incisivamente no momento...).

Mas, brincadeiras à parte, mais especialmente pelo singelo fato de acreditar que não basta uma economia melhorar para a vida em geral melhorar – que a "vitória" deste governo seria, de certa forma, a vitória da falta de humanismo, seria a prova de que os fins simplesmente justificam mesmo os meios (não importa o que você diga ou faça, quem você desrespeite, o quanto você deturpe a História - se a economia estiver girando e todo mundo com emprego, ganhando bem, tudo bem)... 

Diogo Khan, pobre sonhador, prega que é preciso mais: é preciso a valorização, veja você, da educação, da cultura, da ciência (vale a ilustração de Goebbels, Ministro da Propaganda de Hitler, que por outro lado dizia: "Quando ouço a palavra cultura, saco logo meu revólver..."). Sem isso, por mais que a economia esteja relativamente bem, ele acha impossível que se dê "o salto".

Se não tiver isso, portanto, não lhe serve. Embora não, não o considere um "vilão" (para Diogo Khan não há vilões e nem heróis nessa história - mas ele só não gosta dos que nem ao menos tentam raciocinar com parcimônia, por conta própria, e dos que desrespeitam os fracos e oprimidos) não basta, no entanto, para Diogo Khan a figura do empresariozão legalzão "botando banca" porque está fazendo a economia girar e se gabando de automaticamente gerar empregos.

Isso é bom, sim - melhor ainda para o empresariozão, claro, que por vezes anda de jatinho e passa férias na Suíça (sim, Diogo Khan também é meio invejoso e queria também ganhar bilhões e passar férias na Suíça... mas, quem mandou ler e estudar, né?) - mas não lhe basta. Diogo Khan quer é a tal qualidade de vida – plena, no seu todo: não só um troco no bolso; ele quer o tal humanismo (cristão? Onde estão os cristãos nessa hora?? Estão todos na Igreja?), quer mais sensibilidade, quer empatia... e, claro, se possível, também um pouco de poesia (olha aí, por sinal, até rimou!).

Diogo Khan diz que até torceria por este governo se o líder dele se penitenciasse, humildemente, fosse mais “humano”, não se escondendo atrás da tropa de choque de seus milhões de votos e, claro, das famigeradas "milícias sociais", e pedisse perdão por todas as vergonhosas asneiras que já disse (e, claro, que parasse de produzir diariamente outras tantas – como, por exemplo, defender a tal escola sem partido e ao mesmo tempo contraditoriamente tentar mudar a História, sugerindo adaptar livros de educação para sua ideologia)...

Torceria por este governo se os seus seguidores (S.S. - sigla de "seus seguidores", taokey?) admitissem - como alguns raríssimos conhecidos meus realmente já o fizeram, ainda que em off - : "cara, realmente, votei nesse cara, apesar do currículo e da inteligência no mínimo duvidosos dele, porque achava que não havia opções, achava que era o menos pior, para não deixar os comunistas (?) continuarem lá, para a criminalidade diminuir no país pois ele sem dúvida é um novo John Wayne tupiniquim que nos salvará dos malfeitores, para os aliens não invadirem o Brasil também (pois ele é um dos homens de preto, sem dúvida) etc... mas realmente, não posso admitir a defesa de determinadas posições anti-humanistas. É, não definitivamente não posso mesmo me permitir isso. Não posso entregar meu cérebro – e minha alma – assim de bandeja... por NENHUMA ideologia que não seja totalmente correta, em termos de honestidade e humanismo."

Torceria por este governo, se os S.S., que se emocionaram há tempos atrás com o drama dos índios (brazucas e norte-americanos, respectivamente) em "A Missão" e "Dança com Lobos", por exemplo, com o drama dos negros em "12 anos de escravidão", e dos gays em "Filadélfia", choraram com "A lista de Schindler", "O menino do pijama listrado" e "A vida é bela", e claro vibraram com o combate ao poder paralelo das milícias cariocas e suas influências no meio político e empresarial retratado em "Tropa de Elite 2", se dessem conta das suas contradições atuais e dissessem: não, realmente, não posso admitir tal tratamento de exclusão para certos grupos/povos/etnias tão sofridos (muito menos em prol de gente que quer por vezes simplesmente manter ou avançar mais um palmo de terra, para a compra de mais uma caminhonete último modelo...), nem a deturpação da História (ainda mais a História mundial!), nem dar meu aval indireto, relativizando a destruidora influência das famigeradas milícias urbanas - um mal que corrói todo o "sixtema" de maneira ainda pior que o tráfico de drogas, pois o corrói por dentro, prejudicando o trabalho dos bons agentes da lei.

Enfim, que seguissem o apoiando, okey, mas que deixassem de idolatrar a mediocridade (no sentido literal da palavra, de medianidade, taokey?), por vezes alçada, através do “humor” das "milícias sociais", provavelmente para sua própria surpresa, a salvadores da pátria (porra, nesse caso, Diogo Khan diz que ainda preferia o Sassá Mutema, então, caramba!... pois assim agradaríamos a gregos e troianos: um sujeito tosco no cargo mais alto do país e uma filha de militares – a professorinha Maitê – como primeira-dama; que tal?).

Porra, é pedir demais uma hora dessas um presidente de uma república do tamanho do Brasil com um mínimo de inteligência ("Ele sente-se poderoso, ele é um mito sem dizer nada, sem pensar nada. E ele foi incensado para isso. Sem esforço nenhum se tornou um líder depois de 28 anos de uma legislatura medíocre" - declaração do renomado jurista Miguel Reale Jr, que, claro, deve ser também "comunista"... apesar de ter sido um dos mais ativos propositores do impeachment de Dilma Rousseff), minimamente articulado (que, como diria um outro filósofo, não astrólogo, "quem não se comunica se trumbica"), que não entre em polêmicas desnecessárias, que não incentive o louvor a um tempo sombrio em que se dava choques em bebês e se espancava artistas em teatros (você que é fã da lendária atriz Marilia Pêra, por exemplo - ainda mais agora que ela já se foi, provavelmente - , sabia que ela chegou a ser despida e espancada em um camarim durante a ditadura? E também o foi o ator André Valli, o Visconde de Sabugosa do Síto do Pica-Pau Amarelo? Caramba, os caras bateram no Visconde de Sabugosa e você dá "vivas" para eles! Conforme documento da ONU referente ao assunto no Brasil de hoje, por sinal, "tentativas de revisar a História e justificar ou relevar graves violações de direitos humanos do passado devem ser claramente rejeitadas por todas as autoridades e pela sociedade como um todo...(...)comemorar o aniversário de um regime que trouxe tamanho sofrimento à população brasileira é imoral e inadmissível em uma sociedade baseada no Estado de Direito" - se tem algo contra esse trecho, proteste contra a comunista Organização das Nações Unidas, endereço: Nova York, USA, talkey?), que não seja adepto do totalitarismo, independente de esquerda e direita (o nosso atual, por exemplo, se dizia fã de Hugo Chavez, sabia? E tal qual o ex-presidente venezuelano, cogitava há pouco fazer como aquele, aumentar o número de ministros do STF - esse STF que você quer que seja dissolvido - , ele queria aumentar o número de ministros da casa - claro, passando a contar com o controle dela, através de sua grande quantidade de indicações...mas parece que a ideia, inacreditavelmente, "não pegou bem", assim como a ideia de unir Ministérios de Agricultura e Meio Ambiente, e transferir embaixada em Israel - bem, neste último caso, ficou de lambuja ao menos um "corajoso" desafio de um dos filhotes - nas "milícias sociais", claro - ao Hamas - porque, claro, tudo que precisamos hoje é uma guerra internacional contra outros extremistas, especialistas em bombas etc), disposto a governar para TODOS os conterrâneos, a apaziguar ânimos, a RESOLVER problemas, e não a CRIÁ-LOS, de forma boba, a todo momento, como um adolescente na internet? 
Ou teremos mesmo que sempre  aturar caricaturas e personagens no cargo mais alto do país?...

Ah, mas eles na verdade são nós, caro amigo... olhe ao redor: ele lá em cima é a sua voz – e cada vez que você ecoa essa voz, ela ganha mais força (e pensa menos – pois você isenta ele disso; você dá o seu apoio incondicional de torcedor).

Estranhos tempos, filosofa Diogo Khan: tempos em que, ao invés de seres humanos que fazem descobertas científicas e tecnológicas ,como o Professor Pardal, e trabalhos humanitários, por vezes voluntários, serem exaltados, o são grandes empresários, interessados muitas vezes unicamente na realidade em reproduzir a caixa-forte do Tio Patinhas (e que por vezes têm histórico de sonegação, evasão de divisas etc, enquanto pregam patriotismo com a camisa da Seleção - da Seleção de Patópolis?), por automaticamente gerarem empregos (sim, fator muito importante, sem dúvida, para um mínimo de bem-estar das pessoas e para a nossa economia girar e tal, quem seria maluco de dizer que não? – mas Diogo Khan, pobre idealista, ainda continuará idolatrando - além do finado Fernandão, é claro -  é quem trabalha, por vezes de maneira voluntária, como dito antes, para melhorar não meramente o salário (e não o próprio), mas as condições sociais em geral, culturais, de educação, das pessoas... como diria Belchior, cita ele: “... amar e mudar as coisas me interessa mais...”).

Tempos em que, ao invés de se ouvir a voz de pensadores e cientistas, portanto, se ouve a voz de astrólogos – e terraplanistas...
Enquanto isso, quando até velhos lobos (essa é uma daquelas metáforas, embora bem óbvia – creio eu) protestam, as ovelhinhas seguem na sua toada de manada, olhos fechados, induzidas a reproduzir um passado obscuro recauchutado como um presente de futuro... Prova de que o gado age como gado – sem iniciativa própria, seja para pensar ou para se movimentar, tendo sempre que ser "tocado" por alguém mais esperto – é que só nos últimos anos boa parte da população (inclusive classe média-alta, supostamente mais instruída) se revoltou contra o Molusco, o Luladrão, o Luizinho Nove Dedos, quando, já no longínquo 2005, era claríssimo o seu envolvimento no escândalo do mensalão e esse mesmo Diogo Khan - que apesar de vermelho não é uma ovelhinha cega - na época bradava indignado que o mesmo podia até estar melhorando as condições de vida da população mais pobre e o escambau (assim como admite algumas iniciativas razoáveis no governo de hoje, mais particularmente na área econômica), mas devia ser apeado de lá pois obviamente estava envolvido naquela maracutaia... e onde estava o gado então? Ah, mas a economia estava boa (aqueles empresários patriotas estavam ganhando bem, muito bem!) então não tinha ninguém para puxar a boiada... pobre exército de um homem só, Diogo Khan não tem $ (e nem "milícias sociais") para bancar revoluções - e também infelizmente não é jedi para mudar as coisas só com a força do pensamento (e mais infelizmente ainda também não tem um sabre de luz nas mãos - ah, como Diogo Khan queria um sabre de luz hoje em dia para enfrentar a "Primeira Ordem"*!)...

*Ver "Star Wars - O despertar da Força": a Primeira Ordem é uma ditadura militar autocrática, surgida das cinzas do Império, 30 anos após a saída de cena deste... (ah, sim: qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência, claro)

Ah, mas claro, no fundo é tudo um jogo de cena e o Diogo Khan só podia era estar defendendo esses "rebeldes", esses vagabundos vermelhos: humanista uma ova; ele é um patife comunista, não é mesmo!? É, é isso aí; e viva a Guerra Fria – em pleno Brasil de 2019!

Diogo Khan até gostaria mesmo de descer, mas só não pede para pararem o mundo, pois, óbvio, todo mundo sabe: o mundo não se move; a Terra, claro, é plana (Chupem essa, Copérnico, Galileu e turma de burros atrasados - e viva esse nosso genial Brasil "do futuro"!)


sexta-feira, 1 de março de 2019

"Poesia para quem precisa" (por Diego T. Hahn)


(Na nossa meio preguiçosa onda de reprises (e propaganda, claro!) aqui, vai mais este - lembrando que qualquer semelhança - por mais metafórica que seja - com fatos, situações e pessoas (e por mais que estas defendam práticas violentas de repressão e, por algum estranho motivo, ao mesmo tempo, se revoltem com iniciativas artístico-culturais) reais e atuais é mera coincidência (embora talvez sua publicação agora não?...) - o texto abaixo foi publicado em 2014, na coletânea de contos "Histórias Reais de Amigos Imaginários (e Vice-Versa)"... - ah, sim, creio que talvez importante mencionar também: não, o livro em questão não teve apoio da Lei Rouanet, nem de nenhuma outra lei; só de amigos e parentes mesmo!)


"Onde se queimam livros, cedo ou tarde acabam queimando pessoas..."
(Heinrich Heine)


- Mão na cabeça, vagabundo!

- Olha aí, capitão: caderninho de poesia...

- Preso em flagrante, hein, vagabundo!? Poesia, hein??

- Hã?... Eu estava aqui só escrevendo... não sabia que...

- Não sabia o quê? Não sabia que é o primeiro passo, malandro? Não sabia que a poesia é a porta de entrada??

- Porta de entrada para o quê, chefia?...

PLAFT!

- Ai!

- Tá te fazendo, malandro? Vê aí o que tá escrito, Serjão... lê aí...

- Humm...

- Vê se ele cita a polícia aí...

- Não, capitão... não...

- Bom, vê se ele preparava então alguma rima pra polícia...

- Hum... tipo o quê, capitão?

- Hum... não sei... olha aí, Serjão!... sei lá... “polícia”... “polícia”...

- Milícia, chefia?

PLAFT!

- Ai!

- Tá chamando a gente de miliciano, é, malandro?

- “Delícia”. Achei aqui, capitão...

- Ôpa! Olha aí... temos provas agora!... lê, lê o resto aí, Serjão.

- “Tuas mãos pelo meu corpo... o mundo absorto... no teu seio eu navego... numa tarde de delícia”...

- Olha aí! Atentado ao pudor, no meio da rua!

- E a rima, capitão? Tá faltando a rima...

- É verdade. Cadê a rima, malandro? Onde ia entrar a rima aqui??

- Não tem rima... é um poema que...

PLAFT!

- Ai!

- Tá tirando a gente pra ignorante, malandro? Acha que a gente não entende de poesia, é??

- Não, não é isso... é que...

- Olha essa outra, capitão: “Teu corpo é meu castelo... meu porto seguro... quando ouço tua voz...”

- “Meu mastro fica duro”? Mais atentado ao pudor aí??

- Não. “O inimigo pede trégua”...

- O quê??

- É... por que não usou “égua” ou algo assim antes então?

PLAFT!

- Ai! Pô, por que essa agora?

- Nem sabe fazer poesia, vagabundo!... Ah, tamo perdendo tempo aqui... nem é poeta nada, Serjão...

Jogam o caderninho nele e vão embora.

Ele fica imóvel ainda por um tempo ali escorado na árvore, observando eles se irem.

Em seguida, pega o caderno e a caneta e volta a buscar a rima que tanto procurava o dia inteiro e que estava quase lhe chegando antes de ser interrompido...

Fictícia?”